“Muitos dos desafios que enfrentamos na Terra terão a sua solução no Espaço”
Em conversa com o DN, Brian Cox fala dos “excitantes tempos” que vivemos na exploração espacial, das luas de gelo como a Europa ao estudo dos buracos negros, sem esquecer a missão Artemis, que prevê o regresso à Lua e pisar pela primeira vez Marte. “Parece-me mais difícil do que algumas pessoas querem fazer crer, mas não apostaria contra Elon [Musk]”.
Veio a Portugal para participar na Glex Summit, onde se discute o futuro da exploração, desde a profundeza dos oceanos até aos confins do espaço, e se apresentam missões que podem vir a revolucionar o futuro do planeta. Vivemos tempos excitantes para um físico como o Brian?
Sim, eu poderia dar-lhe uma lista de 10 coisas emocionantes a acontecer no momento, desde a física teórica à procura de vida [no espaço]. Uma das coisas de que se vai falar aqui, por exemplo, é a possível exploração de luas de gelo, como a Europa, uma lua de Júpiter. Uma das formas através das quais estamos a começar a desenvolver tecnologias para isso é com explorações sob o gelo na Antártica, o que é muito difícil de fazer, mas não tão difícil quanto ir a Europa. Há uma missão da NASA a lançar em outubro, que se chama Europa Clipper, e é uma missão biológica. A pergunta fundamental que a orienta é: dada as condições certas, quão provável é que surja vida? E que tipo de vida é essa? A origem da vida tem que ser algum tipo de transição de geoquímica para bioquímica. Foi Isso que aconteceu aqui, talvez há uns 3,8, ou 4 biliões de anos. E existem lugares no Sistema Solar, sendo Europa um deles, em órbita à volta de Júpiter, onde essas condições existem. Então, a questão é como poderemos responder a essa pergunta fundamental sobre quão comum é a vida no Universo? A única coisa a fazer é ir lá. Então, para mim, estas são missões tremendamente excitantes. Outra coisa que eu apontaria, aqui apenas em termos de física teórica, o que não é realmente um problema de um Clube de Exploradores como este, no momento, é o estudo dos buracos negros. Nós não iremos a nenhum buraco negro em breve, mas é nisso que eu trabalho, faz parte da minha investigação. E dentro dessa investigação, nós começamos a suspeitar que espaço e tempo são feitos de alguma outra coisa. E isso é extremamente emocionante também.
Os buracos negros são o mais emocionante mistério que gostaria de resolver enquanto cientista?
Eu diria que são, porque os buracos negros não são apenas interessantes em si mesmos enquanto objetos astrofísicos, mas aquilo que eles nos estão a ensinar sobre espaço e tempo é ainda mais fundamental. E agora nós temos fotografias deles, com o James Webb [telescópio] e já detetámos colisões entre eles. São o lugar onde nós temos sido forçados a perguntar o que é espaço e tempo, porque parece que é feito de alguma coisa. Eu digo que é um o campo de espaço e tempo emergente. Mas o que significa essa emergência? É algo similar à questão da consciência, que é a coisa mais admirável que conhecemos no Universo. Há diferentes níveis de descrição para um ser humano. Uma coleção de átomos, apenas um padrão de átomos, mas há depois essa coisa superior, a coisa mais assinalável do Universo, que define a experiência de sermos humanos. Bem, ao que parece no espaço e no tempo também é assim. O tempo em si está a surgir de algo que não tem tempo nele. Algo que só adiciona blocos de construção de tempo. Isso é profundo. Isso é um campo da física muito, muito fundamental. Mas eu suponho que se vamos fazer perguntas sobre a nossa existência temos de fazer perguntas fundamentais. Uma, como eu já disse, é sobre a vida no Universo. Estamos sozinhos? E quão longe temos que ir para encontrar a vida além da Terra? Há uma origem para o Universo? E se sim, o que aconteceu aí?
As respostas a essas perguntas corremos atrás delas desde sempre. Estamos mesmo mais perto delas?
A minha opinião é que precisamos de saber o que é o espaço e o tempo antes de podermos fazer perguntas sobre isso. Quer dizer, mesmo o simples facto de afirmarmos que algo começou tem a ver com o tempo, certo? Mas existe uma origem do tempo? Acho que é por isso que é muito emocionante o tempo em que vivemos, porque temos, em parte através do desenvolvimento da tecnologia, um acesso muito mais fácil e barato ao espaço, como o que empresas como a SpaceX estão a oferecer. E no caso dos buracos negros trata-se também de um desenvolvimento intelectual, realmente. Foi um trabalho começado por Stephen Hawking, nos anos 1970, e que agora está realmente a acelerar, 50 anos depois daquele trabalho pioneiro.
De todas estas missões em curso ou anunciadas, qual a que o entusiasma mais? O regresso dos humanos à Lua e já a olhar para Marte, com a missão Artemis?
Há bastantes, mas a exploração de voo espacial por humanos com a Artemis é seguramente das mais fascinantes. A ideia de que, pela primeira vez, estamos a começar a ter acesso barato e confiável a órbitas perto da Terra, inicialmente, e depois a Lua, que é provavelmente o próximo passo para tentarmos construir bases permanentes lá… E ainda a chegada a Marte, que eu gostava de ver ainda na minha vida, embora, na minha perspetiva, isso seja algo mais difícil de alcançar do que algumas pessoas pensam, criar condições para assentarmos bases em Marte.
Elon Musk está a ser demasiado otimista?
Mesmo só para chegar lá, estamos a falar de um voo muito difícil, uns dois anos, ida e volta. E eu não sei se podemos construir uma aeronave para isso. Além disso, o que aconteceria com os astronautas é outra interrogação importante. Estamos a falar de um ambiente muito hostil. Mas eu adoraria ver isso acontecer. O que eu diria é que empresas como a SpaceX estão a avançar mais rápido do que qualquer um de nós poderia ter previsto há uns 10 anos. Por isso, eu não apostaria contra o Elon. Embora eu pense que eles estejam a ser muito otimistas, sim. Mas depois vemo-lo lançar a Starship e temos de reconhecer que é um game-changer, é uma nave espacial que vem mudar as condições deste jogo.
Essas condições de vida no espaço e nas estações espaciais serão também tema de debate na Glex Summit. Porque é que esta ideia de viajar e viver no espaço nos atrai tanto? Acredita mesmo que a humanidade vai um dia ser interplanetária?
Bem, teremos de ser. E não acho isso só porque o Sol um dia vai morrer, daqui a uns triliões de anos, mas também porque muitos dos desafios que enfrentamos na Terra terão as suas soluções no espaço.Um deles é o acesso aos recursos. A nossa civilização está a crescer. Isso é uma coisa boa. E requer mais recursos para continuar a crescer. Mas o planeta não lhe pode oferecer muito mais. Estamos no limite. Estamos a danificar o planeta nesta altura. E esse é, claro, um dos problemas mais sérios que enfrentamos.
Eu entrevistei o Jeff Bezos [fundador da Amazon] uma vez e ele disse-me que a sua ambição para a raça humana no futuro próximo seria fazer da Terra apenas um grande condomínio residencial. Isso parece ficção científica, mas ele está certo. Racionalmente, há muitos recursos lá em cima no espaço, no cinturão de asteroides, por exemplo, que tornam quase insignificantes os recursos disponíveis aqui na Terra para a reindustrialização. Então, esta ideia pode parecer muito distante no futuro, a ideia de industrializar o espaço e, assim, proteger o ambiente e as condições de vida aqui na Terra. Honestamente, é apenas um sonho por agora. Mas pelo menos há um sonho, há algo que podemos almejar enquanto civilização. Eu gosto dessa ideia. O que devemos enfatizar é que a ideia chave é proteger este planeta. Porque este é o melhor planeta para nós, certo? E isso é quase óbvio dizer, porque foi nele que evoluímos. Por isso, é perfeito para nós, não por um mero acaso, mas porque evoluímos neste ambiente. Então, a parte mais fundamental para a nossa sobrevivência num futuro próximo é garantir que não danificamos irremediavelmente este ecossistema. Mas para além disso, também temos que ter ambição. Deve haver uma ambição de evolução a guiar-nos e eu não acho que essa ambição deva ser querer fazer menos enquanto civilização. Eu acho que a ambição deve ser querer fazer mais e ir mais além de forma sustentável. E para mim isso significa o acesso ao espaço.
O que será mais provável? Encontrar uma outra civilização algures no Universo ou destruirmos a nossa primeiro?
Eu acho, e é um palpite, que o número de civilizações numa galáxia típica, como a nossa Via Láctea, é muito baixo. Tenho um amigo, na verdade, que trabalha nessa área, e ele diz que, em média, acha que há zero civilizações por galáxia. Em média. Por isso, nós estamos acima da média já, o que nos pode levar a crer que na Via Láctea há apenas uma civilização, que é a nossa. É apenas um palpite, baseado em várias coisas. Uma delas é a simples constatação de que aqui na Terra levou 4 biliões de anos para evoluirmos da célula para uma civilização. Demorou um terço do tempo do universo para chegarmos onde estamos. E isso é um tempo muito longo para ter um planeta estável que possa suportar uma linha de vida. Isso significa que os cenários futuros de que falamos aqui, esses futuros de civilizações interplanetárias, a ideia de que isso possa vir a existir numa galáxia, pode ser uma tarefa da nossa responsabilidade. Acho que essa é uma posição razoável para começar, assumirmos que somos os responsáveis pelo futuro de um sistema de vida complexa na galáxia. Como nos podemos assegurar de não arruinar essa ideia? Primeiro, não destruindo o nosso próprio planeta, seguramente. E depois temos que ir para fora. Acho que é inevitável numa escala de tempo curta. Eu entendo as pessoas que dizem que nós devemos nos focar nos problemas aqui na Terra e não preocuparmo-nos com idas para o espaço até resolvermos esses problemas. Mas eu honestamente acho que eles estão ligados. Por isso, temos que ir para fora daqui para encontrar soluções melhores para nossos os problemas aqui. Um bom exemplo, na verdade, e uma vez que estamos a falar pouco depois da morte de Bill Anders, um astronauta que esteve na missão Apollo 8, é essa imagem que ele eternizou. David Attenborough disse uma vez que aquela imagem da Terra aumentada sobre a Lua, que Bill tirou na noite de Natal de 1968, era a imagem mais importante já tirada em matéria ambiental. Porque ensinou-nos muito sobre o nosso lugar. Apenas numa imagem. Então, tanto intelectual como espiritualmente, se quiser colocar assim, o ato de explorarmos o espaço exterior é totalmente positivo para a nossa vida na Terra.. E, pelo contrário, será extremamente negativo se não o fizermos.
Na minha cidade, em Londres, há um lugar chamado Royal Institution, que é onde Michael Faraday essencialmente inventou o motor elétrico e o gerador. E ele fez isso porque resolveu experimentar, brincar com a curiosidade. Ele era o filho de um ferreiro de Yorkshire e interessou-se pela ciência, pelas aulas na Royal Institution, foi para lá, trabalhou com Humphry Davy, um cientista muito famoso, acabou por inventar uma parte do mundo moderno.
No final do dia, continua a ser o que nos faz evoluir, a curiosidade?
Exato, é o que nos movimenta, o que nos faz avançar. A maioria das descobertas que celebramos hoje foram apenas acidentais. Mesmo se pensarmos na eletrónica moderna, e estou aqui a falar para um iPhone, esse objeto não existiria hoje sem se saber de teoria quântica. Ela está no coração dos transístores. E a teoria quântica foi desenvolvida porque houve pessoas interessadas em estrutura atómica. Isso mão tinha nada a ver com nada. Estavam apenas interessados. E estamos a falar de algo que aconteceu apenas há 100 anos. Na verdade, estamos quase no 100º aniversário das publicações iniciais de Heisenberg, em 1925, sobre a mecânica quântica, o grande passo em frente. E eles estavam apenas a tentar encontrar a luz sobre os átomos. Não havia razão para achar que isso seria útil. E sempre foi assim, por isso, porque não seria o caso agora? Claro que temos de procurar sempre ir mais além, descobrir coisas novas por muito inúteis que pareçam à data.
Deixou para trás uma carreira musical [teclista das bandas Dare e D:Ream nos anos 80 e 90] para se tornar numa espécie de rock star da ciência, o Carl Sagan dos nossos tempos, com tournées esgotadas inclusive…
Bom, o Carl Sagan é um dos meus heróis, ele é único, não posso, ninguém pode comparar-se…
Mas quão útil foi essa experiência musical para esta atividade de comunicação de ciência? E quão importante é fazer chegar a ciência à pessoa comum?
Há duas perguntas aí. Quanto à segunda, o Carl Sagan respondeu-a muito bem, em Cosmos [série documental de TV], quando estava a falar da biblioteca de Alexandria, no Egito, e de como tanto conhecimento antigo desapareceu com a destruição da biblioteca. Ele disse, e eu lembro-me disso até hoje, que porque não havia registo de ninguém interessado em comunicar o conhecimento disponível naquela época, há 2000 anos, ao cidadão comum, o conhecimento foi mantido fechado em universidades e bibliotecas. Então, quando os bárbaros chegaram aos portões desse templo de sabedoria não estava lá ninguém para o defender. Essa é uma razão pela qual todos nós devemos partilhar esse conhecimento científico. Nos nossos países, os contribuintes financiam a ciência, a um grande nível. Por isso, ela deve ser de todos. É um argumento democrático, todos devem ter acesso ao conhecimento. Mas depois há também esse argumento prático de que uma civilização acabará por cair se os seus cidadãos não tiverem acesso ao conhecimento. Por isso, é uma responsabilidade de todos os académicos, em todos os campos, fazer chegar o conhecimento ao público em geral. Quanto à música, estou agora a preparar alguns concertos em Londres, que vão juntar uma grande orquestra sinfónica com coisas da cosmologia e da astronomia. E adoraria fazer isso em Portugal também. Eu não acho que ciência, arte, música e literatura sejam realmente campos separados. O que estamos a tentar fazer em cada área é responder a perguntas sobre o nosso lugar no universo e o que significa ser humano. A ciência é uma das luzes sobre isso. Mas a música é outra. E literatura outra. E a arte fina outra. O que é que eu estou a tentar dizer? Todos esses... caminhos humanos são parte da mesma aventura, essencialmente. Eu vejo-os assim isso. Então, nesse sentido, a música pode ter ajudado o meu percurso como cientista. Não propriamente na forma de comunicar, porque eu era um mero teclista, ficava escondido lá no fundo.
Curiosamente, já disse que um dos maiores êxitos da sua carreira musical, Things Can Only Get Better, hino de campanha de Tony Blair, é uma afirmação cientificamente falsa... As coisas podem e vão ficar piores para nós no universo?
Bem, no futuro, num universo em aceleração e expansão, sim, porque o sol vai morrer um dia. E era esse o sentido da piada. Mas estamos a falar de triliões de anos no futuro, quando as últimas estrelas cessarem de brilhar. Aí teremos um problema. Num futuro imediato, a curto prazo, a escolha é nossa. As coisas podem melhorar ou piorar. Vai depender de nós.