Medina Carreira, o homem que não tinha medo de morrer

Augusto Mateus lembra o antigo ministro das Finanças como um homem preocupado com o país e com a melhoria do mesmo
Publicado a
Atualizado a

Após um mês de internamento, faleceu esta segunda-feira num hospital de Lisboa vítima de doença prolongada, aos 85 anos, Henrique Medina Carreira, ministro das Finanças do I Governo Constitucional.

Em 2009, numa entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, teve uma declaração rara sobre a morte. "Não tenho vontade de morrer, mas não é da morte que tenho medo: é da maneira de morrer. Defendo que desde a nascença devíamos ser portadores de uma ampola com cianeto de potássio. Os nazis andavam com uma. Quando dava para o torto, dentavam e caíam para o lado. Acho que devíamos ser senhores do nosso fim", disse na altura.

O homem que adorou ser, em 1975, sub-secretário do Orçamento no consulado de Pinheiro de Azevedo e detestou ser ministro das Finanças, de 1976 a 1978, no Governo liderado por Mário Soares era conhecido pelas opiniões assertivas e por ser um crítico da política despesista dos últimos governos da República. "Eu não sou candidato a nada, e por conseguinte não quero ser popular. Eu não quero é enganar os portugueses. Nem digo mal por prazer, nem quero ser popularucho porque não dependo do aparelho político!", gostava de referir.

O antigo ministro da Economia, Augusto Mateus, ressalva a coragem de Medina Carreira e confessa uma aproximação ocorrida nos últimos anos. "Conhecia muito bem. Éramos amigos, apesar da nossa diferença de idades. Ao longo das últimas décadas fizemos uma aproximação, falávamos e era uma pessoa pela qual tinha grande apreço e respeito. Sempre foi uma pessoa que nunca teve dificuldade em expressar com coragem as suas opiniões e essa é uma qualidade que aprecio muito, independentemente de concordar ou não. Era um homem que falava em função da experiência que tinha sobre os assuntos, preocupado com o país e com a melhoria do país", disse ao DN, acrescentando ainda que Medina Carreira deu contributos relevantes relativos à "procura da eficiência e ao equilíbrio da gestão da coisa pública".

Quem olhava para Medina Carreira via um economista. Sim, formou-se em Economia mas antes disso fez um bacharelato em engenharia mecânica, tirou os cursos de pedagogia, direito e quando estava a frequentar economia... abandonou por falta de tempo e logo aquele que era "um sonho de 20 anos".

Nos últimos anos foi um oposicionista das políticas económicas dos governos, o que lhe valeu ser visto como uma espécie de arauto da desgraça. Em vida não teve pejo em responder a quem o via dessa forma: "Os arautos da desgraça são os irresponsáveis que andam a dizer isso. Andam de olhos fechados, ou para se servirem, ou para fazerem carreira política. Se não mudarmos a economia, vamos estar numa pobreza como não conhecemos desde princípio do século passado."

Filho do historiador António Barbosa Carreira e de Carmen Medina Carreira, nasceu em Bissau, capital da Guiné a 14 de janeiro de 1931.

Curiosa a revelação feita em 2009 de que o pai lhe tinha chamado "burro" por ter aceite o cargo de ministro das Finanças "de um país falido". Sem complexos, assim se definia, em jovem praticava futebol no Inverno, remava na Primavera e fazia atletismo no Verão.

E garantia que não desapontava. "Só posso ter desapontado trafulhas. Pessoas sérias, não. Eu tenho uma qualidade: sou uma boa pessoa. Sou uma pessoa que não trafulha, que não intriga, que não se vinga, que não persegue, que não odeia. São as minhas grandes qualidades."

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt