Militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego condenados a suspensão de serviço
PEDRO SANTOS/LUSA

Militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego condenados a suspensão de serviço

Foi afastada a suspeição de imparcialidade levantada pelos militares relativamente ao Comandante da Zona Marítima da Madeira e ao Comandante Naval. Em causa, o não-cumprimento de deveres militares definidos no regulamento de disciplina militar. A defesa já disse que vai impugnar a decisão.
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Os 13 militares do NRP Mondego que não cumpriram ordens de serviço viram ser-lhes decretada uma suspensão de serviço, entre 10 a 90 dias. A severidade da pena depende da categoria, posto e antiguidade de cada militar. Em causa, o não-cumprimento de deveres militares definidos no regulamento de disciplina militar.

O DN sabe que, ao longo da elaboração do processo disciplinar, os tribunais administrativos afastaram a suspeição de imparcialidade "levantada pelos militares relativamente ao Comandante da Zona Marítima da Madeira, na qualidade de oficial instrutor do processo, e ao Comandante Naval, na qualidade de entidade com competência disciplinar".

O primeiro caso remota a 11 de março do ano passado. Nesse dia, o NRP Mondego falhou uma missão de acompanhamento de um navio russo a norte da ilha de Porto Santo, no arquipélago da Madeira, após 13 militares (quatro sargentos e nove praças) se terem recusado a embarcar alegando razões de segurança.

Mas 16 dias após essa recusa, os militares falharam outra missão. Nessa altura, explicava em comunicado o Comando da Marinha da Zona Marítima da Madeira, que "o NRP Mondego largou pelas 22.20, do porto do Funchal", indo rumo às Selvagens para fazer a "rendição" de elementos da Polícia Marítima e de elementos do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza. Mas, continuava a nota, "por motivos de ordem técnica", o navio acabou por regressar ao porto do Caniçal "sem segurança".

O navio foi, depois, inspecionado por perito da direção de navios da Marinha, que foram ao arquipélago de propósito para aferir o estado da embarcação.

A Marinha participou, então, estes incidentes à Polícia Judiciária Militar (PJM), em Lisboa, no âmbito de inquérito criminal, tendo também instaurado processos disciplinares -- que agora terminaram.

Num relatório de inspeção elaborado por uma equipa constituída para o efeito, dias após a recusa dos militares, concluiu-se que o Mondego podia navegar em segurança, embora seja referida a existência de "fissuras na estrutura" do navio, "falta de estanqueidade", "dificuldades de esgoto da casa das máquinas" e "incapacidade de separação de águas e óleos". Apesar de confirmar as avarias, a Marinha referiu que os navios de guerra "podem operar em modo bastante degradado sem impacto na segurança", uma vez que têm "sistemas muito complexos e muito redundantes".

Helena Carreiras, a ministra da Defesa então em funções, confirmou o incidente, mas não se pronunciou sobre o caso, preferindo aguardar pelo fim da inspeção técnica. E, apesar das falhas aparentes do navio, Helena Carreiras recusou falar num colapso e relembrou que a Marinha continuava a cumprir as missões.

Defesa falava em provas apagadas e já disse que vai impugnar

Após terem sido ouvidos os militares envolvidos no caso, os advogados de defesa alegavam haver "indícios de prova" apagados.

À Lusa, fonte ligada à defesa acusava que o navio tinha sido "todo limpo" dias antes da ida de duas estações de televisão ao local. Segundo a defesa dos militares, um avião carregado de material terá voado até ao Funchal, com o objetivo de reparar o navio.

Segundo a mesma fonte, a Marinha alegava que o processo estava em condições de largar para a missão, e que isso era "comprovado por uma inspeção". Só que, dizia a defesa, a inspeção foi feita pela Marinha, sem quaisquer outras entidades a votos, foram feitas reparações a bordo do navio.

Outro dos advogados, António Garcia Pereira, dizia, em entrevista ao DN e à TSF, que os processos instaurados eram "uma farsa". "Estes processos arriscam-se a ser uma completa farsa porque estão completamente pré-decididos", acusava então.

Os advogados dos 13 militares, que se recusaram a embarcar navio Mondego alegando razões de segurança, em março de 2023, vão impugnar a suspensão dos marinheiros entre 10 e 90 dias, admitindo levar o caso ao Tribunal Europeu.

"Nós não tínhamos expectativas, porque não nos foi notificada a sanção que seria previsivelmente aplicável, aliás esse vai ser um dos fundamentos da impugnação", começou por dizer, citado pela Lusa, o advogado Paulo Graça à saída Direção Jurídica da Marinha, em Lisboa, onde foi proferida a decisão. De acordo com Paulo Graça, houve decisões diferentes para os 13 marinheiros, o que implicará "formas de impugnar distintas".

"Haverá um recurso que tem de ser imposto ao chefe de Estado-Maior da Armada relativamente a dois [sargentos]", afirmou.

Já o advogado António Garcia Pereira adiantou que será feito um recurso para os tribunais em relação aos dois sargentos que foram punidos com 60 e 90 dias, salientando que a possibilidade de levar o caso para Tribunal Europeu dos Direitos humanos irá abranger os 13 marinheiros visados. "O Tribunal Europeu engloba os 13, porque (...) a decisão tomada na sequência de uma audiência pública afeta-os a todos", sublinhou.

Gouveia e Melo: caso foi de "gravidade muito grande"

Quando se dirigiu ao local, a 16 de março, o chefe do Estado-Maior da Armada dizia que o caso era de uma "gravidade muito grande".

Dirigindo-se aos amotinados, o almirante Gouveia e Melo dizia: "A Marinha não pode esquecer, ignorar, ou perdoar atos de indisciplina, estejam os militares cansados, desmotivados ou preocupados com as suas próprias realidades."

E questionou depois: "Que interesses os senhores defenderam? Os da Marinha não foram certamente, os vossos muito menos. Só unidos venceremos dificuldades e vocês desuniram-nos."

Aquando de celebrações relacionadas com Dia da Marinha, Gouveia e Melo, assumia que o caso "fragilizou a imagem da Marinha", mas garantia que este ramo das Forças Armadas não mentia sobre a situação. No entanto, lembrava,"a Marinha é uma organização muito grande, não são 13 pessoas".

"A Marinha tem muitas testemunhas, tem muitas pessoas a participar nos processos. Aquilo foi um incidente, que é um incidente de procedimentos, não esteve nenhuma avaria envolvida no incidente. Infelizmente foi uma coincidência e as coincidências más também acontecem", assegurou.

Com Sara Azevedo Santos e Valentina Marcelino

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