Manuela Paupério: "Tribunais precisam de mais pessoal"

Entrevista à presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
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O arrastar do caso Mevil pelo tribunal não é surpresa para Manuela Paupério, embora a juíza sublinhe que as coisas mudaram muito neste século e que já há forma de agilizar os procedimentos. Diz que estes são processos complexos, que envolvem muitos credores, muitas fases, notificações, mas também suscitam muitos recursos. E faltam juízes, funcionários judiciais e equipamentos. Os anos de crise só vieram agravar a situação, com tantas empresas a fechar as portar e a declarar-se insolventes.

razão para um atraso de 21 anos?

Nestes processos são necessários vários procedimentos. É preciso apurar os bens da massa falida para serem vendidos e fazer o reconhecimento dos créditos, mas nem todos os reclamados são reconhecidos e, muitas vezes, isso origina apensos de ações que podem ser de decisão demorada. Esta pode ser impugnada por via de recurso e chegar ao Supremo. Depois é preciso fazer a graduação dos créditos, a ordem pela qual devem ser pagos...

Qual é a ordem que estipula a lei?

É necessário reconhecer e graduar os créditos e, quando o valor existente é inferior ao total dos créditos reconhecidos, o que regra geral acontece , o dinheiro é rateado ( na proporção ) dos montantes pelos números de créditos em igualdade na graduação. Se um crédito com preferência no pagamento for superior ao produto da venda dos bens, só esse é pago. Os trabalhadores têm, quer num regime quer noutro, preferência no pagamento.

O património foi logo vendido. Os trabalhadores não recebem os juros do depósito?

Não, só o crédito que foi reconhecido. Os juros vão para o bolo para repartir e pagar aos credores.

Será também um problema do Tribunal de Vila Franca de Xira?

Estes tribunais estão carecidos de pessoal, de magistrados e funcionários. Nestes processos de falências há muitas pessoas a chamar à ação, muitas notificações a enviar. Os tribunais de comércio têm centenas ou milhares de processos e é preciso tempo. A falta de pessoal leva a que os casos se arrastem.

O que descredibiliza a justiça.

Têm razão. É evidente que alguém que fica tantos anos à espera de uma decisão não pode ficar agradada com a resposta que o sistema lhe dá. Se a pessoa reclama e está mais de 20 anos à espera, não fica contente. O que fazia com cem contos há 20 anos não faz agora com 500 euros.

A tramitação dos processos foi agilizada entretanto?

Nessa altura, os processos de falência eram tramitados nos tribunais civis e foram criados os tribunais do comércio. Também não havia assim tantas empresas a falir. A crise de 2008 fez aumentar o número de falências (agora insolvências) com o consequente aumento dos processos entrados em tribunal.

O que é que se pode fazer?

Já se está a fazer algo com a criação e a instalação de mais tribunais de competência especializada de comércio e, naqueles com processos mais antigos, tem-se vindo a tomar medidas tendentes a resolvê-los com a criação de grupos de juízes para decidir esses processos.

É preciso mudar a lei?

A demora não depende tanto de alterações legislativas mas antes da dotação dos tribunais de condições humanas e materiais para responderem de modo mais célere e eficiente.

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