Quando olha para a imagem daquelas dezenas de pessoas encostadas à parede da Rua do Benformoso, o que é que essa imagem lhe diz da operação policial que fizeram na quinta-feira no Martim Moniz? A imagem o que diz é que nós tentamos salvaguardar a integridade física e a vida de todos os intervenientes presentes no local. Os próprios, terceiros e os polícias. Sendo o foco a apreensão de armas, temos de prevenir a possibilidade de haver armas no local, e em concreto armas brancas, a possibilidade de as utilizarem contra os polícias, contra terceiros e contra eles próprios..Não ignora que que essa imagem provocou e está a provocar ainda bastante controvérsia, pois não? Por que é que numa operação desta natureza de prevenção criminal, a atuação da polícia tem de ser daquela forma? Numa Operação Especial de Prevenção Criminal no âmbito do regime jurídico das armas, e havendo toda uma análise criminal que comprova a existência de armas e a utilização das mesmas, temos de garantir a segurança de todos em todo o processo de identificação das pessoas. Foi respeitada a dignidade das mesmas. Foram sujeitos a identificação e aqueles que não tinham nada que os comprometesse na sua posse, seguiram o seu caminho. Aqueles que efetivamente foram detetados com produtos ilícitos ou objetos ilícitos foram identificados e ou detidos..Era preciso colocar todas as pessoas que estão nesta rua contra a parede, sob suspeita? Quando realizamos operações especiais de prevenção criminal e outro tipo de operações em zonas que são consideradas de risco em função dos índices criminais, temos de salvaguardar a segurança de todos os intervenientes. Não interpretamos dali qualquer desrespeito pela dignidade das pessoas, nem qualquer discriminação ou objetivo de colocar as pessoas numa posição de vulnerabilidade. Não é esse o nosso foco. Não é esse o nosso objetivo. Estamos na via pública. Vamos revistar as pessoas dentro dos estabelecimentos, dentro de um carro? Eram muitas pessoas efetivamente. Ao mesmo tempo que estávamos a revistar as pessoas, estávamos a realizar buscas em estabelecimento e garantir a segurança e ordem no local. Temos de desenvolver determinado tipo de procedimentos para não nos colocarmos a nós em riscos em risco e não colocarmos terceiros em risco..Quais eram aqui e ali, as suspeitas e os crimes que estavam em causa? Suspeitas em primeira linha, a posse de armas brancas, a possibilidade de haver outro tipo de armas e depois a eventualidade de detetarmos produto estupefaciente, objetos recetados em função desse tráfico de estupefacientes. A operação foi proposta ao Ministério Público (MP), foi devidamente verificada e validada. A procuradora da República esteve no terreno, verificou aquilo que nós verificámos e nós estamos sob a supervisão do MP. A título de exemplo, foram apreendidos documentos que poderão indiciar a prática de crimes de auxílio à imigração ilegal. Não era esse o nosso foco. Mas no âmbito da operação, apreendemos esses documentos. Foi apreendido dinheiro junto a produtos de contrafação, que poderão levar à abertura de um inquérito..Tem consciência de que a operação neste local, onde há um grande peso de uma comunidade migrante, pode servir também para ser instrumentalizada do ponto de vista político e de corresponder às exigências e narrativas de certos setores? Tenho de ser alheio a essas questões enquanto comandante, na medida em que realizamos centenas de operações por ano no Comando Metropolitano de Lisboa, quer em zonas de especial criticidade, querem artérias onde há maiores índices de criminalidade ou até noutras zonas onde os índices não são tão elevados, mas para efeitos de prevenção geral as realizamos. Naquele caso em concreto, embora seja uma zona frequentada por membros de determinadas comunidades migrantes, o nosso foco nem sequer tem nada que ver com essas comunidades em si. É certo que alguns dos suspeitos a utilização de armas brancas são oriundos dessas comunidades, mas muitos outros não são..E quem são os dois detidos? Um é português e foi detido com 500 e tal gramas de haxixe, mais uma arma branca, uma faca longa. O outro é marroquino e foi alvo de um mandado de detenção por autoria de vários roubos. Ficaram ambos em prisão preventiva..Quantos polícias estiveram nesta operação? Cerca de uma centena..Os crimes que eram o foco da operação não podiam ter sido investigados de forma cirúrgica? Era preciso este aparato? Percebo a questão. Mas a nossa atividade desenvolve-se em diferentes níveis. Temos o nível da prevenção, que é este, de acordo com o regime legal em vigor. Confere-nos a possibilidade de o realizarmos, em coordenação com o MP. E temos um nível de investigação criminal. Tivemos, já realizamos diversas vezes investigações e levámos a cabo diligências processuais na Rua do Benformoso e noutras artérias adjacentes, por exemplo no Martim Moniz e em algumas artérias da Mouraria e Alfama, designadamente ao nível do tráfico de estupefacientes e dos crimes contra a propriedade. O facto desta ter sido mais visível tem que ver com o facto de , naquela rua, querermos, num determinado período do dia e num determinado momento, efetuarmos uma identificação e, eventualmente, apreensão de armas na posse dessas pessoas. Paralelamente ou cumulativamente, temos muitas outras no âmbito da investigação criminal. Naquela zona e em zonas adjacentes. E também desenvolvemos patrulhamento geral. Neste fim de semana, um carro patrulha na Rua do Benformoso foi apedrejado..Por que chamaram a comunicação social? Porque sabíamos que naquele local e naquele momento, ao realizarmos uma operação com pessoal fardado, com muitos meios, seria inevitável que chegasse ao conhecimento da comunicação social. E então decidimos avisar. Mais vale uma política de transparência..Tem previstas mais operações deste género, em zonas onde a presença da comunidade migrante é grande? Estas operações são prioritariamente desenvolvidas em locais com elevados índices de criminalidade, independentemente de terem comunidades migrantes ou não..Mas quando fazem a análise, veem quais são os hotspots, concluem que são em zonas normalmente frequentadas ou onde residem mais comunidades imigrantes? Não necessariamente. Essa colagem é injusta de o fazer. Temos zonas de maior incidência criminal em locais que não têm quaisquer comunidades estrangeiras. Temos outras zonas onde existem algumas comunidades estrangeiras, mas que a maioria são portugueses. Portanto, não é esse o nosso foco. A nossa análise tem que ver com a incidência criminal..Não há qualquer ligação, pelo menos fundamentada, de imigração e aumento de criminalidade? Não há. E dizer-se que a polícia leva a cabo estas operações com foco nos imigrantes é insultuoso. Na nossa atividade, um dos nossos focos é prevenir e reprimir a discriminação..Alguns residentes desta zona do Martim Moniz vinham alertar há algum tempo para a insegurança sentida, pedindo até mais policiamento. Além desta operação, a PSP de Lisboa tenciona também reforçar o policiamento naquela zona? Estamos a fazê-lo paralelamente. Emitimos uma diretiva recentemente para a criação de equipas de proximidade e de visibilidade em determinadas zonas da cidade que foram identificadas. Esta é uma delas. Agora, não temos capacidade de ter polícias táticos em todas as zonas, com especial criticidade. Não há capacidade porque as zonas são bastantes e os polícias e os recursos que nós temos não são suficientes para estarem em todos os locais ao mesmo tempo. Portanto, a gestão operacional que temos de fazer é de definir objetivos, definir equipas com formação e depois definir um modelo de policiamento que seja rotativo por diversas zonas de maior incidência criminal. Mas também não vamos só policiar as zonas de especial criticidade ou de especial incidência criminal. Também temos de policiar outras zonas que, não sendo a de de maior incidência criminal, são de grande afluência de pessoas, para prevenir a ocorrência de crimes. Por exemplo, o Rossio não é uma zona de especial criticidade, não é uma zona onde exista um maior índice criminal, mas vai continuar a ser policiado. A Avenida da Liberdade, também. Belém também. A nossa gestão tem que ser com meios fixos e outros móveis, na perspetiva de garantir, por um lado, a prevenção e também trabalhar um pouco nas perceções para as pessoas verem polícia fardado..Para terminar, o Superintendente foi comandante operacional aqui no Cometlis há 10 anos. O que é que sente que mudou desde aí até agora? Qual é a realidade que agora enfrenta? É muito diferente? Sinto que há o ambiente operacional mudou. Sinto que há um recrudescimento do consumo de estupefacientes, nomeadamente de drogas intravenosa e da cocaína fumada. Sinto que isso já está a levar a uma maior incidência da prática de crimes contra o património por parte de toxicodependentes. Sinto que o próprio crescimento da comunidade migrante cria desafios para as instituições em geral e para a própria polícia. Portanto, na perspetiva de conseguirmos, por um lado, interagir melhor com essas comunidades, percebê-las, comunicar com elas, perceber as línguas e as culturas e os usos e costumes, estamos a analisar a melhor forma de o fazer. Não pretendemos interagir com essas comunidades numa perspetiva apenas e só criminal, pretendemos, numa perspetiva de prevenção, de proximidade e de interação. Já temos desenvolvido algumas ações com essas comunidades, mas pretendemos incrementar a nossa inter-relação. Até porque essas próprias comunidades estão elas próprias a ser vítimas de algum destes fenómenos: temos detetado um número crescente de indivíduos que são toxicodependentes. Neste momento há um grande problema de toxicodependência em algumas destas comunidades. O que acontece em alguns casos é que detetamos, quer pela nossa patrulha e pela nossa interação direta com consumidores, quer com indivíduos que praticam crimes contra o património que nós depois nos apercebemos que são oriundos de alguma destas comunidades e que são simultaneamente toxicodependentes. Esse é um dado que começa a aparecer na nossa estatística, que é preocupante e que deve levar a que todos os cidadãos, a sociedade civil e as instituições, se preparem também para isto. O nosso sistema de saúde e a assistência social vão começar a sofrer também os efeitos. É importante que também tenhamos a capacidade de interagir com essas comunidades para prevenir alguns destes fenómenos. Por um lado, também para os ajudar a integrar-se e para os ajudar a viver na nossa sociedade e que percebam que as instituições querem interagir com eles. Portanto, é de facto a minha convicção concreta e um dos meus objetivos também é essa área. Sendo que isto não pode ser um trabalho de uma instituição sozinha, isto é um trabalho que tem que ser feito em rede entre diversas instituições. Presumo que não seja a polícia a única instituição a estar preocupada com uma melhor interação com estas comunidades. Penso que deverá haver diversas instituições que o façam e que consigamos trabalhar em rede para melhorar esse nosso trabalho.