Menos de metade dos lisboetas participaram crimes de que foram vítimas
O estudo à vitimação apresentado pela CML revela um contraste flagrante: a esmagadora maioria dos lisboetas sente-se seguro na cidade e confia no trabalho da PSP e da Polícia Municipal, mas, apesar de ter melhorado, ainda mais de metade das pessoas não participa crimes de que são vítimas. 70% acusaram a "falta de policiamento".
Apenas 40% das pessoas que foram vítimas de crimes em Lisboa (pessoais, a viaturas e residências) participaram à polícia.
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Destas vítimas, 40% revelaram sentimento de insegurança na rua, à noite e 38% na cidade em geral. 70% acusaram a "falta de policiamento" na área de residência.
Estas são algumas das conclusões de um estudo sobre "O sentimento de insegurança e vitimação em Lisboa", desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, cujo resumo foi apresentado nesta segunda-feira pela sua autora, Maria do Rosário Jorge, na Câmara Municipal de Lisboa (CML), a assinalar os 131 anos da Polícia Municipal.
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Na cerimónia, tanto o presidente da CML, Carlos Moedas, como o comandante da Polícia Municipal de Lisboa (PML), Paulo Caldas, apelaram a um reforço do efetivo para uma maior visibilidade de policiamento,
Este estudo, que teve por base um inquérito realizado a 2100 residentes da cidade, relativo a factos ocorridos em 2019 (período pré-pandemia), pretendeu "analisar os fenómenos que afetam os sentimentos de segurança dos residentes na cidade de Lisboa, independentemente de terem sido participadas às autoridades".
De acordo com os Relatórios Anuais de Segurança Interna no em 2019 foram registados 35 115 crimes (em 2021 foram 25 912)
Cifras negras por clarificar
No entanto, não foi facultado aos jornalistas o estudo completo que permitisse uma avaliação mais aprofundada das chamadas "cifras negras" - os crimes não reportados e a respetiva correlação com os que são registados pelas autoridades.
Essa clarificação é, aliás, o mais importante elemento dos inquéritos de vitimação, registar a relação entre a criminalidade participada às forças de segurança e a "criminalidade real", tida como "ferramenta imprescindível para a tomada de decisões mais eficazes no domínio da segurança", como foi explicado no Inquérito Nacional à Vitimação (INV) realizado pelo Governo em 2008/2009.
Ou seja, esta taxa de participação pode indiciar que as cifras negras são significativas na capital do país e isso influencia as estratégias de segurança, como a reorganização do dispositivo da PSP em Lisboa, que está por executar há, pelo menos, oito anos.
O único slide que foi mostrado sobre a participação dos crimes indica, ainda assim, alguma melhoria, quando comparada com 2000 (cujo estudo completo também não é conhecido), ano em que apenas 35% das pessoas vítimas de crime reportaram à polícia.
Uma análise do Gabinete de Estudos do Ministério da Justiça, de 1994, quando 72% das pessoas em Lisboa não denunciava os crimes de que era alvo, 43% argumentava que "a polícia não podia fazer nada", 34% que "a polícia não se iria interessar", 32% "não quis dar publicidade ao caso" e 17% "teve medo de represálias".
"Como se vê, a representação das autoridades foi vincadamente negativa, quer quanto à sua capacidade, quer quanto ao seu interesse. Provavelmente, esta perceção corresponde a modos de pensar e de sentir sedimentados, enraizados na história, e reveladores de um grande distanciamento entre os cidadãos e a administração. Quaisquer que sejam as interpretações possíveis deste facto, a constatação de que mais de sete em cada dez vítimas não participaram os crimes é um dado empírico de grande relevância para a análise do funcionamento do sistema de justiça criminal", concluíam os autores.
Fica por saber que interpretação foi dada no atual estudo da Universidade Nova à também baixa percentagem de pessoas que disseram ter participado os crimes.
Maioria sente-se segura e confia na PSP e na PM
No entanto, a ainda reduzida taxa de participação dos crimes revelado no trabalho apresentado na CML, acaba por ser contrastante com outros resultados, mais valorizados na apresentação oficial: 80% dos inquiridos sente-se seguros ou muito seguros em Lisboa e 82,5% sentem-se da mesma forma no seu bairro. Apenas 1,4% se sente inseguro em Lisboa e 1,6% na sua área de residência.
O desempenho e a confiança nas polícias que atuam em Lisboa, a PSP e a Polícia Municipal (PM) foi enaltecido: 80% dos inquiridos dizem ter confiança da PSP (mais 10% quem em 2000); e 69% tem confiança na PM (eram 78% em 2000).
A comparação de 20 anos de vitimação (2000-2019) mostra uma melhoria significativa. Enquanto em 2000 havia 18% dos inquiridos tinham sido alvos de crime, em 2019 apenas foram 7%.
Nas justificações para a insegurança na sua área residência, a mais apontada foi o "pouco policiamento" (70,3%), zona com "muita droga" (44,3%) e haver "muitos delinquentes" (30,8%).
O vandalismo no automóvel (28%), o roubo de motociclo ou bicicleta (11,7%), o roubo de objeto ou peça de automóvel (10,7%), agressão ou outra ameaça (8,8%) e o crime informático (8%) foram as cinco situações mais indicadas de vitimação em Lisboa.
A satisfação com a atuação da polícia evoluiu positivamente. Nos crimes contra as pessoas, há 20 anos, mais de 60% estavam insatisfeitos, e em 2000, são menos de 40%. Nos crimes a envolver veículos
Telespetadores da CMTV mais inseguros
Este estudo analisou também a relação entre as notícias dos meios de comunicação social e o sentimento de insegurança, para concluir que entre 70 a 80% das pessoas que vêm a CMTV, a RTP, a SIC Notícias, a TVI e a SIC, se sentem seguros.
Ainda assim, os telespetadores da CMTV são os que se sentem mais inseguros (cerca de 25%). Os dos outros canais ficam na casa dos 20% ou menos.
Recorde-se que em junho passado, o presidente da CML Carlos Moedas, veio exigir do Governo uma maior visibilidade de policiamento, na sequência de alguns casos de violência na noite lisboeta.
"Dizer ao Governo que a autarquia dá os meios, por exemplo da Polícia Municipal - carros ou infraestruturas, por exemplo - para ajudar a PSP. O Governo sabe que tem toda a minha colaboração, estou disposto a dar essa ajuda, a criar uma parceria", explicava o presidente da Câmara, à saída de uma reunião com os representantes da PSP em Lisboa e da Polícia Municipal.
"A visibilidade é muito importante na segurança. Não podemos perder o principal ativo que uma cidade tem: a segurança. Quero ver mais polícia na rua, mas para isso preciso da ajuda do Governo", disse Moedas apontando as zonas do Cais do Sodré, Bairro Alto ou Santos como exemplos de pontos na cidade onde é essencial reforçar a presença das autoridades no período noturno.
No Inquérito Nacional realizado em 2008, a maior percentagem de vitimação não reportadas era: roubo de leitor de música portátil (95,5%) assédio sexual (90,9%), insultos / Injúrias (87%), roubo de telemóvel (86,8%), ofensas corporais (83,3%), furto de carteirista (68,1%), roubo de identidade via internet (71,4%); utilização indevida de cartão de crédito / multibanco (63,6%).
Nesta altura 41,6% dos inquiridos sentia-se inseguro e 15% muito inseguro em Portugal.
Em Lisboa, 68,5% dos inquiridos sentiam-se seguros na zona onde viviam.
Falta de efetivo policial "muito preocupante"
Na cerimónia de apresentação deste estudo, o comandante da PML, superintendente Paulo Caldas, sublinhou que, apesar de ter viaturas, boas instalações e tecnologia ao seu dispôr, "o que condiciona o trabalho da Polícia Municipal de Lisboa é a falta de efetivo".
De acordo com este oficial superior da PSP ao comando da PML, "em 2018 havia 588 agentes, o seu número máximo alcançado, enquanto ao dia de hoje, esse número é de 452".
"É muito preocupante", sublinhou Paulo Caldas, "precisamos de mais polícias para reforçar a fiscalização do trânsito na cidade, para fiscalizar estabelecimentos, obras , o ruído".
O comandante da PML defende que "só com um quadro de 600 efetivos se poderá responder" a estas solicitações.
O presidente Carlos Moedas, corroborou o apelo de Paulo Caldas e lembrou uma das constatações do estudo apresentado, segunda a qual, a "perceção de pouco policiamento nas ruas" era o fator mais indicado pelos inquiridos para explicar o seu sentimento de insegurança.
"Isto dá que pensar", afiançou Moedas, "pois apesar da grande confiança que têm nas nossas polícias, há essa perceção de que o policiamento não é suficiente".
O presidente da autarquia lançou um desafio à PML e à PSP: "Quero ver-vos mais na rua, estejam ao lado das pessoas, sei que as pessoas têm confiança no vosso trabalho, mas têm de estar ainda mais visíveis".
A finalizar, dirigiu-se à secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto, presente na cerimónia: ""Reforço o que já disse o comandante da CML. É essencial mais efetivos, na PML e na PSP. Temos de valorizar mais a profissão e torná-la mais atrativa. Da minha parte tudo farei."