As políticas de apoio à natalidade são fundamentais para proteger a maternidade, mas a decisão de ter mais do que um filho é, sobretudo, da mulher e depende mais da disponibilidade de tempo do pai para cuidar dos filhos do que de incentivos financeiros. É, pelo menos, nesse sentido que apontam as conclusões do estudo Determinantes da Fecundidade, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.“Para uma família passar do primeiro para o segundo e terceiro filhos deixa de ser determinante o tempo da mãe e torna-se mais importante a disponibilidade do pai para partilhar responsabilidades familiares”, diz Maria Filomena Mendes, a demógrafa coordenadora do estudo feito a partir do Inquérito à Fecundidade, de 2013. “Sem uma partilha de responsabilidades mais igualitária, parece não restar outra alternativa senão permanecer com um único filho”.Ao longo das duas últimas décadas, os governos mais à esquerda ou mais à direita têm aumentado consecutivamente a licença obrigatória para o pai _ que está nos 28 dias úteis nos primeiros seis meses, sete dos quais logo a seguir ao nascimento. Mas os partidos mais à esquerda reclamam uma nova extensão da licença de amamentação dos atuais dois para três anos.O tema dos apoios à natalidade saltou para a discussão pública, por ocasião da reforma laboral que o Governo apresentou aos parceiros sociais, com mais restrições à licença de amamentação e à flexibilidade de horário de trabalho para pais com filhos até aos 12 anos e que geraram forte contestação de sindicatos, associações e partidos da Oposição. “É uma ofensa moral às mães trabalhadoras, não se pode colar este rótulo às mães trabalhadoras, sobretudo quando o mais comum é o desrespeito da lei pelas empresas”, disse ao DN, André Dias Pereira, professor de Direito da Saúde na Universidade de Coimbra e vogal do Conselho Nacional de Ciências da Ética, em reação às declarações da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Carvalho, que sugeriu abusos no uso dessa licença até aos seis anos de idade, sem os quantificar. Em contraponto, o presidente da CIP, Armindo Monteiro, confirmou ao DN “situações de um abuso gritante” no uso daquela licença, igualmente sem as quantificar. Em causa está a intenção de limitar a licença a dois anos (agora é indefinida) e a fazer prova de amamentação a cada seis meses.O verdadeiro impacto das políticas públicas na decisão íntima de ter um ou mais filhos é, porém, difícil de medir, segundo os especialistas. Os apoios são relevantes – e quanto mais generosos, mais facilitadores _ , mas representam apenas uma peça da complexa teia de razões que determinam tanto a idade da maternidade como o número de filhos, que “tem a ver com valores, ideais, projetos de vida, nível de escolaridade, situação familiar e profissional, rendimentos ou acesso à habitação”, concordaram a autora do estudo e o pediatra Mário Cordeiro, num debate recente promovido pela FFMS.Tendo em conta que 95% dos residentes afirmam ter a intenção de ter filhos, “em Portugal, o problema não está na passagem do não ter filhos para ter um filho, mas na passagem do primeiro para o segundo filho”, reafirma Maria João Valente Rosa, ex-diretora da Pordata. Com efeito, a reposição de gerações só se obtém a partir de 2,1 filhos por mulher e Portugal não vai além dos 1,4 filhos em 2024 (já contando com o efeito das mães migrantes), estando até acima dos 1,3 filhos registados na Alemanha, a ‘locomotiva’ da Europa, conhecida por sólidos apoios sociais, e que, sem o contributo das mães estrangeiras, teria apenas 1,2 crianças por mulher.Um país a encolherPortugal é um dos países mais envelhecidos, com a 8ª taxa de fecundidade mais baixa da UE. E está sob ameaça de perder cerca de 23% da sua população ativa, entre os 20 e os 64 anos, até 2060. Nem há sinais de inversão da tendência, pois o número de nascimentos voltou a descer em 2024, depois da recuperação pós-Covid, recuando para valores abaixo dos de 2015. A tendência de longo prazo da fecundidade é clara e veio para ficar, indicam vários estudos.E, se é verdade que as crises económicas se fazem sentir na quebra da natalidade _ visível no período da Troika , por exemplo_, esta tendência de fundo tem sobrevivido tanto a períodos de crise como de prosperidade, ao longo das últimas duas a três décadas. E atravessa os países ocidentais, em particular os do Sul da Europa, mas não só, com os nórdicos e países do ex-bloco de Leste (Roménia, Hungria, Bulgária) a terem as maiores taxas de fecundidade.Por isso, Maria Filomena Mendes considera que “não existe uma crise da família, mas sim uma mudança da família”. Também Mário Cordeiro observa que “a família é uma entidade muito dinâmica, que mudou muito depois da segunda Guerra Mundial e, em Portugal, sobretudo depois de 25 de Abril, com o aumento da escolaridade, influenciando o adiamento da maternidade”. Este adiamento “acaba por ser determinante no número de filhos por mulher, pois quanto mais se adia, menor é a probabilidade de se vir a ter mais do que um filho”, refere a autora. O inquérito indica ainda que quem tem irmãos tende a ter maior intenção de ter mais filhos, sendo que são as pessoas com menor escolaridade que acabam por ter mais filhos.Em 2024, a idade média do primeiro filho das portuguesas ultrapassou pela primeira vez os 30 anos, 3,2 anos mais tarde do que há duas décadas. Por outro lado, “o facto de se achar preferível ter menos filhos com mais oportunidades, em detrimento de se terem mais filhos com mais restrições, é decididamente relevante na decisão de fecundidade”, indica o estudo da FFMS. “Em Portugal, isso é muito expressivo, porque as pessoas têm rendimentos muitos baixos e é quase um milagre terem dois filhos e conseguirem assegurar educação, saúde e alimentação”, nota a investigadora da Universidade de Évora.Apesar do progressivo reforço dos apoios e disponibilização de creches, com a novidade da promessa de gratuitidade, os apoios à natalidade em Portugal ainda são baixos e o acesso aos infantários gratuitos continua escasso. “O Estado podia fazer muito mais em políticas de natalidade, nomeadamente na rede de creches”, diz André Dias Pereira.Governos reforçam apoios, mas ficam sempre aquémA despesa pública de Portugal com apoios à família ronda os 1,2% do PIB, quando a média dos países da OCDE é de 2,14%. Em 2020, o país tinha mesmo a 5ª despesa mais baixa na União Europeia com as famílias. Um dos períodos mais férteis em medidas de incentivo à natalidade foi entre 2005 e 2009, no governo socialista de José Sócrates, mas algumas tiveram retrocesso quase imediato, logo em 2010, no exercício do mesmo governo, já por efeito da crise económica que levaria à intervenção da Troika. Foi reforçado o abono de família e apoio às grávidas e introduzida a licença parental partilhada. Antes disso, já o Governo social-democrata de Durão Barroso/Santana Lopes havia introduzido o 5º mês para a licença de maternidade e a obrigatoriedade do pai tirar cinco dias no primeiro mês. Sócrates aumentou para 10 dias e Passos Coelho reforçaria para 15 dias. O governo sob influência da Troika permitiu o teletrabalho até aos três anos de idade, aumentou as deduções em IRS com despesas familiares até aos 2 mil euros, privilegiou as famílias numerosas e criou uma comissão para estudar medidas de incentivo à natalidade que propôs uma série de medidas muito generosas, a maioria das quais nunca viram a luz do dia. Também os Governos de António Costa aprovaram medidas para promover maior conciliação entre a vida profissional e familiar, como a comparticipação integral das baixas por assistência a filhos e a flexibilidade no horário de trabalho.Ao nível autárquico, as regiões do Interior também têm usado de criatividade para combater a desertificação demográfica e atrair nova população. Entre os chamados cheques-bebé, que podem ir dos 500 euros aos milhares de euros, a oferta de casa ou um subsídio mensal, são várias dezenas os municípios que procuram complementar os apoios públicos à natalidade, para combater o envelhecimento. Uma parte importante desse repovoamento está a ser feito com imigrantes ou cidadãos de outros países da União Europeia, que contribuem para o aumento da natalidade. Um terço dos nascimentos em 2024 foram de mães estrangeiras.O retrato da natalidade em Portugal está em acelerada mudança. Se os apoios públicos podem não ser necessariamente decisivos para se ter ou não um filho, a sua ausência ou insuficiência é claramente desencorajadora. Algumas medidas de apoio à natalidadeOs valores oscilam entre os 183 euros mensais por criança até aos 36 meses, no primeiro escalão de rendimentos, e os 84 euros, no 4º. Até aos 72 meses e em diante rondam os 122 ou 52 euros. Há um bónus de 35% a partir do 2º filho. Licença ParentalA licença pode ser partilhada após os 42 dias seguidos obrigatórios de licença da mãe, com um período de 30 dias consecutivos para cada um ou dois períodos de 15 dias consecutivos para cada um.A partilha dá direito a 30 dias adicionais aos 120 dias da licença inicial, podendo chegar aos 180 dias. O pai tem sempre direito a 28 dias úteis e é obrigado a sete seguidos ao nascimento.AmamentaçãoA lei atual não estabelece prazo máximo para a licença, que consiste na redução de duas horas de trabalho por dia, sujeita apenas a atestado médico ao fim dos 12 meses. Governo quer limitar licença a dois anos com atestado a cada seis meses. FlexibilidadeOs pais de filhos menores ou deficientes até aos 12 anos podem recusar trabalho noturno, entre as 20h e as 7h, ou ao fim de semana. Governo propõe condicionar esta norma.Outros ApoiosDo leque de medidas de incentivo à natalidade constam ainda o abono pré-natal _ pago a partir da 13ª semana _ e o subsídio de nascimento, que no primeiro escalão de rendimentos ascende aos 732 euros. Em 2024 as famílias puderam deduzir 600 euros no IRS em despesas com filhos, mais 150 euros por cada filho. As creches passaram a ser gratuitas até um ano de idade, e até aos três anos, para famílias mais pobres.