Morte em ensaio clínico da Bial leva a revisão das regras na Europa
Depois da morte de um homem durante um ensaio clínico da farmacêutica portuguesa Bial, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) decidiu rever as regras dos testes a medicamentos em seres humanos. Partindo das investigações que estão a ser feitas ao caso, ainda neste ano deverá surgir um documento com propostas para minimizar o risco de repetição de incidentes semelhantes.
A revisão das orientações dos ensaios clínicos está a ser feita pela EMA, em cooperação com a Comissão Europeia e os Estados membros da União Europeia. Este trabalho, diz a agência, vai permitir emitir novas guidelines, tendo em conta o trágico acidente que ocorreu durante a primeira fase de um ensaio clínico da farmacêutica Bial, conduzido pela Biotrial, em Rennes, França, e que levou à morte de um dos participantes.
A avaliação da agência terá em conta os resultados das investigações ao acidente que ocorreu em França, nomeadamente aquela que foi feita por uma comissão criada pela agência francesa do medicamento e a da Inspeção--Geral dos Assuntos Sociais de França. Os dois relatórios, diz a EMA, incluem "uma série de recomendações sobre os requisitos para a autorização e realização" dos ensaios clínicos, criadas pa-ra serem analisadas pela comunidade internacional de saúde pública.
O trabalho da agência irá incidir nas melhores práticas e guidelines a ser adotadas na União Europeia. Até julho, deverá ser criado um documento com propostas de mudança para reduzir o risco de ocorrerem acidentes como aquele que aconteceu no ensaio na Bial.
A revisão começou a ser feita por dois grupos de especialistas: um está a debruçar-se sobre os aspetos pré-clínicos e os dados necessários para os testes de laboratório ou estudos em animais; o outro está a olhar para os aspetos clínicos da primeira fase de ensaios para perceber de que maneira podem ser melhorados, de forma a que seja garantida a segurança dos voluntários que participam em ensaios.
Processo já é muito rigoroso
O processo de desenvolvimento de medicamentos envolve duas fases: estudos pré-clínicos, feitos em laboratório e em modelos animais, e, posteriormente, estudos clínicos, realizados em seres humanos. "Estudam-se cerca de dez mil moléculas até chegar à fase de experimentação em humanos", explica António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medina de Lisboa.
Os estudos em humanos envolvem quatro fases, desde os testes com voluntários saudáveis, que são em menor número e que visam apenas testar a segurança, aos ensaios em doentes, já com milhares de participantes, e que examinam também a eficácia. "Em todos as fases, existem regras estritas para fazer o estudo. Quer o tipo de doença, quer a metodologia da administração, quer a monitorização dos voluntários têm regras apertadas. Daí que sejam muitos raros episódios como aquele que aconteceu com a Bial", explica.
Em maio de 2006, no Reino Unido, seis homens apresentaram reações adversas a uma molécula para a leucemia, que já tinha sido estudada em doses 500 vezes superiores em animais. "Apesar de todos os cuidados, não é possível garantir a 100% que não vai acontecer qualquer coisa de inesperado, estranho", frisa Vaz Carneiro. O que os responsáveis garantem, prossegue, é que são "o mais cuidadosos possível". Tal como após o caso inglês houve alterações nas regras, é esperado que o mesmo aconteça agora.
"Há pequenos pormenores que podem ser alterados. Nas boas práticas, há algum espaço para melhorar, mas não é possível garantir a 100% que não vai acontecer alguma coisa." No entanto, destaca, "as práticas atuais são excelentes. O processo é muito complexo e demorado por causa de todas as exigências que existem em termos de segurança".
MP investiga caso Bial
De acordo com o registo de ensaios clínicos da União Europeia, estão atualmente a decorrer 28 217 testes nos Estados membros, dos quais 4247 em menores de 18 anos. Em comunicado, a EMA salienta que os ensaios clínicos são essenciais para o desenvolvimento de medicamentos, sendo que, sem eles, os doentes não podem ter acesso a novos medicamentos, capazes de salvar vidas. As orientações da União Europeia pretendem que os ensaios sejam conduzidos da forma mais segura possível, daí que exijam estudos intensos, nomeadamente em animais, antes de os fármacos serem administrados a seres humanos.
No passado dia 14 de junho, o Ministério Público francês anunciou ter aberto um inquérito por homicídio involuntário e lesões involuntárias, a fim de determinar o que conduziu à morte de um dos voluntários e provocou lesões noutros, durante o ensaio da Bial. Segundo o comunicado que foi divulgado, o objetivo é determinar se há elementos de natureza criminal por erros ou se a morte está apenas relacionada com riscos que faziam parte do ensaio.
François Mollins, procurador de França, disse que a vítima mortal "era portadora de uma patologia vascular endocraniana oculta, suscetível de explicar o desfecho fatal", ao contrário dos outros voluntários. O homem morreu depois de lhe ter sido administrada uma molécula que estava a ser testada para a Bial, após vários dias em coma. Outros cinco voluntários foram hospitalizados, tendo quatro ficado com sequelas neurológicas graves. Ao todo, os testes envolveram 198 pessoas: 90 tomaram o medicamento em testes e aos restantes foi administrado um placebo. Aqueles que foram hospitalizados receberam as doses mais altas.