Há cerca de 31 mil médicos a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), embora inscritos na Ordem dos Médicos estejam mais de 59 mil. Do total dos que trabalham no SNS, 21 mil são especialistas e dez mil médicos internos. Pelo menos, isto é o que reflete um estudo divulgado já este ano pelo PlanAPP (organismo do Estado que apoia a definição e implementação de políticas públicas e a análise prospetiva)..Quem está no terreno reafirma tais números e não receia assumir que “se os internos, de repente, desaparecessem do SNS, era uma tragédia, os hospitais e os centros de saúde ficavam mal, muito mal”, afirma a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam). .“Quando dizemos que os internos representam um terço da força do trabalho médico no serviço público é porque representam mesmo. Todos sabemos que têm uma sobrecarga de trabalho indescritível. Eles não veem só doentes nas enfermarias, eles fazem consultas, asseguram Urgências e ainda têm de investigar, ir a congressos, publicar artigos e estudar para os exames finais”, reforça. .Joana Bordalo e Sá, médica oncologista, denuncia mesmo: “Os internos têm um contrato de trabalho de 40 horas semanais, mas estas são sempre ultrapassadas, até podem ser de 60 horas ou mais.”.Mas não só. A dirigente sindical destaca ainda que, a juntar ao trabalho em excesso, “há a questão salarial, já que a remuneração média de um médico interno é bastante baixa”. Ou seja, de acordo com a tabela remuneratória no SNS, “um médico interno ganha nos primeiros anos 11,99 euros à hora, e nos dois últimos, quando já está no 3.º e no 4.º ou no 5.º e no 6.º ano, 13,55 euros”. Em média, “um médico interno não recebe mais do que 1300 a 1500 euros por mês”..A agravar esta situação e o descontentamento está o facto de “os quatro, cinco ou seis anos em que estão a fazer formação e a trabalhar no SNS, não lhes serem contabilizados para a progressão na carreira médica”, explica, acrescentando: “Esta tem sido uma “das nossas batalhas nas negociações com as tutelas, que é fazer com que os médicos internos passem a integrar a carreira. É uma medida que não tem custos para o Estado”. Só que ainda não foi aceite. .Na opinião da sindicalista, estas não são as únicas razões que podem estar a afastar os médicos do internato, dizendo mesmo tratar-se de “uma tendência que já se vem a registar nos últimos anos”. Por isso mesmo, “a formação e as condições de trabalho já deveriam estar a ser repensadas”. A médica reconhece que em Portugal o internato tem qualidade formativa, mas esta pode estar a ficar cada vez comprometida com “a saída de especialistas do SNS”..E explica: “Os médicos assistentes continuam a sair dos serviços. O ideal era que houvesse um interno por orientador, mas isso está longe de acontecer em Portugal. O número limite é de três por orientador e às vezes há quem tenha mais, porque é preciso distribuir os internos que ficaram sem orientador.”.“Ora, o que se aprende num internato com um orientador que tem dois ou três internos e está em tempo completo no SNS é muito diferente do que se aprende com um orientador que tem quatro ou cinco e está a meio tempo no SNS.” E, obviamente, isto faz com que “os jovens médicos não pensem em avançar logo para a especialidade assim que acabam o curso”..Até porque, nesta altura, ter o curso de Medicina não implica que se seja médico, obrigatoriamente. “Há cada vez mais mobilidade laboral, podendo optar pela investigação, consultoria ou indústria farmacêutica..Para a médica é “muito importante que se definam tempos para a formação dos internos, como para os formadores, que nem sequer são pagos por desempenharem esta atividade. Se houver tempos protegidos, o interno poderá estudar e investigar, mas é preciso que as unidade de saúde os cumpram”..Os médicos internos estão agarrados à estrutura de uma unidade tendo de cumprir agenda e metas de atividade, por isso, quando se comparam com os médicos que preferem não fazer a especialização e que podem estar a trabalhar como tarefeiros na unidade que quiserem e a serem mais bem pagos, podem pensar duas vezes antes de escolherem uma especialidade. Joana Bordalo e Sá reforça que, enquanto não se resolver a rigidez do formato do internato e as condições de trabalho dos internos, “certamente que haverá mais candidatos a não querem entrar nas especialidades”..O secretário-geral do SIM, Nuno Rodrigues, atribui a crise que se vive agora nos internatos à “total ausência de investimento na formação”. De tal forma, explica, que o SIM “criou um fundo até 150 mil euros anuais para apoiar a formação adicional e colmatar as falhas do Estado”. .“Ou seja, já não basta um interno trabalhar muito nos serviços do SNS e ganhar mal, como ainda tem de pagar a formação diferenciada que precisa fazer, quer seja na área da saúde ou das novas tecnologias, que custam milhares de euros. É por isto que quando um interno termina a sua formação e vê outras oportunidades, ou no estrangeiro ou no setor privado, acaba por sair do SNS e sente que não deve nada ao Estado”, sublinha. .Nuno Rodrigues defende que a formação médica em Portugal “é de qualidade” e, por isso mesmo, “os nossos médicos são muito requisitados para exercerem noutros países, sendo que 99% da formação é feita no SNS”. E se é assim, sublinha, “é importante que o Governo reflita sobre estes números e sobre a necessidade de as negociações com o SIM, pelas grelhas salariais e progressão na carreira, chegarem a bom porto até ao final deste ano”.