Mário Machado de novo condenado por crimes de ódio - mas a pena suspensa
"Informação precisa-se! Negro assassino!"
Esta é uma das mensagens postadas em agosto de 2019 na internet que levou à condenação, a 30 de maio, pelo Juízo Central Criminal de Lisboa, do arguido Mário Rui Valente Machado, pelo crime de incitamento ao ódio e à violência, cuja moldura penal vai de seis meses a cinco anos de reclusa.
Noutra mensagem, da mesma altura - quando Machado se encontrava ainda em liberdade condicional, devido a uma condenação a 10 anos de prisão efetiva, dos quais cumprira sete anos e três meses, entre 18 de março de 2009 e 22 de junho de 2016 - oferecia-se uma recompensa monetária de "10000$" para quem, à maneira do faroeste, encontrasse a pessoa em causa "dead or alive" (viva ou morta); noutra ainda usava-se o violento insulto racista "nigger" para a designar - "Nigger killed a 19 year old white boy in South Portugal. He is still on the run. If you know any info about him and were he is hidden please don`t tell the police and send us private message" (Negro matou um rapaz branco de 19 anos no sul de Portugal. Ainda está a monte. Se sabe alguma informação sobre ele ou onde está escondido por favor não diga à polícia e mande-nos uma mensagem privada).
Para a difusão destas mensagens, lê-se na decisão do tribunal, à qual o DN teve acesso, foram usados quer a conta de Twitter do arguido, em nome precisamente de Mário Machado, quer o sítio na internet do movimento Nova Ordem Social (NOS, entretanto extinto, e que em 2015 se definia como inspirando-se no Partido Nacional Democrata alemão, de matriz neonazi, e no igualmente neonazi Aurora Dourada, em 2020 declarado "organização criminosa" pela justiça grega), de que Machado era o principal rosto, e que assumia assim o desígnio de capturar o alegado assassino: "É mais um português assassinado às mãos de um africano. (...) Como já não é o primeiro assassino africano a fugir de Portugal para o estrangeiro, com o apoio de toda uma comunidade alienígena, a Nova Ordem Social decidiu marcar uma posição. Solicitamos a todos os portugueses, que possam vir a ter informações sobre o assassino em fuga, seus amigos ou familiares que lhe possam dar guarida, que nos informem porque nós queremos o capturar primeiro que a Polícia. Temos neste momento cerca de 850 ativistas e apoiantes no seu encalce e estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para o capturar."
Considerou o tribunal como provado que "ao realizar as referidas publicações o arguido Mário Machado quis criar em todos aqueles que as visualizem, vontade de procurarem o presumível responsável pela morte do jovem (...), por este ser negro, para que dessa forma e em retaliação à sua eventual conduta, fosse o mesmo privado da liberdade contra a sua vontade para posteriormente lhe ser entregue (...) O arguido visou ainda com as mesmas publicações criar em todos aqueles que as visualizassem, um sentimento de aversão para com o presumível autor dos disparos, por este ser negro."
E prossegue: "Verifica-se que efetivamente, as publicações efetuadas pelo arguido nas redes sociais Twitter e VK (rede social russa) e no site do movimento NOS, aproveitando-se de um acontecimento trágico e lamentável (o homicídio de um jovem em contexto de diversão noturna, o que, compreensivelmente, sempre gera ondas de consternação e revolta na comunidade), utiliza características do alegado suspeito para criar e agudizar preconceitos raciais, veiculando objetivos fundamentalistas extremados e xenófobos, incitando à captura do identificado suspeito para ser entregue aos membros do NOS para ser sujeito ao que bem lhes aprouvesse, certamente sevícias e injúrias, para além de obstruir a atuação das autoridades policiais e colocar em causa o funcionamento do Sistema Judicial, apelando a instintos básicos e justiceiros, que qualquer Estado de Direito tem de repudiar veementemente (...)."
Por esse motivo condenou-o o coletivo de juízas (Helena Leitão, Carina Realista Santos e Rafaela de Aragão Pimenta) pelo crime descrito no artigo 240º do Código Penal ("Discriminação e incitamento ao ódio e à violência"), número 2, alínea d: "Quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação (...), incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica".
Não é a primeira condenação de Machado por discriminação racial (estando a correr outro processo por incitamento ao ódio e violência, este contra "mulheres de esquerda"); também não é a sua primeira condenação pelo outro crime pelo qual também é considerado culpado nesta decisão - posse de arma proibida.
De facto, não é fácil fazer as contas ao cadastro em causa. Dos 47 anos que completará a 3 de agosto, este autodenominado "nacionalista" que apregoa a sua apologia da "supremacia branca" e exibe o corpo coberto de suásticas passou mais de um quarto em reclusão - mais exatamente 11 anos e oito meses, correspondentes às condenações, por dezenas de crimes, a mais de 15 anos de prisão efetiva. Acrescem a este palmarés várias penas de prisão cuja aplicação foi suspensa e ainda diversas penas de multa.
Entre os crimes pelos quais foi, desde os anos 1990, condenado, contam-se ofensas à integridade física graves qualificadas, discriminação racial ou religiosa, roubo e roubo qualificado, sequestros, ameaças, coação, dano, difamação grave, extorsão, detenção ilegal de arma, detenção e tráfico de armas proibidas. Só no que respeita a detenção ilegal de armas ou de armas proibidas, tinha sido já condenado em cinco processos.
Agora são seis: quando a 9 de novembro de 2021, no âmbito deste processo, foi alvo de buscas na habitação onde residia, em Mafra, foi encontrado sobre um armário da cozinha "um revólver da marca Smith & Wesson, modelo 632, (...) devidamente municiado com seis munições de arma de fogo do mesmo calibre (...) em boas condições para deflagrar munições e estas aptas a serem deflagradas", assim como três tacos de madeira "medindo aproximadamente cerca de 85 cm de comprimento, com a inscrição "os lobos não usam coleira" [título do blogue que Machado manteve entre 2004 e 2006] e o símbolo da Nova Ordem Social", um dos quais no quarto onde dormia. De acordo com a decisão do tribunal, "Mário Machado não é titular de licença de uso e porte de arma e não apresentou qualquer livrete ou documento comprovativo do registo da referida arma como sua propriedade".
A detenção da arma de fogo em causa é punível com pena de dois a oito anos. Quanto aos bastões, que o tribunal entendeu deverem ser considerados "armas de agressão" ("não podem deixar de considerar-se como armas de agressão pois que mesmo que estivessem embalados ou exibidos de forma decorativa, destinavam-se à pratica de agressões, tanto assim que no telemóvel do arguido foram encontradas fotografias empunhando precisamente tacos, como os apreendidos, em posição de ataque"), a pena pela respetiva detenção é até quatro anos.
Recorde-se que segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o condenou (como "arguido E" na versão constante online) a dois anos e seis meses de prisão, em novembro de 1997, por fazer parte do grupo de supremacistas brancos que na noite de 10 de junho de 1995 agrediram selvaticamente vários negros na zona do Bairro Alto e Chiado, Machado empunhava um "pau semelhante a um taco de baseball", com o qual atingiu várias pessoas, tendo duas das suas vítimas, que ficaram inanimadas, sofrido traumatismos cranianos.
Foi ainda encontrada na sua posse, na mesma busca ocorrida em 2021, uma imitação de arma de fogo, pela qual também entendeu o coletivo condená-lo, nos termos do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, que prevê multa de 400 a 4000 euros para quem detiver "reprodução de arma de fogo, arma de alarme ou salva da classe A, munições de salva ou alarme, ou armas das classes E, F e G e dispositivos com carregador que sejam destinados ao tiro de munições sem projéteis, substâncias irritantes, outras substâncias ativas ou munições de pirotecnia de sinalização e que possam ser convertidos para disparar um tiro, uma munição ou um projétil através da ação de um propulsor combustível"), a uma contraordenação de 2000 euros.
Frisando que Machado é reincidente, por ter cometido os crimes pelos quais é condenado quando estava ainda em liberdade condicional, e que pelo seu percurso "é notório que resultaram frustradas as finalidades das anteriores condenações, apresentando o mesmo anteriores condenações por crimes relacionados com a mesma veia violenta e não tendo assumido a sua responsabilidade ou demonstrado arrependimento no sentido de convencer da eficácia das sanções anteriores a que foi sujeito", o tribunal explica que neste caso há lugar a agravamento do limite mínimo das molduras penais dos dois crimes.
Assim, e para a determinação da pena, consideram as juízas que o grau de ilicitude é elevado, "tendo em conta a disseminação da mensagem de ódio divulgada por várias plataformas"; "o dolo do arguido foi direto, pois que este tinha plena consciência de que apelava à violência e ao ódio, lançando apelos racistas e das consequências que poderiam advir de tais condutas, tendo, mesmo assim, persistido e reiterado nas suas condutas criminosas"; "tem extensos antecedentes criminais"; "não ter mostrado qualquer arrependimento nem demonstrado assunção da responsabilidade pelos seus atos, nem qualquer empatia com as vítimas deste tipo de crimes".
A decisão fala até de "persistente energia criminosa", da violação das "regras básicas da vida em sociedade de forma exuberante", de "insensibilidade" e de não se estar perante atos únicos mas do "culminar de um processo longo de exercício continuado de extremismo xenófobo, pela humilhação e pelo uso da violência".
Ainda assim, tendo decidido condenar Machado em dois anos de prisão por cada um dos crimes, optaram por reduzir essa pena, em cúmulo jurídico, para três anos. Para a seguir concluírem que, "atendendo ao facto de o arguido estar integrado familiar e profissionalmente (...), a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão se mostra suficiente para evitar que o arguido assuma condutas deste jaez, mostrando-se justo conferir ao arguido esta oportunidade para que conforme a sua vida de acordo com o "dever ser" jurídico-penal". Pelo que entenderam suspendê-la por três anos.
Por fim, considerando que nada fora apurado quanto à idoneidade cívica de Machado, as juízas entenderam não lhe aplicar a sanção prevista no artigo 246º do Código Penal, que estabelece a possibilidade de que quem seja condenado pelo crime tipificado no artigo 240º, como é o caso, possa ser "ser incapacitado para eleger o Presidente da República, os deputados à Assembleia da República, os deputados ao Parlamento Europeu, os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e os titulares dos órgãos das autarquias locais, para ser eleito como tal ou para ser jurado, por período de dois a dez anos."
Esta decisão surge enquanto decorre o julgamento do ativista antirracista Mamadou Ba, que Machado acusa de o difamar e caluniar ao relacioná-lo com a morte do português de origem cabo-verdiana Alcindo Monteiro, na já referida noite de 10 de junho de 1995 (Ba escreveu no Facebook: "Mário Machado é um dos principais responsáveis pela morte de Alcindo Monteiro").
Alcindo Monteiro foi assassinado por um grupo de supremacistas brancos associados a Machado - que, à época dos factos com 19 anos, foi como já referido condenado, por ofensas à integridade física, por participar no ataque concertado daquela noite. Numa das sessões do julgamento de Ba, a 12 de maio, Machado afirmou, segundo a Agência Lusa, que "desde que saiu da prisão não cometeu qualquer crime".
De acordo com o texto do acórdão, que contém uma longa descrição sobre as circunstâncias da vida do arguido, à data da instauração do processo, em 2019, Machado, então com 43 anos, vivia com a mãe.
Tem atualmente cinco filhos com várias mulheres - dois de 22 anos, um de 18, um de 14 e outra de três anos, não vivendo com qualquer deles. Quando, lê-se na decisão judicial, "questionado relativamente à regulação das responsabilidades parentais e, designadamente, quanto à sua comparticipação para o sustento dos filhos, referiu manter um bom relacionamento com as mães dos mesmos 'ajudando quando lhe é solicitado' acrescentando ser este tema da 'reserva da sua vida privada', mostrando-se desagradado com as questões colocadas, recusando-se a prestar mais informações sobre este assunto".
Em termos profissionais, afirmou trabalhar como jurista, o que lhe proporcionará "um rendimento mensal médio de 600€", tendo também referido "dar aulas de preparação física, num espaço particular em Mafra, propriedade da sua ex-companheira, treinando amigos e outras pessoas a quem cobra, alegadamente, 150€/por 10 aulas, atividade com a qual obtém cerca de 1000€/mês". Garante igualmente "explorar uma loja de antiguidades, em Mafra, que lhe proporcionará cerca de 400€/mês", avaliando a sua situação económica como "equilibrada", apesar de admitir "contar com o apoio pontual da mãe e com a herança do progenitor, falecido em 2017". Nos tempos livres diz praticar musculação.
Nota: Texto alterado às 16H42 de 3 de junho, para retificar a informação sobre um outro processo por incitamento ao ódio que corre contra Mário Machado: trata-se, ao contrário do que tinha sido escrito, não de incitamento ao ódio e violência com base na discriminação racial mas de género e ideológica.