Os conselhos de administração dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foram notificados, na quinta-feira da semana passada, pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), para que todos os elementos em funções, desde gestores, médicos, enfermeiros e outros profissionais que os integram, ou que já cessaram funções, reponham o equivalente a 5% da sua remuneração, desde 2020 até agora..A questão é que estes 5%, que respeitavam ao corte aplicado pela Troika , em 2010, aos dirigentes da Administração Pública, e nomeadamente aos que exerciam funções em administrações hospitalares, foram devolvidos em 2020 por decisão da própria ACSS e da tutela. .Na altura, e como explica ao DN o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, “a ACSS decidiu que o montante deveria ser reposto e a tutela autorizou a alteração do sistema informático para que os ordenados passassem a ser processados com os 5% que tinham sido cortados. Os elementos dos conselhos de administração não tiveram qualquer responsabilidade nestas decisões. Portanto, é uma situação injusta e espero sinceramente que seja resolvida antes de chegar aos tribunais”..De acordo com a notificação da ACSS, a atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, é uma das visadas, já que de dezembro de 2022 a janeiro de 2024 exerceu o cargo de presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que incluía os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente. Mas, embora sendo uma das visadas, uma nova circular da ACSS, publicada já nesta segunda-feira, dá-lhe o poder de resolver a situação para quem tem dívidas inferiores a 25 mil euros..“Em casos excecionais, devidamente justificados, quando o interessado não teve conhecimento, quando recebeu as quantias em causa, de que esse recebimento era indevido, pode ser determinada a relevação, total ou parcial, da reposição das quantias recebidas, por decisão da Ministra da Saúde ou do Ministro das Finanças, consoante o valor total das quantias a relevar no mesmo ministério e ano económico não exceda ou ultrapasse 25 mil euros, respetivamente (artigo 39.º do mesmo diploma).”, lê-se no ponto 12 da circular 30/2024..Presidente da APAH diz que problema tem de ser resolvido.Na opinião do presidente da APAH, este artigo da nova circular, “é uma porta aberta para que se resolva o problema sem se chegar aos tribunais e que foi criado, em primeira instância, por quem estava na ACSS em 2020 e pela tutela que autorizou a reposição dos 5% e o processamento dos vencimentos”..Xavier Barreto destaca que o problema “não foi criado por esta ministra, que por coincidência também é uma das visadas, mas espero que ela resolva o problema de todas as pessoas nesta situação”. Em relação ao problema da ministra, como visada, “acredito que não será ela a fazê-lo, mas alguém o fará”, já que do ponto de vista ético não seria correto a ministra perdoar-se a si própria. .O DN contactou o gabinete da ministra para pedir esclarecimentos, querendo saber se Ana Paula Martins foi notificada e o que vai fazer no caso da reposição e até sobre o que vai decidir em relação a todos os outros elementos de conselhos de administração visados, mas até à hora do fecho desta edição não recebeu qualquer resposta..A notificação da ACSS deixou as administrações hospitalares em polvorosa. O DN soube que quem está nestes funções ou esteve tenta desde a semana passada articular posições, embora houvesse quem se inclinasse a pedir esclarecimentos às entidades notificadoras, ACSS e Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), e quem pretendesse avançar já para “ações na justiça”, mas ainda não é conhecido o que vai ser feito. .A devolução de 5% dos ordenados pelos dirigentes hospitalares, que só com a nova orgânica do SNS envolve 200 administradores de 39 Unidades Locais de Saúde, surge agora por ter sido aprovado, no âmbito do OE2025, a revogação do Art.º 12 da Lei n.º 12-A/2010, de 30 junho, a partir de 1 de janeiro de 20225. Os deputados vão passar a receber com estes 5% e todos os outros dirigentes da Administração Pública também, foiquando “se soube que os administradores dos hospitais já recebiam sem o corte desde 2020”, explicaram ao DN. A DGTF faz um novo parecer em que considera a reposição ilegal, obrigando agora à sua reposição. .Na circular n.º 30/2024 da ACSS, assinada pelo presidente André Trindade e publicada na segunda-feira, define os parâmetros sobre como cada conselho de administração deve atuar. Em primeiro lugar, “deverá ser elaborado um projeto de deliberação do conselho diretivo anulatória de cada um dos atos de processamento de vencimento em que não se procedeu à redução remuneratória de 5% no vencimento do gestor, na qual se diga os termos em que será reconstituída a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado”. Depois, explica, que “apenas poderão estar em causa os atos de processamento de vencimento ocorridos há menos de cinco anos, relativamente à data do ato anulatório, pois só estes poderão ser anulados, nos termos do n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, na sua redação atual”..Visados podem pedir anulação da devolução.Por outro lado diz que “nessa reconstituição deverá ser ponderada a situação de cada gestor, no que respeita ao que recebeu e aos descontos que efetuou, bem como aquilo que deveria ter recebido e os descontos que deveria ter efetuado. O gestor apenas terá de repor o diferencial líquido, cabendo à entidade pública fazer, se necessário, os necessários encontros de contas com as entidades destinatárias dos descontos, nomeadamente a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Segurança Social e a ADSE, relativamente aos descontos efetuados em excesso”..A mesma missiva estipula que os conselhos devem promover “a audiência escrita dos interessados, concedendo-lhes prazo para sobre a matéria se pronunciarem, nos termos dos artigos 121.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo”. E só depois de recebidas “as pronúncias dos interessados ou decorrido o prazo fixado para o efeito, deverão as mesmas ser analisadas e, se as mesmas não forem consideradas procedentes, tomada a deliberação final de anulação de cada um dos atos referidos no n.º 1, com fundamento em ilegalidade, decorrente da aplicabilidade ao caso do artigo 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho”..Está também definido que “os membros do conselho diretivo não poderão deliberar, quando o assunto lhes diga diretamente respeito, pelo que poderão ter de estar rotativamente ausentes membros do órgão executivo eventualmente interessados na deliberação [alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código do Procedimento Administrativo]”. E a “regularização poderá ser feita mediante compensação com prestações da mesma natureza (desde que o valor a repor não exceda o limite de um sexto da remuneração mensal)”..A circular determina ainda que “o interessado que não teve conhecimento, quando recebeu as quantias em causa, de que esse recebimento era indevido, poderá requerer que a reposição se processe em prestações mensais (até ao termo do ano seguinte àquele em que for proferido o despacho que autorize essa modalidade de reposição). A competência para a decisão do pedido é do dirigente do serviço ou organismo processador”..Mais. “Em casos especiais, poderá ser, pelo membro do Governo que tutela o serviço ou do dirigente dos organismos administrativa e financeiramente autónomos, autorizado um número maior de prestações mensais: a) iguais ou superiores a 5% da dívida, caso o respetivo valor não exceda 30% do vencimento base; b) inferiores a 5%, caso o respetivo valor exceda 30% do vencimento base (artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho).”.E no caso de falecimento do gestor, o reembolso deve ser pedido junto do cabeça de casal da respetiva herança. No ponto 13, a circular determina que “no caso de falecimento do gestor, deverá ser obtida junto do serviço de finanças competente a informação sobre a identificação do cabeça-de-casal da respetiva herança, relativamente ao qual deverão ser praticados os atos anteriormente referidos que lhe devam ser notificados”. .A notificação da semana passada caiu que “nem uma bomba nas administrações hospitalares”, a ministra é uma das visadas mas os administradores esperam que seja ela a “reverter” a situação ou a “perdoar a devolução dos 5%”. Falta saber quem poderá resolver o seu próprio problema.