Médicos comunicam mal, pacientes têm baixa literacia
Comunicação pouco personalizada por parte de médicos, curta duração das consultas e baixa literacia dos doentes são os principais problemas de comunicação entre profissionais de saúde e utentes. Os dados são de um inquérito realizado às associações de doentes que na última semana participaram no 10.º Encontro Anual GSK ViiV Healthcare com Representantes de Associações de Pessoas com Doença.
Duarte Vital Brito, médico especialista em Saúde Pública, propôs o inquérito antecipadamente, tratou os dados e deu voz aos resultados. Durante uma intervenção intitulada "Não é o que dizemos e sim o que as pessoas ouvem: comunicar eficazmente em saúde" sublinhou a necessidade de os médicos, na interação com os pacientes, perceberem se estes compreendem exatamente as informações recebidas. Com base na experiência profissional e na formação académica apontou a necessidade de existirem mais ferramentas para desenvolver a comunicação dos médicos. "Na faculdade, nos primeiros anos temos, desde logo, contactos com doentes em ambiente hospitalar e em estágios nos centros de saúde e há cadeiras que abordam a comunicação entre médico e doente, mas não existe um verdadeiro ambiente de treino prático ao ponto de desenvolver totalmente as competências comunicacionais".
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Sobre esta matéria Cristina Vaz de Almeida, presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, referiu-se à urgente capacitação de pessoas e organizações para aumentar transversalmente o conhecimento. "A linguagem técnica tem de ser desdobrada e tornada mais acessível, os media ajudam muito e as campanhas das grandes organizações serão úteis se juntarem dois fatores que a literacia em saúde tanto defende o racional como o emocional. Ninguém muda só pela razão, as pessoas têm de ser motivadas quando lhes propomos algo significativo para elas. Isso exige campanhas bem segmentadas", frisou.
Helena Canhão, diretora da Nova Medical School, defendendo a aproximação entre a Academia e as entidades que promovem e divulgam a ciência sugeriu o exemplo das sociedades científicas que deveriam conseguir transmitir e divulgar informação para profissionais, mas também, a outro nível, para o cidadão comum. "Todos temos de estar abertos, sejam laboratórios ou universidades, para partilhar o conhecimento e torná-lo mais acessível. Deve ser um conceito para partilhar desde as idades mais jovens e acompanhar-nos ao longo da vida".
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"Promover a saúde, prevenir a doença: o poder do conhecimento"
Justificando o título do encontro este ano, Maurizio Borgatta, diretor geral da GSK Portugal, afirmou que ter "cidadãos mais informados significa estarem também mais habilitados a tomar decisões acertadas contribuindo para melhorar os resultados em saúde e ganhos em qualidade de vida". A literacia em saúde, argumentou, permite aos doentes ou aos seus cuidadores fazer uma gestão mais ativa da própria condição. "Ter noção e perceção dos riscos possibilita tomar medidas antes dos problemas surgirem".
A referência surgiu associada à prevenção primária através da vacinação, entendida como prioridade para prevenir a doença e promover a saúde. "É uma medida com custo benefício sem igual". O responsável da multinacional em Portugal citou ainda a Organização Mundial de Saúde que considera a vacinação como segunda medida de saúde pública (a seguir à água potável) com mais efeitos positivos.
Prevenção foi também o sublinhado de Inês Roxo, country manager da Viiv Healthcare Portugal. "Por ser a única empresa no país dedicada exclusivamente à inovação para a prevenção e tratamento na área do VIH e porque os avanços terapêuticos já conseguem dar a esses doentes uma esperança de vida alinhada com a restante população, o nosso desafio passou a ser a qualidade de vida".
Inês Roxo aludiu ainda à necessidade de educar para a prevenção, porque os novos diagnósticos de doença continuam a surgir demasiado tarde. "Mais de metade dos novos casos de infeção de HIV são diagnosticados em fase avançada da doença. A população deve estar esclarecida para fazer diagnósticos e rastreios precoces".
Doenças evitáveis pela vacinação
Com presença no auditório GSK, em Miraflores, ou participando remotamente na iniciativa via streaming, diversos especialistas defenderam o conceito de vacinação ao longo da vida para promover a saúde demonstrando simultaneamente que o Programa Nacional de Vacinação é um dos melhores do mundo, mas deveria ser alargado para contemplar a inovação e proteger mais a população sobretudo os idosos com doenças crónicas. Entre os argumentos, além da evidência científica, está a taxa de envelhecimento dos portugueses.
O médico Rui Costa, coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, garantiu ser a vacinação determinante para baixar o risco de contrair doenças nos maiores de 65 anos por serem mais vulneráveis para doenças comuns como a Covid-19, gripe, doença pulmonar obstrutiva crónica, tosse convulsa ou herpes zoster. "Temos de mudar o paradigma em termos de vacinação para estas pessoas mais expostas a infeções e com risco de desenvolverem doença mais grave. À semelhança da idade pediátrica também esta faixa deve estar contemplada porque muitas doenças podem ser preveníveis". O médico demonstrou ainda os ganhos em saúde ao nível da proteção cardiovascular para quem está vacinado.
Na mesma linha de pensamento e reportando-se apenas aos custos financeiros das vacinas, o oncologista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, António Araújo, acrescentou serem os benefícios diretos claramente superiores aos custos: "Quanto mais protegida estiver a população menos carga de doença teremos a jusante e os tratamentos são sempre economicamente menos vantajosos."
No caso concreto das doenças sexualmente transmissíveis, Miguel Oliveira, enfermeiro da equipa do GAT, Grupo de Ativistas em Tratamento, mostrou-se preocupado, entre outras questões, com o âmbito restrito da vacina contra o HPV, o vírus do papiloma humano no Programa Nacional de Vacinação. "Compreendo os valores significativos que a medida acarretaria para o Estado se fosse alargada, mas quem tem maior vantagem em fazer a vacina é quem não tem poder económico para a comprar, uma vez que não é comparticipada".
Como tratar doentes crónicos?
Cuidar de uma população cada vez mais envelhecida e com doenças crónicas e dar-lhe qualidade de vida é o grande desafio para o futuro, segundo a perspetiva de Elísio Costa, diretor do Centro de Competências em Envelhecimento Ativo e Saudável da Universidade do Porto. "Ainda continuamos a formar profissionais para tratar cada doença, não ensinamos profissionais a tratar quem tem múltiplas doenças crónicas".
À afirmação seguiu-se uma pergunta em jeito de desafio ao Serviço Nacional de Saúde. "Como se organiza a assistência a estes doentes para que mantenham alguma qualidade de vida e não passem a vida a correr para os hospitais"? A questão relaciona-se como o facto de Portugal apresentar um dos melhores níveis de esperança de vida a nível mundial, mas paralelamente ter as taxas mais baixas de qualidade de vida nas pessoas acima dos 65 anos.