Na primavera passada, centenas de cidadãos estrangeiros acampados no Largo dos Anjos, em Lisboa, foram alvo de protestos por parte dos moradores. Meses depois, uma operação de várias autoridades retirou-os do local. Um ano depois da instalação no largo, entre uma igreja e um balcão da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), onde estão eles? Tentando fazer a sua vida em Portugal, mesmo num limbo documental, explicou ao DN a voluntária Mariana Carneiro, que acompanha a situação desde o início.Mariana Carneiro diz que 57 pessoas estão à espera de resposta da AIMA sobre o pedido de autorização de residência por razões humanitária. Por lei, o prazo de decisão é de 90 dias, já ultrapassados. O DN tentou, por diversas vezes, obter respostas da AIMA sobre o assunto, mas sem sucesso. O relatório anual da agência de estatística não traz dados sobre quantos documentos com base no artigo 123.º foram emitidos em 2023 (o relatório com os dados de 2024 ainda não foi divulgado).Mariana destaca que 21 pessoas estão instaladas em Lisboa “com uma resposta de alojamento” por parte da AIMA. No entanto, no alojamento não têm direito a alimentação, enquanto outras estão em várias zonas do país. “Os que estão aqui em Lisboa, a grande maioria, salvo as outras exceções, estão a ser já acompanhados, ou seja, no sentido em que têm uma resposta de alojamento, mas não têm a resposta alimentar”, relata. A sobrevivência acontece a partir de doações.A voluntária sublinha que estes cidadãos querem “fazer a sua vida”, mas a falta de um documento impede-os. De acordo com Mariana Carneiro, a atual disposição legal sobre o título de residência por razões humanitárias “não faz sentido”. Isto porque é destinada a cidadãos que precisam de proteção, como, por exemplo, terem fugido de guerras ou serem alvo de perseguições nos seus países de origem e estão em situação frágil. No entanto, a legislação não prevê apoios a estes cidadãos enquanto esperam uma resposta do Estado - que atualmente ultrapassa todos os prazos legais, devido à sobrecarga de trabalho na AIMA.“Há uma incongruência gigantesca, que é quem tem [ proteção de] o artigo 123.º [regime excecional previsto na Lei sobre a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do terrtório nacional], quem pediu alteração de residência com caráter institucional por questões humanitárias, não tem acesso a qualquer tipo de apoio, não tem acesso a qualquer tipo de prestação pecuniária, o que significa que estás a pedir alteração de residência por questões humanitárias, significa que estás numa situação ultrafragilizada, mas não tens nenhum apoio económico”, frisa a voluntária. Segundo Mariana Carneiro, estes cidadãos querem “autonomizar-se”, mas não conseguem. Por exemplo, precisam de dinheiro para o passe de transporte público e frequentarem as aulas de língua portuguesa. Também falta dinheiro para a compra dos livros e outros materiais obrigatórios.A voluntária também tentou inscrevê-los nos cursos do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), para que pudessem estudar e receber o apoio nas refeições, mas também teve dificuldade. “Por estarem à espera do documento não podem ter acesso a estes cursos e apoios”, explica. Há ainda problemas no acesso ao sistema de saúde, porque estes cidadãos têm de pagar as taxas moderadoras se precisarem de atendimento médico. “Tu pagas 120 euros se tiveres de ir às urgências e precisam pagar todas as análises”, detalha. Dois destes migrantes tiveram problemas de saúde e ficaram hospitalizados, sendo os custos pagos com doações. Por estes fatores, sublinha Mariana Carneiro, a integração e acolhimento é limitada. “A integração e o acolhimento destas pessoas são completamente bloqueados a partir do momento em que a estrutura de apoio é tão escassa, precária ou inexistente. É surreal, as pessoas só são autorizadas a respirar e sobreviver”, argumenta.Um grupo de voluntários está a ajudar estas pessoas enquanto esperam por uma resposta da AIMA sobre o futuro de suas vidas. “Existe um grupo, que é um grupo inorgânico, portanto informal, organizamos iniciativas para recolher fundos, para poder ter o orçamento e que as pessoas migrantes possam comprar os alimentos e confecioná-los eles próprios”, detalha.“As pessoas podem fazer donativos, podem, principalmente, fazer pressão para que a AIMA responda adequadamente aos pedidos de regularização”, acrescenta. As doações podem ser feitas na conta bancária PT50 0035 0413 0004 5049 730 79, titular: “Habita65 - Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade”, com a descrição “Cozinha dos Anjos”.