Manuel deixou de ressonar. Ana já não dorme ao volante
Manuel Neiva, 62 anos, para de respirar 33 vezes por hora enquanto está a dormir. "Acordo a meio da noite a dar saltos na cama. E ressono muito." Há dois anos foi-lhe diagnosticada apneia do sono, uma perturbação que se caracteriza por interrupções na respiração durante o sono, com repercussões graves no dia-a-dia. Foi operado ao nariz e tentou usar o CPAP (máscara de ventilação por pressão positiva contínua), mas não se adaptou. Recentemente, Manuel foi submetido a um tratamento inovador no hospital CUF Porto, que consiste na estimulação do nervo responsável pelo controlo da língua (hipoglosso) através de elétrodos.
São 09.00, na sala 2 do bloco operatório do hospital, os otorrinolaringologistas Rui Pratas e Victor Certal tentam identificar o hipoglosso, um nervo localizado no pescoço, que controla os movimentos da língua. É a quarta cirurgia do género que realizam, tendo sido, segundo o hospital, os primeiros a efetuar o procedimento na Península Ibérica, em dezembro.
À volta do hipoglosso, os médicos colocam uma espécie de manga com seis pequenos elétrodos. São eles que vão estimular levemente os músculos da língua, aumentando a abertura da via aérea superior, o que permite ao paciente respirar normalmente durante o sono. Posteriormente, é feito um corte no tórax para colocar uma pilha. Esta terá de ser carregada 20 minutos por dia ou duas horas por semana. A cada 15 anos terá de ser substituída, mas o implante é para a vida.
Do pescoço ao tórax é feito um "túnel" por onde passa um fio que liga o estimulador à pilha. Todas as noites, Manuel Neiva terá de usar um comando para ligar o implante, que vai pré-programado. Funciona por wi-fi. Nas quatro calibrações que terá de fazer no hospital, será encontrado um ciclo de frequências que, ao longo da noite, estimule a língua, sem o acordar.
Segundo Victor Certal, cerca de 30% dos doentes não toleram o suporte ventilatório durante a noite. Em muitos casos, são feitas cirurgias para corrigir anomalias nasais, da faringe e do palato, por exemplo. Mas nem sempre resolve. "Esta cirurgia não é ablativa. É mais funcional", explica o otorrino.
A indicação para a cirurgia, que apenas é comparticipada pela ADSE, surge após a avaliação do estado do doente. Só é recomendada em casos de apneia grave ou moderada e apenas quando o doente não tolera o CPAP, que continua a ser a primeira opção. Rui Pratas diz que os resultados dos trabalhos publicados a nível internacional sobre este método "são promissores".
Cerca de 90% dos doentes com apneia ressonam. Em muitos casos, as pessoas têm alterações ao nível da faringe, com obstrução da via aérea, por vez associada a excesso de peso e tabaco. Associada à doença estão problemas como o cansaço, sonolência diurna, problemas cardiovasculares (maior risco de AVC e de enfarte do miocárdio) e diminuição da libido.
Dormir no trabalho e a conduzir
Ana Paula Teixeira, 54 anos, inspetora tributária, submeteu-se em dezembro à cirurgia no hospital CUF Porto, numa altura em que a sua vida pessoal e profissional já estava a ficar afetada pela apneia. Há alguns anos que sentia sonolência durante o dia, mas só em 2012, quando teve um acidente de carro, resolveu procurar ajuda. "Apaguei ao volante. Embora não tenha tido grandes lesões, aquilo foi um sinal de alerta."
O marido queixava-se que Ana Paula deixava de respirar durante a noite e que ressonava bastante. Dormia mal e acordava muito cansada. Consequentemente, no emprego, o rendimento começou a cair. "Adormecia no trabalho e sentia-me mal por isso. Há pessoas que não compreendem e nos apelidam de preguiçosos. À tarde, a minha capacidade de raciocinar ficava muito afetada."
Numa primeira polissonografia, diagnosticaram-lhe apneia leve. Tentou usar o CPAP, mas não se conseguiu adaptar. "E como o diagnóstico não era grave, deixei mesmo de o usar." Em maio de 2015, foi com o filho, que também sofre de apneia, à CUF Porto. "Numa nova polissonografia, diagnosticaram-me apneia grave." Parava de respirar 54 vezes por hora no sono.
Ana Paula Teixeira ainda tem de fazer mais calibrações do estimulador, mas já nota melhorias. "Acordo mais facilmente, não tenho sonolência durante o dia. Nos semáforos, por exemplo, já não estou numa luta constante com o sono. E hoje estou disponível para desenvolver melhor o meu trabalho."
Relativamente à ventilação, a inspetora tributária diz que o CPAP acabava por incomodar o marido, além de ser "inestético e não ser prático". Agora, sente que tem um corpo estranho dentro de si, mas encara-o como "um suporte de vida." Ainda não está sem apneia, frisa, mas melhorou bastante.