Médicos de família “não querem mais trabalho, mesmo com incentivos”, mas medidas estruturais
"Quando falamos em emergência, tentamos resolver as situações com pensos rápidos, de forma incorreta, em vez de pensarmos em soluções estáveis, duradouras e com respostas a curto, médio e longo prazo.” A declaração é do presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, que esta terça-feira defendeu ao DN que “um Plano de Emergência para a Saúde (PES) no estado atual do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de ter uma aposta claríssima naquilo que são as condições de trabalho dos profissionais para os conseguir reter e fixar. E não falo só dos médicos de família, mas de todos os outros profissionais, como enfermeiros, secretários clínicos, etc.”
Para a APMGF esta é a prioridade das prioridades na elaboração de um PES e Nuno Jacinto diz esperar que tal não tenha sido esquecido pela equipa nomeada especificamente para esta missão e pelo próprio Governo. Até porque, “o que vier neste plano tanto nos pode dar um sinal de que, de facto, se vai valorizar os cuidados primários de saúde e os médicos de família, como um sinal absolutamente contrário e negativo, que as medidas definidas são soluções de curta duração.” Ora, avisa, “os médicos de família ainda não atiraram a toalha ao chão, mas há anos que vivem o desânimo”.
Segundo anunciou no domingo Luís Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC, e confirmou o DN, este Plano de Emergência assenta em cinco áreas - listas de espera, falta de recursos humanos na medicina geral e familiar, falta de recursos e funcionamento nas maternidades e Serviços de Urgência e melhoria do aceso a cuidados de saúde mental. Mas só esta quarta-feira, depois da reunião semanal do Conselho de Ministros, onde será discutido e aprovado, e do anúncio feito por Luís Montenegro é que ficaremos a saber o que vai integrar.
O PES foi promessa da Aliança Democrática na campanha para as últimas eleições com prazo para ser apresentado, 60 dias após a tomada de posse do Governo, 2 de junho. A missão foi entregue a uma equipa liderada pelo médico Eurico Castro Alves, que, oficialmente, só foi nomeada pela ministra Ana Paula Martins há cerca de duas semanas, mas que já se encontrava a trabalhar. E como um dos pontos prioritários deste plano são os cuidados primários e a Medicina Geral e Familiar, o presidente da APMGF deixa um alerta para soluções que possam ser consideradas rápidas: “Não precisamos de mais trabalho, já temos muito. O que precisamos é que algumas tarefas sejam eliminadas das nossas funções para termos mais tempo para os doentes”, acrescentando: “Honra seja feita à anterior Direção Executiva que deu alguns passos, que podem ser considerados tímidos, mas que permi- tiram a simplificação de muitas das nossas tarefas.”
Questionado sobre se este plano poder assentar em mais tarefas, mas com incentivos, Nuno Jacinto responde prontamente: “Não adianta colocar mais tarefas em cima de profissionais que já estão no seu limite, mesmo com incentivos. O dia tem 24 horas, portanto todos nós preferimos ter equipas mais completas e mais estruturadas para garantirmos a resposta, do que dizer-se aos poucos profissionais de muitos locais que ainda têm de trabalhar mais, embora pagos por trabalho extraordinário. Porque, na realidade, isto não se consegue fazer e quando se faz não é igual a um trabalho programado ou estruturado.”
"Soluções em avulso já mostraram que foram tentativas erradas"
Portanto, sublinha, o que tem de estar, à partida, garantido neste PES “é que os profissionais trabalhem em condições de segurança e de qualidade, que nenhum é colocado noutro local a servir de penso rápido, como também nenhum é substituído no seu local de origem. As soluções em avulso já mostraram no passado que foram tentativas erradas de resolver problemas”.
O médico assume que a questão da “valorização salarial é importante, mas que não pode ser encarada como a única solução”. Para já, deveria ser preocupação desta tutela resolver o que ainda há para resolver “nos processos de transição das Unidades de Saúde Familiares Modelo B. Ainda está tudo muito confuso, não se conseguem fazer pagamentos corretamente e há profissionais que ainda não estão a receber o que deviam em suplementos. Tudo isto desmotiva, tudo isto já deveria estar mais do que clarificado”, reforçando: “Às vezes, bastam pequenas coisas serem corrigidas, por exemplo com uma orientação superior, para que se passe a fazer corretamente”.
Outro exemplo é a possibilidade de contratar mais rapidamente especialistas. “Os internos que terminaram a especialidade este ano na época de março e abril ainda aguardam concurso para entrarem no SNS. “São meses à espera para saber onde vão ficar e há muitos que depois acabam por não querer.”
No ano passado, nesta altura, havia 1,7 milhões de utentes sem médico de família. Agora, estima-se que sejam 1,5 milhões, sendo que a especialidade de Medicina Geral e Familiar é das mais afetadas com as reformas de médicos neste e no próximo ano, podendo este número aumentar ainda mais.
Mas Nuno Jacinto lembra que o diagnóstico sobre a situação do SNS está feito há muito tempo e o que os médicos de família esperam “é que este Plano de Emergência vá ao encontro de soluções que, não são só para os próximos meses, mas que garantam alguma estabilidade e alguma coerência no que vai ser feito nos próximos anos no SNS e nomeadamente nos cuidados primários”.