Mulheres portuguesas são vítimas de negligência médica na menopausa
A maioria das 2,8 milhões de portuguesas na menopausa não sabe que corre risco agravado de doenças. Muitas sofrem anos com sintomas severos e sem terapia hormonal por medo de cancro, incutido pelos próprios médicos, ao arrepio da ciência. A OMS admite a falha e a negligência dos sistemas de saúde com a saúde sexual feminina.
Mais de 2,5 milhões de mulheres portuguesas estão na menopausa. Se incluirmos também a perimenopausa, a partir dos 45 anos, o universo é de mais de 2,8 milhões, mais de metade da população feminina. É um período que pode ser penoso, com sintomas severos, e está associado a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, cancro, osteoporose, depressão ou Alzheimer.
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Mas a maioria destas mulheres nem conhece os riscos a que está sujeita nem beneficia dos tratamentos que conseguem reverter sintomas desconfortáveis em pouco tempo e ajudam a prevenir doenças. Ao contrário, ainda estão habituadas a ouvir dizer que é natural, há de passar, mesmo se "pode durar dez anos ou a vida toda", como enfatiza a ginecologista e professora da Universidade do Rio de Janeiro especialista em menopausa, Beatriz Tupinambá, nas suas lives no Instagram, onde defende que, devidamente tratada, "até pode ser a melhor fase da vida da mulher".
Por que razão o sofrimento feminino na menopausa e nos anos que a precedem é subestimado pelo sistema de saúde e discriminado face a outras sintomatologias que também chegam com a idade?
A primeira barreira é, muitas vezes, dos próprios médicos, como reconhece a patologista clínica e especialista em modulação hormonal Ivone Mirpuri, em declarações ao DN. Esta clínica lamenta que, por "desconhecimento e falta de atualização científica" alguns médicos ainda façam uma associação indevida entre reposição hormonal e cancro.
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Isso mesmo constatam muitas mulheres que, perante a sugestão enfrentam resistência do seu médico, que torce o nariz, sugerindo um risco acrescido de desenvolver cancro ou então, e por essa razão, só a prescrevem por um máximo de cinco anos. "São mesmo muitas as pacientes que chegam com essa queixa sem saber o que fazer", atesta igualmente ao DN a médica Sinthia Puttini, especializada em medicina antienvelhecimento.
É neste cenário de medo e falta de orientação que as mulheres no climatério e na menopausa se confrontam com uma variedade de sintomas que derivam da queda abrupta dos estrogénios, da progesterona e da testosterona, e que é exacerbada entre os 45 e os 55 anos, intervalo de tempo em que ocorre o fim da menstruação.
Da extensa lista de sintomas -- muitos deles cumulativos -- constam os conhecidos "calores", suores noturnos, insónia, irritabilidade, ansiedade e depressão, problemas urinários, atrofia e ressecamento vaginal, queda da libido ou dor nas relações sexuais. Mas também falta de concentração e memória, sensação de névoa cerebral, zumbido nos ouvidos, tonturas, hipertensão, colesterol aumentado, dores nas articulações, irritação ocular e doenças da retina, aumento do peso e da gordura visceral abdominal, rápido ressecamento e flacidez da pele, enfraquecimento do cabelo, perda de massa muscular ou desequilíbrio da tiroide.
Não é pois de estranhar que, segundo um inquérito levado a cabo pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Obstetrícia junto de mulheres entre os 45 e os 60 anos, quase 60% das portuguesas revele que os sintomas da menopausa afetam negativamente a sua vida diária. E cerca de um quarto referem que os sintomas interferem na atividade profissional e em 5% levam mesmo ao absentismo laboral.
As mulheres que não se conformam com esta fatalidade e procuram informação encontram outro universo de profissionais e de estudos científicos que não só recomendam a reposição hormonal bioidêntica sem limite de tempo, como garantem que esta é uma aliada na prevenção de doenças cardiovasculares, hipertensão, osteoporose, Alzheimer ou até cancro da mama.
Onde está a verdade?
"Não há nenhum estudo que revele aumento do cancro da mama com a utilização de hormonas bioidênticas", assegura Ivone Mirpuri, uma das primeiras médicas portuguesas a desenvolver estudos em modulação hormonal, tendo já dado formação nesta área a mais de 200 colegas. A especialista acrescenta que "alguns estudos até referem um risco ligeiramente inferior, talvez porque ao termos as hormonas mais equilibradas, conseguimos reduzir o nosso nível de stress, este sim, com um papel importante no desenvolvimento de patologia maligna". Além do mais, "a progesterona bioidêntica é protetora da mama", sustenta aquela clínica, ela própria, utilizadora da reposição hormonal.
Estima-se que 80% das mulheres portuguesas entram em menopausa em torno dos 48 anos. E os sintomas vasomotores (calores) podem afetar cerca de um terço. Mas, como enfatiza Ivone Mirpuri, " todas, todas as mulheres se não fizerem tratamento terão secura vaginal, atrofia das mucosas, dores nas relações sexuais, incontinência urinária, flacidez maior da pele, rugas mais abundantes, cabelo mais fraco, risco cardiovascular aumentado, osteoporose" e uma série de outros sinais como os já descritos.
Nos seus 16 anos de experiência em modulação hormonal, aquela médica revela que "a grande maioria das mulheres na menopausa começa a ter hipertensão, dores nos ossos, tendinites, ansiedade e está depressiva". E acrescenta: "70% das mulheres chegam-nos supermedicadas e com ansiolíticos ou antidepressivos e hipnóticos, estes sim, às vezes com efeitos secundários muito adversos."
Perante este cenário aliado a outros sintomas "como recusar terapia hormonal a uma mulher, com ou sem sintomas, para prevenir um risco que não existe se lhe forem administradas hormonas bioidênticas?", questiona Ivone Mirpuri.

Ivone Mirpuri, patologista clínica.
Isso mesmo defende também a ginecologista Beatriz Tubinambá, que alerta para que "mesmo sem sintomas, a queda das hormonas provoca danos no organismo que, sem compensação, podem trazer riscos acrescidos de doenças, nomeadamente cardiovasculares".
E convém lembrar que a principal causa de morte nas mulheres não é o cancro da mama, mas a doença cardiovascular, que acontece justamente na fase da menopausa. Segundo um estudo publicado em 2021 na Lancet, "as doenças cardiovasculares são responsáveis por 35% das mortes de mulheres em todo o mundo".
Como as farmacêuticas sequestraram as hormonas
Se os riscos da menopausa são reais, como fazer um tratamento para eliminar sintomas e prevenir de doenças em segurança? A chave está no tipo de hormonas utilizadas, sendo que "as recomendadas são as bioidênticas, porque são estrutural e quimicamente iguais às do nosso corpo", explica a patologista clínica Ivone Mirpuri. Por isso "encaixam melhor nos recetores que temos nos diversos órgãos e são melhor metabilizadas pelo fígado", que as reconhece como naturais. Ao contrário, "as hormonas não bioidênticas, sendo química e estruturalmente diferentes das nossas, podem acumular-se no fígado, que não está preparado para as metabolizar, havendo mesmo a possibilidade destas se transformarem em metabolitos nocivos" e de degenerarem em tumores, acrescenta a especialista, com alguns estudos a apontarem substancial risco agravado de cancro.
Por isso, sustenta, "a reposição deve ser feita, sempre que possível, com progesterona e não com progestinas (que estão nas pílulas habituais das terapêuticas de compensação e também nas pílulas anticoncecionais)".
Impõe-se uma pergunta: se as hormonas bioidênticas são mais eficazes e saudáveis porque não são as mais utilizadas na prática médica? A resposta está na agressividade comercial da indústria farmacêutica e na sua influência junto da comunidade médica. "Não se podendo patentear hormonas bioidênticas, logo se fizeram "análogos" juntando diversos radicais à progesterona, nome que se deu à nossa hormona natural. E assim se criaram as progestinas (gestimato, gestodeno, nortistesterona, drospirenona, levonorgestrel, e mil outras)", responde Ivone Mirpuri. E é assim que "os clínicos recebem informações da indústria farmacêutica sobre as "pílulas" -- derivados sintéticos --, e ninguém lhes fala de progesterona, a hormona bioidêntica que além de proteger útero, protege mama, ao contrário das progestinas. Mas há muitas diferenças entre umas e outras", assegura a patologista, consciente de que ainda está a remar contra a maré. " A progesterona foi caindo em desuso e deixou de se usar na prática corrente, mas curiosamente, é a molécula que se continua a dar à grávida em caso de necessidade e até à 36.ª semana de gestação", diz.
A quem diz que as hormonas bioidênticas "são novas e estão mal estudadas", ou que "a manipulação pode não ser segura", Ivone Mirpuri contrapõe que "está desfasado da realidade e atualidade científica". Isso, porque as "hormonas bioidênticas são utilizadas há mais de 60 anos nos Estados Unidos, Canadá, Brasil e pela Europa. Algumas, como a tiroide dissecada de porco, a primeira hormona bioidêntica, são utilizadas há mais de 100 anos", diz. "Existem milhares de trabalhos publicados em revistas de renome sobre as hormonas bioidênticas" a atestarem que as mulheres que fazem progesterona revelam melhor tolerância ao tratamento com melhoras da qualidade do sono, ansiedade, depressão, sangramento menstrual, sintomas vasomotores, função cognitiva, função sexual. Para mais, a progesterona é sedativa e calmante, é diurética e antidepressiva, modela os recetores do estrogénio na mama, tendo uma ação anti-tumoral e é cardioprotectora.
Já as progestinas "aumentam o risco cardiovascular, tornando muitas vezes a mulher mais irritada, e podem potenciar o risco de cancro da mama, se a mulher apresentar outros fatores de risco associados".
Os profissionais que usam hormonas bioidenticas no tratamento da menopausa alertam que "esta não é uma panaceia milagrosa, mas deve ser combinada com alterações de estilo de vida e hábitos de autocuidado como alimentação não inflamatória, exercício físico regular, higiene do sono e suplementação", o único modo de conseguir a desejada modulação hormonal. Por outro lado, a administração de hormonas deve ser obrigatoriamente precedida de exames detalhados e descartando a ocorrência de contraindicações prévias, como histórico de cancro, alertam os especialistas. O cuidado com os exames de imagem regulares é importante, na medida em que, embora as hormonas bioidênticas não causem cancro, podem acelerar o crescimento de um tumor preexistente. .Só articulando todos estes aspetos se está a fazer a modulação hormonal do organismo, em vez de uma simples reposição hormonal, que em teoria pode ser feita apenas com uma prescrição médica, mas não é o que se pretende, ressalvam as especialistas Ivone Mirpuri e Beatriz Tupinambá.
OMS reconhece negligência com sexualidade feminina
A Organização Mundial de Saúde (OMS) já assumiu que as mulheres na menopausa não estão a ter a informação e tratamento adequados nesta fase que, com o aumento da longevidade, vai durar mais de um terço das suas vidas. "Os médicos podem não estar devidamente formados para reconhecer os sintomas da perimenopausa e pós-menopausa e aconselhar as pacientes sobre as opções de tratamento, bem como a manter-se saudável após a transição para a menopausa. A menopausa recebe atenção limitada nos programas de formação de muitos profissionais de saúde", admite a OMS, num relatório publicado no seu site. Nesse artigo admite-se também que nos sistemas de saúde, "o bem-estar sexual das mulheres na menopausa é negligenciado em muitos países".
A Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Obstetrícia fez em dezembro de 2021 uma atualização do Consenso Nacional de Menopausa, considerando que "quando a mulher tem sintomas vasomotores a terapêutica hormonal é a mais eficaz, já que para além do tratamento dos sintomas, faz também a prevenção da osteoporose e em alguns casos a prevenção cardiovascular". E, segundo um artigo da presidente da secção de Menopausa publicado pela SPG, "é um tratamento seguro à luz da evidência científica atual desde que sejam cumpridas as indicações e contraindicações". Fernanda Geraldes apela, contudo, aos colegas para estarem "mais atentos e terem uma atitude mais proativa na abordagem destas mulheres utilizando os meios farmacológicos e não farmacológicos à disposição".
No "Consenso Nacional de Menopausa" faz-se uma nota sobre as hormonas bioidênticas: "a progesterona e o estradiol utilizados na terapia hormonal convencional são formas bioidênticas". Não se foca o risco acrescido dos derivados sintéticos, mas desaconselha-se a manipulação feita nos laboratórios das farmácias, por não estarem sujeitas a controlo de qualidade.
Perante uma condição que é ancestral na mulher, a medicina parece só agora estar a acordar de uma longa hibernação. E muitas mulheres continuam ainda presas no inverno a aguardar pela Primavera.
Efeitos colatorais da menopausa
Sintomas
Afrontamentos
Suores noturnos
Insónia
Irritabilidade
Ansiedade e depressão
Problemas urinários
Atrofia e ressecamento vaginal
Queda da líbido
Dor nas relações sexuais
Falta de concentração e memória
Sensação de névoa cerebral
Zumbido nos ouvidos
Tonturas
Dores nas articulações
Tendinites
Irritação ocular (olho seco)
Aumento do peso
Aumento da gordura visceral abdominal
Rápido ressecamento e flacidez da pele
Enfraquecimento do cabelo
Perda de massa muscular
Riscos para a saúde
Doenças cardiovasculares
Osteoporose
Alzheimer
Cancro da mama
Doenças da retina
Hipertensão
Colesterol aumentado
Desequilíbrio da tiróide
Incontinência urinária
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