Morte de grávida. "O que aconteceu foi totalmente inesperado"

Os diretores de obstetrícia e de neonatologia do Hospital de Santa Maria explicaram que a necessidade de transferência in útero é uma prática recomendada. Também afirmaram que se houvesse "mais uma vaga" a grávida teria ficado na unidade hospital, sem necessidade de ser transferida.

A paragem cardiorrespiratória que uma mulher grávida sofreu, enquanto era transferida do Hospital de Santa Maria para o Hospital São Francisco Xavier, na passada terça-feira, por ausência de vagas no serviço de neonatologia, foi um acontecimento "inesperado", uma vez que a "estabilidade clínica" da mulher "não fazia prever" o desfecho fatal, afirmaram, esta terça-feira, a diretora de obstetrícia, Luísa Pinto, e o diretor de neonatologia, André Graça,​​​​​​ do Hospital de Santa Maria, que pertence ao Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN). A grávida, de 34 anos, acabaria por falecer. O bebé está "bem".

A mulher estava de 31 semanas, "não era oriunda de Portugal, tinha vindo do estrangeiro alguns dias antes". "Não tivemos acesso a qualquer informação clínica relativa à gravidez, não falava inglês nem português. Não conhecíamos o historial clínico desta mulher", detalhou Luísa Pinto, em conferência de imprensa, referindo que a escala de obstetrícia do Santa Maria estava completa quando esta situação ocorreu.

Não havia, no entanto, vaga no serviço de neonatologia, devido a um "pico de internamento", o que levou à decisão de transferir a grávida, depois de ter a sua situação clínica estabilizada, para o Hospital de São Francisco Xavier. A transferência in útero é prática recomendada. "É o que está preconizado", diz a diretora de obstetrícia do Santa Maria.

"A recomendação em todos os países do mundo é evitar que os bebés nasçam num determinado local e que, depois, sejam transferidos de ambulância, embora existam condições mínimas para o fazer. O melhor meio de transporte é sempre o útero da mãe, havendo condições de estabilidade da mãe para esse efeito, e foi isso o que se constatou", referiu André Graça, diretor de neonatologia. "O que aconteceu foi um acontecimento totalmente inesperado", afirmou.

"O acontecimento da paragem cardíaca foi inesperado, aconteceu dez a quinze minutos após ter saído daqui", acrescentou o diretor clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro.

A decisão de transferir esta grávida, após a estabilização da sua situação clínica, deveu-se a falta de vagas no serviço de neonatologia.

"Não sei se semanalmente ou em cada duas semanas, nós temos picos de internamentos que nos impedem de dar resposta em permanência a todas as situações que nos aparecem", explica André Graça,.

O diretor do serviço de neonatologia indicou que é feita "quase diariamente" a gestão de perceber "onde há vaga para a mãe e para o bebé, conforme a situação da mãe e a situação de risco do bebé, não podendo nós darmos resposta por falta de vagas"

Explica que o Hospital de Santa Maria é, normalmente, recetor de situações de alto risco. "Agora os recursos não são ilimitados e, por vezes, há picos em que não há mesmo possibilidade por não haver vaga e, portanto, não podemos tratar doentes em segurança na ausência de vagas, isso seria uma imprudência", sublinhou.

"Em determinados períodos de pico, nós não podemos multiplicar as vagas", reforçou o responsável pelo serviço de neonatologia, explicando que para a resposta de tratamento aos recém-nascidos de alto risco, que são internados em cuidados intensivos, "existem rácios de equipas", para que esse "tratamento possa ser feito em segurança". "Isso define o número de vagas que temos", esclareceu.

"Se houvesse mais uma vaga teria ficado"

"Estamos permanentemente com uma taxa de ocupação relativamente alta e que em picos se aproxima dos 100%", destacou ainda André Graça, dando conta que "a instituição não pode assegurar em permanência a resposta a todas as situações, mas a rede sim, e a rede tem respondido".

No caso dos partos, por exemplo, regista-se atualmente um aumento de 40% em relação à situação que se vivia há exatamente um ano, acrescentou o diretor clínico do Santa Maria Luís Pinheiro.

Questionada pelos jornalistas, a diretora do serviço de obstetrícia, Luísa Pinto, afirmou: "Se houvesse mais uma vaga teria ficado". Sobre se o desfecho da situação poderia ter sido diferente, a médica reconheceu que "provavelmente não".

Antes, a médica resumiu os acontecimentos na madrugada de 23 de agosto, quando a mulher, de origem indiana, grávida de 31 semanas, recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Santa Maria "por sensação de falta de ar e taquicardia, aumento da frequência cardíaca".

"Observou-se à entrada uma tensão arterial muito elevada, pelo que foi imediatamente internada no bloco de partos, e aí foram tomadas todas as medidas naquilo que era a nossa primeira hipótese de diagnóstico, que era uma pré-eclâmpsia", relatou durante a conferencia de imprensa.

Continuou dizendo que "a grávida ficou estabilizada ao fim de poucas horas". "Mesmo assim mantivemos a vigilância para ter a certeza que tudo estava bem, não só em termos maternos, mas também em termos fetais", disse, referindo que foi, entretanto, realizada uma ecografia obstétrica, "que mostrou o feto com uma restrição de crescimento".

No mesmo dia, mas com a equipa que entrou às 09:00, "dada a estabilidade clínica da senhora, que não apresentava quaisquer sintomas" - tinha "as tensões controladas, saturações de oxigénio normais" - e, pelo facto, "de estar mais do que cientificamente demonstrado, é preferível um recém-nascido nascer no local onde vai ser assistido do que ser transferido posteriormente, já depois de nascer, foi decido pelo chefe de equipa a transferência desta senhora, dado toda a estabilidade da situação clínica, e por ser o melhor para este bebé", detalhou.

Uma situação que é "algo frequente", o "funcionamento em rede em cuidados neonatais para nos apoiarmos mutuamente".

Estando a grávida estável, decidiu-se pela transferência para o Hospital São Francisco Xavier.

"Após normalização das tensões arteriais e franca melhoria respiratória, foi transferida cerca das 13:00 do mesmo dia para o Hospital São Francisco Xavier, por ausência circunstancial de vagas de neonatologia no CHULN, acompanhada por um médico e enfermeiros", segundo um comunicado enviado na segunda-feira às redações.

Durante a transferência, foi "acompanhada por um médico e duas enfermeiras" e no decurso do transporte verificou-se algo que não era de todo expectável, dada a estabilidade clínica, que foi uma paragem cardiorrespiratória", explicou Luísa Pinto na conferência de imprensa.

Foram "imediatamente iniciadas as manobras de suporte básico de vida e, infelizmente, quando a ambulância chegou ao hospital, grávida ainda se mantinha em paragem cardiorrespiratória". Foi realizada uma cesariana de urgência". O recém-nascido encontra-se bem, mas, como sabemos, o desfecho materno foi fatal", lamentou a diretora de obstetrícia do Hospital de Santa Maria.

"Se a situação teria sido diferente se tivesse fica cá, provavelmente não, provavelmente as coisas aconteceriam da mesma forma", afirmou para dizer logo a seguir: "Se calhar uma reanimação numa ambulância é diferente do que fazer uma reanimação num hospital".

Voltou a afirmar que numa pré-eclâmpsia não se está à espera que isto possa acontecer e que seria errado transferir uma grávida instável, tendo sido, por isso, assegurado que havia condições clínicas de segurança para a transferência, acrescentou.

Afirmou ainda que vão procurar uma explicação para o sucedido - "se é que a vamos encontrar", disse..

"É muito importante para nós. Sempre que há uma morte, temos todo o cuidado em analisar a situação para, se houver necessidade, melhorar os nossos cuidados", afirmou, dando conta que o diretor clínico pediu "relatórios detalhados" para que se possa analisar este caso.

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