Lisboa diz adeus a mais um histórico. Palmeira fecha hoje

Venda do prédio leva ao encerramento da casa aberta há 61 anos. É o adeus aos pastéis de bacalhau sempre prontos na hora
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Ao balcão ou nas mesas do restaurante Palmeira, por estes dias, os clientes não se limitam a comer ou beber. Tiram fotografias, fazem comentários aos azulejos na parede e à decoração. É assim que os clientes habituais e os curiosos se despedem da casa típica de Lisboa que fecha hoje portas depois de 61 anos a servir pastéis de bacalhau sempre quentes ou um prato do "fiel amigo" diferente todos os dias.

O fim de mais esta tasca típica lisboeta, que contou com clientes assíduos como Jorge Sampaio (quando era presidente da Câmara de Lisboa), o advogado João Araújo, Paulo Teixeira Pinto, Herman José, João Pedro Pais, Paula Teixeira da Cruz ou Rui Reininho, foi decretado com a venda do edifício. "A câmara vendeu o prédio em hasta pública e os novos donos vão fazer obras, o que nos leva a fechar", conta uma das sócias, Maria do Rosário Carapinha. Hoje fecha portas para não voltar a abrir - "não fazia sentido mudarmos para outro espaço e aqui não sabemos quando terminam as obras e qual a ideia do novo dono". "Tínhamos de entregar o espaço na primeira semana de janeiro e, como vamos fechar para o Natal, não fazia sentido voltar a abrir", acrescenta Rosarinho, como é carinhosamente tratada a sócia e filha do fundador do restaurante.

A notícia do fim do Palmeira foi sendo dada aos clientes nos últimos dias e depressa se espalhou. Daí que a azáfama tenha sido mais do que muita. "As pessoas querem despedir-se do espaço, tiram fotografias e pedem peças da decoração para levar", conta Nuno Silva, empregado de mesa, na casa há oito anos.

Na segunda-feira, ao final da tarde, o espaço na Rua do Crucifixo, perto do Tribunal da Boa-Hora, estava a abarrotar. Muitos dos frequentadores, além de clientes, são amigos da casa. Dão ânimo aos funcionários e a Maria do Rosário. As lágrimas caem com facilidade no rosto de alguns. "É o fim de mais uma das casas típicas de Lisboa. Estão a acabar com todas", lamentam.

Alguns passaram aqui mais de 20 anos. Maria do Rosário, de 57 anos, "nasceu" na casa. O pai, José de Almeida, abriu o espaço em 1954 para "ser uma casa de comida típica portuguesa". E assim se manteve, mesmo depois da sua morte em 2006. "Vim trabalhar para aqui para manter o trabalho dele. Fora daqui não faz sentido", refere Maria do Rosário.

Quem frequentava o Palmeira sabia que podia contar sempre "com um prato de bacalhau diferente todos os dias, cozido, dobrada, feijoada, favas, ervilhas". A típica cozinha portuguesa, combinada com os petiscos: "Ovos com farinheira, pica-pau, linguiça assada e os caracóis no verão."

Sem esquecer os tradicionais tremoços ou o prato de batatas fritas, o aperitivo da casa. E que atraíam um dos grupos de clientes que geralmente enchiam, durante a tarde, a entrada desta tasca forrada a azulejos e com um balcão alto: os estudantes de Belas-Artes. "São miúdos que vemos crescer aqui. Para eles as tardes são passadas no Palmeira a beber uma cervejinha e a comer batatas fritas. Fazem um ambiente muito engraçado e os que entraram neste ano já têm pena de não passarem aqui o curso, como os colegas mais velhos", conta Nuno Silva.

Os pastéis eram mesmo um dos ex-líbris da casa - "uma vez tivemos cá a Daniela Mercury [cantora brasileira], que veio depois de um concerto para comer os pastéis de bacalhau" - e ontem, pela manhã, já um cliente espreitava pela porta (antes da hora de abertura, às 11.00) à procura do petisco. "Estava habituado sempre que passava aqui a comer uns pastéis de bacalhau quentinhos, por acaso não há?" Ontem não havia porque o Palmeira ainda não estava a funcionar. Amanhã já não há porque o Palmeira fecha as suas portas para sempre.

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