Marcelo propõe repensar orgânicas, procedimentos e recursos do sistema de justiça

Chefe de Estado defendeu que "o que mais se impõe é ir olhando para todo o edifício judicial e quanto a ele ir detetando o que já não corresponde aos novíssimos desafios de uma comunidade mais aberta, mais internacionalizada", mas também "mais dualista, ou seja, menos coesa, mais assimétrica".
Publicado a
Atualizado a

O Presidente da República propôs esta terça-feira que se repense as orgânicas, procedimentos e recursos do sistema de justiça, através de uma abordagem global que, no seu entender, exige, "ao menos implícitos, consensos vastos de regime".

Marcelo Rebelo de Sousa falava na sessão solene de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.

"A justiça com perspetiva de longo fôlego é porventura incompatível com algumas orgânicas ou procedimentos ou recursos humanos, financeiros e materiais concebidos para outra sociedade, outra economia, outra vivência cidadã", considerou o chefe de Estado.

Assinalando as mudanças ocorridas em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que "o que mais se impõe é ir olhando para todo o edifício judicial e quanto a ele ir detetando o que já não corresponde aos novíssimos desafios de uma comunidade mais aberta, mais internacionalizada" e também, "em contraponto, fruto das crises, mais dualista, ou seja, menos coesa, mais assimétrica".

Segundo o Presidente da República, para assegurar acesso "ao bem coletivo chamado justiça sem constantes e como que inevitáveis chocantes desigualdades" é preciso "ir repensando jurisdição comum e administrativa e fiscal, ir tornando mais flexível e ajustado todo o sistema, ir aproximando o seu tempo do tempo social".

"Ir criando mecanismos de monitorização permanente, ir estabilizando formas de comunicação com a sociedade, ir proporcionando recursos, e desde logo os humanos adequados às mais prementes necessidades. Pela própria natureza do poder judicial e pelas dificuldades e riscos da conjugação com a intervenção do poder executivo, esta abordagem global não é nem simples nem fazível sem ao menos implícitos consensos vastos de regime", acrescentou.

Marcelo Rebelo de Sousa recordou a proposta de pacto de justiça que fez em 2016, no início do seu primeiro mandato, e considerou que "conheceu alguns sucessos, nomeadamente no estatuto das magistraturas, mas limitados e precários por exemplo no acesso à justiça".

Depois, apontou para o fim da atual legislatura e declarou que seria "lastimável que por essa via, a dos protagonistas da justiça, ou outra, a da conjugação dos parceiros políticos, económicos e sociais, se chegasse a 2026 com o apelo de uma gestão sobretudo quotidiana, pontual, casuística de um sistema cada vez mais afastado da realidade social".

Sobre os "compromissos e intenções" que a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, manifestou nesta sessão, o chefe de Estado disse esperar que "sejam concretizáveis, se não numa legislatura -- e daí a importância dos consensos de regime --, iniciando numa legislatura e prosseguindo nas subsequentes".

Num outro ponto do seu discurso, o Presidente da República criticou a legislação e administração feitas à pressa: "Não cessam de abundar em quantidade e carecer de vagar para corresponder em qualidade. Digo bem, vagar, ou seja, por falta de tempo as mais das vezes. Legisla-se a administra-se de mais para o passado, retroage-se ou retroverte-se em demasia. Recorre-se ao excecional à míngua do geral e mesmo especial".

"Toma-se um expediente imprescindível para uma situação bem precisa e quer-se aplicar anos a fio", prosseguiu, "leva-se a elevados patamares de imaginação a atipicidade, a natureza 'sui generis', a hibridez das soluções ditadas pelo remendo de ocasião, multiplica-se involuntariamente o labirinto do que virá a motivar a intervenção jurisdicional".

Marcelo Rebelo de Sousa referiu que "a tendência nasce logo no plano do direito europeu, e isso é cada vez mais frequente".

"Justiça exercida num tal contexto é justiça inevitavelmente sofredora e sofrida", lamentou.

Notícia atualizada às 19:55

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt