Mira. Caravanistas queixam-se de serem "despejados" do parque de campismo
O final do verão passado teve um sabor mais amargo do que era suposto para os campistas assíduos do Parque Municipal de Campismo de Mira. Em outubro, os utentes detentores de rulotes e caravanas, signatários de um contrato anual, foram surpreendidos por um telefonema dos serviços do Parque, dando-lhes conta de que tudo iria mudar, por ali: a ideia era fazer obras, requalificar, mas para isso era preciso retirar todo o material de campismo. E nada voltaria a ser como dantes.
José Luís Pratas, um oficial de justiça que há mais de 30 anos utiliza o parque, e pelo menos há 27 é proprietário de uma caravana que instalou no local, lembra-se bem do teor do telefonema, que falava numa carta. "Mas as semanas foram passando e a carta nunca mais chegava. Até que nós decidimos, um grupo de utentes, enviar um e-mail à Câmara", uma vez que o parque é propriedade e gestão da autarquia.
O e-mail, enviado por Paula Montez, solicitava uma reunião "presencial ou online, para esclarecimentos sobre a rescisão dos contratos anuais" - mas nunca chegou a ter resposta. Entretanto, chegaria a carta da autarquia, enviada a 9 de novembro, e explicando por escrito o que se passava, afinal: devido à "reformulação do parque, visando a melhoria da sua imagem e eficácia (...) fica vª exª notificado da cessação do contrato celebrado, com efeitos a 31/12/2022". Na mesma carta, a que o DN teve acesso, os utentes são ainda avisados de que, "até 15 de janeiro, impreterivelmente, devem proceder ao levantamento de todas as estruturas instaladas no parque de campismo, podendo apenas ficar material de campismo, i.e., caravanas, rulotes, e/ou tendas". Porém, o ofício da Câmara é explícito: "Caso pretenda manter [esse] material de campismo, será cobrada a respetiva taxa diária conforme tabela em vigor".
E esse é o pomo da discórdia para os campistas, muitos deles utentes do parque há décadas. "A maioria de nós não tem onde colocar a rulote. Eu, por exemplo, quando a tirar de lá de lá vou deixá-la à beira da estrada", afirma ao DN Eduardo Menino, que há 18 anos mantinha um contrato com o parque.
"Tinha uma caravana, um avançado e uma pérgula. Pagava 125 euros por mês. Já estive a fazer as contas, e se deixasse lá a caravana, a pagar a taxa diária, sem mais nada, seriam 220 euros. Agora imagine, pagando mais a taxa de cada vez que uma pessoa lá vai... é impossível". Natural de Ceira, uma freguesia de Coimbra, este motorista distribuidor utilizava o parque "todos os fins de semana, mesmo no inverno". "Nós somos 24, os residentes - como chamamos aos que têm esse contrato - e, no fundo, é como se fosse uma família, toda a gente se conhece, já vamos ali há muitos anos. Ir ali ao fim de semana é uma maneira de aliviar a cabeça. Porque aquele parque é um espetáculo". José Luís Pratas corrobora a opinião. Mas admite que, de alguma forma, o que está a acontecer já se anunciava, "quando se fizeram os novos contratos e os responsáveis do parque foram permitindo fazer "obras" e vedações, que no fundo vão contra o regulamento. Eu fui-os avisando, agora está à vista".
Paula Montez também entende que esta decisão da Câmara fica a dever-se "às situações de abuso, em que foi permitindo fazer autênticas barracas, forradas a madeira e paletes". Mas lamenta que a direção do parque e a Câmara "não tenham tido o bom senso de aplicar o regulamento interno e proibir, e que agora estejam a usar desta atitude, recusando o diálogo connosco".
Contactado pelo DN, o vereador Bruno Alcaide - que assina a carta enviada aos campistas - lembra que, no parque, "há regras de utilização, entre as quais as estruturas que os utentes podem instalar nas suas estadias, devem ser amovíveis e de fácil remoção". O autarca justifica que, ao longo deste ano, "foram identificados um conjunto de trabalhos de manutenção no parque de campismo, onde, entre outros, sinalizámos a necessidade de intervir nas instalações sanitárias que servem a zona onde se encontram estes campistas, bem como intervir a nível das instalações de fornecimento de água e eletricidade. Por outro lado pretendemos fazer uma desinfestação geral no parque para a qual é necessário levantar as estruturas de campismo instaladas", acrescenta Bruno Alcaide.
O autarca espera que a realização dos trabalhos e reestruturação do parque seja breve, e manifesta o desejo de ver "regressar este grupo, bem como outros campistas que nos possam procurar e usufruir deste espaço emblemático da Praia de Mira".
"No entanto, no futuro não serão permitidos usos abusivos, instalação de estruturas não autorizadas e desrespeito pelas normas e regulamento do parque", avisa o vereador, admitindo que "mudanças causam sempre constrangimentos", mas, ainda assim, certo de que, neste caso, estas "vão melhorar as estadias futuras".
O Parque de Campismo de Mira foi fundado em 1975. Durante os anos 80 foi um dos mais procurados pelos acampamentos jovens, uma vez que era gerido pelo então FAOJ, mas acabou por encerrar no início da década de 2000, por falta de condições. A Câmara acabaria por ficar com o espaço, gerindo-o como um equipamento municipal. Nos últimos anos dotou-o de bungalows, todos eles com varanda voltada para a lagoa, que circunda o parque.
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