"Maus-tratos são persistentes" nas prisões em Portugal
Pessoas algemadas a móveis em instalações policiais, agressões a murros, pontapés, chapadas e o uso de cassetetes para bater nos detidos. Estas foram algumas das queixas que os representantes do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT) ouviram nos dias em que estiveram em Portugal, numa inspeção que realizaram entre 23 de maio e 3 de junho de 2022.
De acordo com o relatório divulgado esta quarta-feira, o Comité, integrado no Conselho da Europa, pede às autoridades nacionais que tomem mais medidas para combater as situações de maus-tratos nos estabelecimentos prisionais, que "continuam a ser frequentes".
No documento agora divulgado, o Governo Português desenvolve em 57 páginas respostas aos diversos pontos apresentados pelo comité, explicando os esforços que estão a ser efetuados para minorar os problemas detetados -- vários deles já tinham sido enumerados em relatórios anteriores --, ao mesmo tempo que recorda o projeto, com vários anos, de encerrar o Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL).
O objetivo da missão dos seis elementos do CPT era ver como as pessoas detidas são tratadas, analisar a eficácia das investigações a alegados maus-tratos policiais, a situação das mulheres nas prisões e dos presos na Clínica Psiquiátrica da Prisão de Santa Cruz do Bispo e na Unidade Forense do Hospital Magalhães Lemos (Porto).
E depois das duas semanas passadas a visitar aquelas infraestruturas, o cenário apresentado continua a ser muito crítico para as autoridades nacionais, apesar de ser reconhecida a existência de passos para colmatar algumas das falhas detetadas em anteriores visitas. Ações que, todavia, ainda estão muito longe de atingir um quadro satisfatório no que diz respeito às condições de vida das pessoas a cumprir pena nas prisões nacionais.
No relatório pode ler-se que algumas das pessoas ouvidas pelo CPT denunciaram terem sido maltratadas por elementos da PSP ou GNR no momento da sua detenção. Chapadas, murros, pontapés e agressões com cassetete são as palavras utilizadas para descrever os maus-tratos dos agentes policiais.
Há ainda referências a pessoas que terão sido algemadas a móveis em algumas instalações da polícia.
Situações que levaram os seis elementos do comité a deixar o pedido às autoridades portuguesas para que o processo de investigação de eventuais casos destes sejam rapidamente analisados pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).
Aliás, a morosidade deste organismo do Ministério da Administração Interna em acorrer às queixas é um dos alertas deixados no relatório. Sendo que também é frisado que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) se comprometeu a desenvolver medidas para acelerar a comunicação de potenciais casos de maus-tratos à IGAI.
Outra das chamadas de atenção à forma como os presos serão tratados passa pelo acesso que terão, ou não, a um defensor. Segundo o relatório, foram várias as queixas de detidos que só conheceram o advogado - por norma oficioso - no momento em que foram presentes a um juiz em tribunal.
O Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) continua a merecer destaque nos relatórios periódicos deste organismo do Conselho da Europa. Sublinhando que já não é uma novidade, o relatório frisa o "mau estado" das celas. Pode ainda ler-se que "os presos vivem numa situação degradante em celas sujas". Os seis elementos do CPT enumeram ainda outros problemas: janelas partidas, casas de banho repartidas, celas sobreocupadas e instalação elétrica a funcionar mal.
São ainda reportadas inúmeras queixas de maus tratos na prisão, o que terá sido "corroborado pelos médicos" do EPL. Perante este cenário, é elogiado o plano apresentado pelo Governo para encerrar o estabelecimento.
O plano inclui a transferência dos presos para outras prisões perto de Lisboa - são nomeadas Alcoentre, Linhó e Sintra -, renovar o Pavilhão 3 da prisão de Tires e, numa última fase, construir um pavilhão (idêntico ao número 3) em Tires, ao mesmo tempo que se renovará a área norte da prisão de Caxias. Quando tudo isto estiver feito, o EPL será encerrado e a transferência dos presos completada. Tudo isto até 2026. O Governo explicou ainda ao Comité Europeu que estes projetos iriam ser apresentados em Conselho de Ministros.
Nas explicações do Executivo ao CPT, é dito que existe um protocolo entre a IGAI e a DGRSP para que, sempre que existe um caso numa prisão, seja enviado um inspetor até 48 horas depois da comunicação do caso. Terá sido, igualmente, determinada a inspeção ao local de detenção no Campus da Justiça, onde algumas celas sofreram obras.
No documento também há espaço para elogios. No caso, à Unidade Forense do Hospital Magalhães Lemos onde, segundo a inspeção, não foram registadas queixas de maus-tratos. Nesta instituição também não há registo da aplicação de medidas disciplinares e as condições de vida de quem ali está são consideradas boas.
Também as prisões femininas de Tires e Santa Cruz do Bispo mereceram um olhar específico. Aí, a maioria das mulheres entrevistadas disseram não ser alvo de maus-tratos. No entanto, é pedido para que as condições de vida das mulheres com filhos nestas prisões sejam melhoradas.
Outro elogio é dedicado às medidas tomadas pelas autoridades portuguesas em relação às pessoas transgénero, propondo-se, no entanto, que sejam tomadas medidas adicionais no que respeita à política de revistas.
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