Mudanças nas equipas agitam Segurança Social de Évora. Há técnicos já a querer sair
O ano de 2023 começou de forma agitada no Centro Distrital da Segurança Social (SS) de Évora. Aos primeiros dias de janeiro, as chefias intermédias começaram a chamar "técnicos seniores, e considerados pilares nas equipas em que trabalham há 15, 20 ou mais anos", para os informar que seriam transferidos em breve para "outras áreas distintas, sem qualquer justificação técnica", contaram ao DN fontes da SS, que pediram anonimato por receio de represálias.
"As pessoas começaram a ser chamadas no início de janeiro e as chefias iniciavam a conversa a assumir que o que estavam a fazer era por ordem do diretor distrital" - José Ramalho, no cargo desde 2018. "Os técnicos foram apanhados de surpresa. Ninguém estava à espera de um processo destes e quando alguém perguntava o porquê, apenas era referido que se olhasse para a situação como "uma oportunidade", não havendo qualquer fundamentação técnica, o que é inaceitável no funcionamento de um organismo da Administração Pública e na liderança de uma Segurança Social que o Governo diz querer mais próxima e mais eficaz para o cidadão", argumentaram as mesmas fontes.
A questão é que um processo destes tem "custos enormes ma resposta do serviço público, ou do Estado, ao cidadão vulnerável, porque estão a ser afastados técnicos com muitos anos de experiência e em quem o Estado investiu muito na sua formação". E, segundo garantem, foi exatamente por isto que alguns aceitaram denunciar o que está a acontecer e o ambiente de "indignação e mau estar" que se está a viver no Centro Distrital de SS de Évora.
O DN sabe que no grupo de técnicos visados neste processo estão assistentes sociais, psicólogos, sociólogos e outros com 15, 20 ou mais anos de trabalho em áreas muito específicas. "Estamos a falar de técnicos que trabalham há muitos anos com crianças e jovens em risco, nomeadamente em processos de adoção e outros, ou que trabalham na articulação com as instituições que cooperam com o Estado, para garantirem a segurança e a qualidade de quem acolhe idosos, ou até da área económica. E a todos está a ser dito que vão ser transferidos para equipas distintas, uns para o atendimento ao público outros para a assessoria aos tribunais, e sem ter havido qualquer preocupação de ouvir estes técnicos e se o seu perfil se adequa ou não às novas funções", dizem as mesmas fontes, sublinhando: "A concretizarem-se tais mudanças, as consequências mais graves serão sentidas pela população mais vulnerável, pelo cidadão que precisa de uma resposta atempada do Estado, que precisa de ver os seus direitos garantidos e que não vai conseguir ter isso, porque por mais esforço que um técnico faça para se adaptar às novas funções terá sempre de fazer formação, pois cada área tem as suas características".
Dos técnicos que foram chamados, alguns já aceitaram a proposta que lhes foi feita - "por medo e referindo às chefias que não estavam confortáveis com a mudança", garantiram-nos. Outros já recusaram e outros, pelo menos quatro, três assistentes sociais e um psicólogo, "já pediram para sair da SS para outros organismos da Administração Pública, ao abrigo da lei da mobilidade".
Destaquedestaque"Qualquer reafectação de recursos humanos que venha a ser desenvolvida, a novos projetos e/ou equipas, será sempre feita em articulação e com o envolvimento dos trabalhadores", diz Segurança Social.
O DN contactou por email o diretor do Centro Distrital de SS de Évora, José Ramalho, para saber qual a motivação e fundamentação para esta mudança, que resultados espera alcançar, que critérios sustentaram a escolha dos técnicos visados e o número concreto de técnicos, já que nos foi dito haver mais de uma dezena de técnicos envolvidos. Mas não obteve resposta direta. Esta chegou através do gabinete de comunicação do Instituto da Segurança Social (ISS), em Lisboa, que tutela todos os centros distritais, que começou por justificar a situação com a lei, explicando que "a afetação de trabalhadores a serviços é implementada em função das especificidades de cada distrito, tendo sempre por base quer a garantia de uma resposta mais eficiente e eficaz da Segurança Social aos cidadãos quer o desenvolvimento e crescimento profissionais dos trabalhadores".
Após nova insistência para o diretor distrital, o ISS volta a responder, argumentando que, "até ao momento não foi implementado processo de mudança de trabalhadores no Centro Distrital de Évora, sendo que qualquer reafetação de recursos humanos que venha a ser desenvolvida, a novos projetos e/ou equipas, será sempre feita em articulação e com o envolvimento dos trabalhadores".
Ora é, precisamente, a falta de diálogo e de envolvimento dos técnicos "no processo de mudança" que é criticada pelas fontes do DN. Aliás, dizem, "a falta de diálogo e de envolvimento dos técnicos no projeto da SS é o que tem marcado a liderança de José Ramalho".
Um estilo que "nada tem a ver com o que o Governo tem defendido como espírito para a SS. A mensagem que chega às estruturas e à sociedade civil é a de que o Governo quer uma SS com uma visão de "proximidade, eficaz e imediata", para melhor servir o cidadão, uma SS que tenha como missão garantir a proteção e a inclusão social das pessoas, reconhecendo os seus direitos, e uma SS com um compromisso de qualidade, mas nada disto é possível sem envolvimento nem motivação das equipas, e tal não existe em Évora".
Destaquedestaque"Algo tem de mudar na forma como se dirige as equipas na Administração Pública. Um técnico da área social precisa de motivação, para melhor prestar o serviço público, mas é cada vez mais esquecido".
Mais: "Um processo como este coloca em causa o funcionamento da Segurança Social de Évora, mas também de toda a Administração Pública, exigindo a quem de direito que olhe para ele, que o avalie e que daqui retire consequências, pois não deve ser assim que se deve funcionar em democracia".
As fontes explicam que "os centros distritais da SS estão organizados por equipas e qualquer processo de mudança deveria ter por base a avaliação do trabalho destas - ou seja, a avaliação da qualidade da resposta que estão a dar no serviço público - e, a partir daí, então, proporem-se alterações, melhorias e adaptações, porque a mudança deve envolver um projeto, uma fundamentação e os resultados que se pretendem alcançar". As mesmas fontes reforçam não ser "a mudança, ou a afetação de recursos que está aqui em causa. O que está é a forma como a liderança tem conduzido o processo".
No limite, reforçam, "este processo está impregnado de uma total falta de respeito por quem trabalha no serviço público", porque "a função de um técnico da área social é garantir a defesa dos direitos dos cidadãos. Estes técnicos são o rosto do Estado e das suas respostas a quem mais precisa. E é isso que está a ser posto em causa".
O que está a acontecer em Évora pode "estar a acontecer noutros centros distritais e até em outros organismos da administração pública", sublinham, "só que ainda há muito o medo de represálias". Quando questionados sobre o que levou à denúncia deste processo, respondem que é por considerarem que "algo tem de mudar na forma como se dirige as equipas na Administração Pública. Um técnico da área social precisa de motivação para melhor prestar o serviço público, mas é cada vez mais esquecido".
O processo em Évora não está finalizado e há quem espere que seja "revertido e feito de outra forma", sobretudo pela "população que a SS serve e que está cada vez mais envelhecida, abandonada e com muitas dependências".