"Não nos encostem à parede". Milhares protestam contra ação policial na rua do Benformoso
FOTO: LEONARDO NEGRÃO

"Não nos encostem à parede". Milhares protestam contra ação policial na rua do Benformoso

Movimento que surgiu na sequência da revista policial a dezenas de imigrantes, em dezembro, protesta contra o racismo e a divisão da sociedade portuguesa. Uma vígilia apoiada pela extrema-direita também decorre esta tarde na Praça da Figueira.
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A manifestação "Não nos encostem à parede" decorreu na tarde deste sábado, a partir das 15.30 horas, com milhares de pessoas num percurso entre a Alameda e o Martim Moniz, em Lisboa. O protesto surgiu contra a ação levada a cabo pela polícia na rua do Benformoso, no dia 19 de dezembro, quando as autoridades ordenaram que dezenas de imigrantes se encostassem à parede dos edifícios para serem revistados.

Na origem da manifestação está um apelo subscrito por centenas de organizações e ativistas, de acordo com a Lusa, contra a atuação das forças policiais junto das periferias e dos imigrantes.

De acordo com a organização, estão na rua cerca de 15 mil manifestantes.

Entre os manifestantes encontram-se alguns políticos como Alexandra Leitão, do PS, João Ferreira, do PCP, Mariana Mortágua, do BE, ou Rui Tavares, do Livre.

"O que rejeitamos são retóricas divisivas e artificiais que servem apenas para o Governo tirar o foco daquilo que é importante que é resolver os problemas dos portugueses", realçou a deputada e líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, para quem a polícia de proximidade, a videovigilância e a iluminação pública são as formas de combater a insegurança e "não operações que não têm outra função se não desviar a atenção dos problemas dos portugueses".

"É tão importante estarmos aqui com comunidades de imigrantes, com associações de imigrantes, com outros partidos políticos, com pessoas que se querem juntar nesta celebração", afirmou a coordenador do BE, Mariana Mortágua, defendendo que o que une vários partidos nesta manifestação "é o orgulho do antirracismo" e "a coragem da solidariedade nos momentos mais difíceis".

Pelo PCP, João Ferreira alertou que a "instrumentalização, por parte do poder político, das forças de segurança é um perigo" para a população, para os próprios agentes e para a democracia.

"Quando essa instrumentalização é feita para voltar grupos da população uns contra os outros mais perigoso se torna ainda, porque hoje é contra uns e amanhã será contra nós todos", referiu o responsável.

“Queremos com esta manifestação dizer que para nós Portugal é um país de convivência, solidariedade, de respeito mútuo”, disse o porta-voz do Livre, Rui Tavares. “É isso que traz a verdadeira segurança a toda a gente. Não há lugar nem para o ódio, nem para a divisão, nem para o alarmismo e o medo."

"O Benformoso não é apenas um, somos todos"

Nos discursos que assinalaram a conclusão da manifestação, os promotores recusaram a instrumentalização política do movimento.

"O Benformoso não é apenas um, somos todos", afirmou Vânia Puma, do Coletivo Mulheres Negras Escurecidas, referindo que desde o Casal da Mira ao Casal de São Brás ou à Pedreira dos Húngaros os cenários repetem-se.

"Basta ir ao Casal da Mira" e o que se passou no Benformoso "acontece todos os dias", e "não podemos nem acudir um irmão" perante a violência policial.

"Não nos encostem à parede, porque fomos nós que construímos as paredes" de Portugal, prosseguiu, recordando que "o aeroporto não funciona, o Colombo não funciona, nenhuma infraestrutura funciona sem os bairros [periféricos]".

"As lojas são limpas por nós. São as pretas racializadas, pobres imigrantes, [somos nós] que limpamos Portugal e querem encostar-nos à parede?", questionou a ativista.

Miguel Garcia, outro organizador da manifestação, elogiou a presença de imigrantes e portugueses lado a lado na recusa do racismo e da violência policial. "Estamos aqui a construir hoje uma nova Lisboa", em que o "amor, a solidariedade, o companheirismo e a união fazem a força".

Flávio Almada, do movimento Vida Justa, falou sobre a presença de muitos políticos na manifestação, de partidos de esquerda, e prometeu que "esta luta não vai ser instrumentalizada".

Quando estiveram no poder, "praticaram política ao serviço dos ricos que nos encostaram à parede" e "colocaram uns contra outros". Por isso, "quando chegarem ao poder que se lembrem de nós, porque estaremos aqui para combatê-los", avisou.

"Querem fazer de nós os inimigos", mas "os imigrantes são trabalhadores" e "vieram em paz", disse o ativista Farid Ahmed Patwary, do Bangladesh, que discursou também em bangla às centenas de imigrantes do seu país que estavam presentes.

Já Anabela Rodrigues, da Solidariedade Imigrante, afirmou que "Portugal não pode ser racista" e todos "têm direito à sua dignidade".

A manifestação contou com a participação de músicos como Nex Supremo, Lucas Argel e La Familia Gitana, terminando ao som de "Grândola Vila Morena", música José Afonso.

Vigília do Chega decorre na Praça da Figueira

O anúncio desta manifestação, entre a Alameda e o Martim Moniz, motivou a organização pelo Chega de uma vigília de apoio à PSP para a mesma tarde, denominada "Pela autoridade e contra a impunidade", com concentração na Praça da Figueira, a cerca de 300 metros do Largo do Martim Moniz.

A concentração também se iniciou pelas 15.30 horas Depois de chegar à Praça da Figueira, André Ventura, presidente do Chega, considerou "ilegítima" a manifestação "Não nos encostem à parede".

“É uma manifestação contra as polícias, contra os juízes, contra os magistrados que ordenaram a ação que decorreu no Martim Moniz. Não foi só a polícia que levou a cabo aquela ação”, disse.

“O primeiro-ministro [Luís Montenegro] devia ter tido a coragem, aliás, até podia estar aqui [na vigília] hoje, podia ter tido a coragem de dizer ‘quando se começa ao lado das forças de segurança, vai-se até ao fim’. Porque o que os portugueses precisam hoje é de políticos que vão até ao fim, que não tenham medo, que não cedam à pressão”, afirmou.

A direção e vários deputados do Chega, incluindo Rita Matias, Rui Paulo Sousa, Pedro Frazão e Diogo Pacheco Amorim, marcam presença na Praça da Figueira.

Vestidos com t-shirts negras onde se lê "Pela autoridade contra a impunidade" e alinhados em fila, os apoiantes da vígilia organizada pelo Chega permanecem em frente a um palco. As t-shirts negras foram justificadas como forma de assinalar o luto por polícias agredidos.

Uma hora antes do início da manifestação agendada pelo movimento "Não nos encostem à parede", um grupo de ativistas de extrema-direita ocupou o lado poente da Alameda, em Lisboa, onde se iniciou o protesto contra a atuação da PSP.

Espaçados, com faixas e grandes bandeiras de Portugal e da sigla partidária, os apoiantes do partido Ergue-te e do movimento Habeas Corpus ocuparam uma área substancial do espaço, levando mesmo um vendedor de livros anarquistas que estava no local a mover-se para um passeio mais afastado.

Em silêncio, fizeram a sua oposição à manifestação contra a atuação da PSP nos locais de grande concentração de imigrantes e na periferia da Grande Lisboa. Mais tarde, após a manifestação "Não nos encostem à parede" ter começado a descer a avenida Almirante Reis, também um grupo de extrema-direita ligado ao Ergue-te e ao Habeas Corpus iniciou uma contra-manifestação, que conta com algumas dezenas de pessoas.

Com Lusa

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