Meio milhar ainda vive na rua em Lisboa. Situação continua "sem fim à vista"
A situação de sem-abrigo em Lisboa continua a ser um problema "sem fim à vista", tendo até agravado durante a pandemia. Segundo dados do município, existem atualmente 3780 pessoas nesta situação, sendo que 500 vivem na rua.
"São 494 pessoas que estão efetivamente na rua, ou em tendas ou nos vãos de escada. São pessoas que recusaram ou estão à espera de melhores respostas, ou que já estiveram de alguma forma acolhidas e que abandonaram", indica a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves.
Em declarações à agência Lusa, a vereadora recorda que no início dos anos 2000 houve uma alteração da estratégia nacional em relação à saúde mental, o que "atirou muitas pessoas para a rua": a situação de sem-abrigo "mudou muito, para pior".
"Isto, que já era uma situação muito dramática, agravou-se brutalmente agora com a pandemia. O problema é que não sabemos até onde é que isto vai levar muitas outras pessoas", afirma Laurinda Alves, referindo que Lisboa regista "um fluxo maior, há mais situações e as situações são mais dramáticas", com pessoas que vêm de municípios vizinhos, de outras zonas do país e também do estrangeiro.
De acordo com dados do Núcleo do Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), estrutura que é coordenada pela Câmara de Lisboa, em 2018 existiam 2473 pessoas nesta situação, das quais 361 não tinham um teto. No ano seguinte, este número aumentou para 3178 pessoas, com 465 destas a viver na rua. Em 2020, foram reportadas 3811 pessoas sem-abrigo, com 447 a não ter uma casa.
"Há muitas pessoas que continuam na rua, que dormem em tendas. Há também um conjunto de 20 pessoas e famílias que dormem em carros", refere Laurinda Alves.
A maioria da população em situação de sem-abrigo em Lisboa é do sexo masculino e com uma idade média de 40 anos, embora haja também pessoas mais novas e mais velhas, adianta a vereadora, assegurando que "não há crianças na rua". As mulheres também são poucas, uma vez que, explica, "têm um corredor prioritário para serem encaminhadas para os serviços".
Laurinda Alves explica que as pessoas nesta condição "não têm um problema, têm um somatório de problemas", desde questões de saúde mental, dependência de drogas ou questões financeiras: "Alguém que fica na rua porque perdeu o emprego, porque está endividado, porque sofreu uma penhora". Neste equação pode-se incluir também os valores "inacessíveis" das rendas de habitação, já que "há uma esmagadora percentagem de população que sofre esta carestia de vida".
Para a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais é importante fazer o exercício de calçar os sapatos do outro: "Quando temos este olhar do 'podia ser eu' e 'são pessoas como nós', começamos a olhar para elas já de forma diferente."
Questionada sobre o tempo necessário para erradicar o problema no concelho, Laurinda Alves suportou-se nas palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que no Natal passado disse que a pandemia de covid-19 tornou impossível fixar metas temporais para retirar estas pessoas da rua. "Neste momento, com a pandemia e com tudo aquilo que é tão avassalador, tão dramático e tão torrencial, é uma hemorragia que não conseguimos estancar, nem conseguimos ver o fim, mas temos aqui estes quatro anos para olhar para esta realidade, para fazer este atlas, para perceber quem é quem, as realidades, para concertar ainda melhor aquilo que tem sido feito e muito bem feito até aqui. Temos ainda a possibilidade de afinar estratégias", assume.
A estratégia do atual executivo municipal de Lisboa para integração das pessoas em situação de sem-abrigo passa por "humanizar, prevenir e concertar", definindo um programa de intervenção pós-pandemia, com o aumento dos apartamentos "Housing First" de 340 para 400. "A nossa estratégia vai passar, seguramente, por uma humanização e uma maior articulação entre os serviços", afirma a vereadora. Neste regime "Housing First" os utentes estão divididos. No total, estão alojadas 340 pessoas neste regime temporário, segundo dados revelados pela autarquia.
Passados três meses desde que assumiu o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves manifesta gratidão e admiração pelo "muito trabalho" de quem lhe antecedeu no cargo e por todos os que têm permitido respostas de apoio às pessoas em situação de sem-abrigo, inclusive durante a pandemia de covid-19, referindo que "é muito impressionante" os recursos que se põem ao serviço desta "missão de resgate humanitário".
No seu entender, seria "muito leviano e completamente inútil e fútil" estar a avançar com prazos para resolver a situação. E assegura que esta é uma interrogação que tem de "desinquietar" o executivo até ao fim do mandato.
"No final do dia, no final do mandato, no limite no final das nossas vidas será isto que conta, o que transformamos, o que tornamos possível, o que ficou de nós na parte boa da vida dos outros", conclui a autarca, referindo a importância de manter ativo este trabalho: "Só é impossível o que não tentamos, não podemos desistir nunca. Não se pode desistir de ninguém".