Estima-se que 1,5 milhões de utentes não tenha médico de família.
Estima-se que 1,5 milhões de utentes não tenha médico de família.

Médicos de família “não querem mais trabalho, mesmo com incentivos”, mas medidas estruturais

No dia em que o Plano de Emergência para a Saúde deverá ser aprovado na reunião semanal do Conselho Ministros e anunciado por Luís Montenegro, há mais um alerta da Medicina Geral e Familiar sobre o que este deve conter: “Uma aposta claríssima nas condições de trabalho para fixar profissionais no SNS.”
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"Quando falamos em emergência, tentamos resolver as situações com pensos rápidos, de forma incorreta, em vez de pensarmos em soluções estáveis, duradouras e com respostas a curto, médio e longo prazo.” A declaração é do presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, que esta terça-feira defendeu ao DN que “um Plano de Emergência para a Saúde (PES) no estado atual do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de ter uma aposta claríssima naquilo que são as condições de trabalho dos profissionais para os conseguir reter e fixar. E não falo só dos médicos de família, mas de todos os outros profissionais, como enfermeiros, secretários clínicos, etc.”


Para a APMGF esta é a prioridade das prioridades na elaboração de um PES e Nuno Jacinto diz esperar que tal não tenha sido esquecido pela equipa nomeada especificamente para esta missão e pelo próprio Governo. Até porque, “o que vier neste plano tanto nos pode dar um sinal de que, de facto, se vai valorizar os cuidados primários de saúde e os médicos de família, como um sinal absolutamente contrário e negativo, que as medidas definidas são soluções de curta duração.” Ora, avisa, “os médicos de família ainda não atiraram a toalha ao chão, mas há anos que vivem o desânimo”. 


Segundo anunciou no domingo Luís Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC, e confirmou o DN, este Plano de Emergência assenta em cinco áreas - listas de espera, falta de recursos humanos na medicina geral e familiar, falta de recursos e funcionamento nas maternidades e Serviços de Urgência e melhoria do aceso a cuidados de saúde mental. Mas só esta quarta-feira, depois da reunião semanal do Conselho de Ministros, onde será discutido e aprovado, e do anúncio feito por Luís Montenegro é que ficaremos a saber o que vai integrar. 


O PES foi promessa da Aliança Democrática na campanha para as últimas eleições com prazo para ser apresentado, 60 dias após a tomada de posse do Governo, 2 de junho. A missão foi entregue a uma equipa liderada pelo médico Eurico Castro Alves, que, oficialmente, só foi nomeada pela ministra Ana Paula Martins há cerca de duas semanas, mas que já se encontrava a trabalhar. E como um dos pontos prioritários deste plano são os cuidados primários e a Medicina Geral e Familiar, o presidente da APMGF deixa um alerta para soluções que possam ser consideradas rápidas: “Não precisamos de mais trabalho, já temos muito. O que precisamos é que algumas tarefas sejam eliminadas das nossas funções para termos mais tempo para os doentes”, acrescentando: “Honra seja feita à anterior Direção Executiva que deu alguns passos, que podem ser considerados tímidos, mas que permi- tiram a simplificação de muitas das nossas tarefas.”


Questionado sobre se este plano poder assentar em mais tarefas, mas com incentivos, Nuno Jacinto responde prontamente: “Não adianta colocar mais tarefas em cima de profissionais que já estão no seu limite, mesmo com incentivos. O dia tem 24 horas, portanto todos nós preferimos ter equipas mais completas e mais estruturadas para garantirmos a resposta, do que dizer-se aos poucos profissionais de muitos locais que ainda têm de trabalhar mais, embora pagos por trabalho extraordinário. Porque, na realidade, isto não se consegue fazer e quando se faz não é igual a um trabalho programado ou estruturado.”

"Soluções em avulso já mostraram que foram tentativas erradas"

Portanto, sublinha, o que tem de estar, à partida, garantido neste PES “é que os profissionais trabalhem em condições de segurança e de qualidade, que nenhum é colocado noutro local a servir de penso rápido, como também nenhum é substituído no seu local de origem. As soluções em avulso já mostraram no passado que foram tentativas erradas de resolver problemas”.


O médico assume que a questão da “valorização salarial é importante, mas que não pode ser encarada como a única solução”. Para já, deveria ser preocupação desta tutela resolver o que ainda há para resolver “nos processos de transição das Unidades de Saúde Familiares Modelo B. Ainda está tudo muito confuso, não se conseguem fazer pagamentos corretamente e há profissionais que ainda não estão a receber o que deviam em suplementos. Tudo isto desmotiva, tudo isto já deveria estar mais do que clarificado”, reforçando: “Às vezes, bastam pequenas coisas serem corrigidas, por exemplo com uma orientação superior, para que se passe a fazer corretamente”.


Outro exemplo é a possibilidade de contratar mais rapidamente especialistas. “Os internos que terminaram a especialidade este ano na época de março e abril ainda aguardam concurso para entrarem no SNS. “São meses à espera para saber onde vão ficar e há muitos que depois acabam por não querer.”


No ano passado, nesta altura, havia 1,7 milhões de utentes sem médico de família. Agora, estima-se que sejam 1,5 milhões, sendo que a especialidade de Medicina Geral e Familiar é das mais afetadas com as reformas de médicos neste e no próximo ano, podendo este número aumentar ainda mais.

Mas Nuno Jacinto lembra que o diagnóstico sobre a situação do SNS está feito há muito tempo e o que os médicos de família esperam “é que este Plano de Emergência  vá ao encontro de soluções que, não são só para os próximos meses, mas que garantam alguma estabilidade e alguma coerência no que vai ser feito nos próximos anos no SNS e nomeadamente nos cuidados primários”.

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