Lá em cima há satélites sem fim e uma “Lua de Tijolo”
Ganhou a designação de Companheiro Viajante Artificial da Terra. Orbitava o planeta à velocidade de 29.000 Km/hora, concluindo cada volta ao redor da nossa casa comum em pouco mais de 96 minutos. Um globo ínfimo, de 58 cm de diâmetro, que concretizava um sonho antigo da humanidade, o de endereçar em direção aos astros um artefacto humano. Em outubro de 1957, a União Soviética inaugurava a era dos satélites artificiais. O Sputnik-1 pioneiro na materialização desse novo tempo, logo seguido em 1958 pelo norte-americano Explorer I, trazia uma história nascida muito antes, ainda nos idos do século XIX. Na centúria de oitocentos, quando as viagens espaciais se concretizavam somente na ficção científica, romancistas e cientistas enviaram para a terrestre os seus sonhos de conquistas.
Em 1877, o astrónomo dos Estados Unidos Asaph Hall descortinou através do telescópio instalado no Observatório Naval, em Washington D.C., dois objetos nas imediações do planeta Marte. Os dois pontos brancos capturados pelo “olho” do telescópio receberiam em breve as designações de Fobos e Deimos. Asaph entregou à astronomia duas novas luas que, sabe-se hoje, serão asteroides capturados pela força da gravidade do planeta vermelho.
Deimos, com o seu raio de 6,2 Km, afigurou-se ao professor de mecânica celeste, como a representação de um dos objetos que, na época, espicaçava a inventiva dos pioneiros da ficção científica.
A Asaph Hall, o pequeno corpo celeste vizinho de Marte, brilhava-lhe na retina como a “Lua de Tijolo” criada para a escrita pelo romancista, clérigo e historiador norte-americano Edward Everett Hale. O capelão do Senado dos Estados Unidos e opositor da escravidão, oferecera ao prelo em 1889 aquele que é tido como um conto embrionário no que respeita a propor o conceito de satélite artificial. “A Lua de Tijolo” (“The Brick Moon”), narrativa de ficção especulativa que se apresenta ao leitor em forma de diário, descreve a construção e o lançamento em órbitra terrestre de uma esfera de 60 metros de diâmetro erigida em tijolos. Edward viu na sua “Lua de Tijolo”, um auxiliar à navegação terrestre, um antepassado dos modernos sistemas de GPS.
Inadvertidamente, a lua artificial é lançada rumo ao espaço com humanos a bordo. De pioneira entre os satélites ficcionados, a lua de Everett Hale torna-se numa estação espacial. Edward não esqueceria na sua antologia de 1899, A Lua de Tijolo e Outras Histórias (The Brick Moon, and Other Stories), a carta que Asaph Hall lhe endereçara. Escrevia então: “Entre as amáveis referências à ‘Lua de Tijolo’ que recebi de amigos solidários, recordo agora com o maior prazer a que me foi enviada pelo Sr. Asaph Hall, o ilustre astrónomo do Observatório Nacional. Ao me enviar as efemérides das duas luas de Marte, que revelou a este nosso mundo, ele escreveu: ‘A menor dessas luas é a verdadeira Lua de Tijolo’”.
A ideia de um corpo construído pelos humanos numa órbita terrestre encontrava na mesma época a escrita de um francês que oferecera às letras livros como Viagem ao Centro da Terra ou Vinte Mil Léguas Submarinas. Em 1879, Júlio Verne publica o romance Os Quinhentos Milhões de Begum (Les Cinq Cents Millions de la Bégum). A narrativa apresenta ao leitor uma preocupação do autor, a das consequências da ciência quando em mãos erradas. Nas páginas onde protagoniza o doutor Sarrasin, médico visionário, um projétil disparado por um canhão colossal trespassa a atmosfera terrestre e entra em órbitra qual satélite artificial. Um lançamento inadvertido, diferente daquele que em 1901, o escritor britânico H. G. Wells anteviu no seu livro Os Primeiros Homens na Lua (The First Men in the Moon). Aquele que em 1898 antagonizou alienígenas e humanos no livro A Guerra dos Mundos, sugeriu no seu romance especulativo lunar a utilização de satélites em órbita polar para comunicação. O enredo, envolveu em aventuras espaciais o Sr. Bedford, empresário e narrador da obra, e o Sr. Cavor, um excêntrico cientista. Ambos encetam contacto com os selenitas, habitantes da Lua. O livro mereceu adaptação ao cinema em 1919, um dos primeiros a expor no grande ecrã os fascínios dos ambientes além Terra.
Longe da ficção, com os pés assentes em terra, o soviético Konstantin Tsiolkovsky, pioneiro da Teoria da Astronáutica, publicou em 1903 o livro Exploração do Espaço Sideral Usando Dispositivos de Reação, aquele que é o primeiro tratado académico sobre o uso de foguetes para lançamento de engenhos espaciais. Tsiolkovsky desenvolveu ainda a Equação do Foguete, cálculo que permitia determinar a velocidade horizontal necessária para uma órbita mínima em torno da Terra o que poderia ser usado com recurso a foguetes multiestágios (cada um contendo o seu próprio motor e propelente). Um contributo para que, 54 anos volvidos, o primeiro satélite artificial soviético fosse lançado a partir do nosso planeta.
Na década de 1920, o austro-húngaro, teórico da astronáutica, Herman Potočnik, laborou em torno da ideia de usar naves em órbita terrestre para observação pacífica e militar do solo. No livro de 1928, O Problema da Viagem Espacial, Potočnik descreve satélites geostacionários e a comunicação entre estes e o solo, com recurso a ondas de rádio, embora sem detalhar questões de transmissão e potencial da utilização destes objetos em órbita como retransmissores de telecomunicações. A resposta a estas questões chegaria em 1945 no artigo escrito na revista Wireless World pelo escritor e inventor britânico Arthur C. Clarke. “Extra Territorial Relays” sugere que três satélites geostacionários poderiam cobrir as necessidades de comunicação de todo o planeta.
Um ano após a publicação do artigo embrionário de Arthur C. Clarke, a Força Aérea dos Estados Unidos iniciou o projeto de lançamento de uma nave espacial para orbitar o planeta: “pode-se esperar que um veículo satélite com instrumentação apropriada seja uma das ferramentas científicas mais potentes do século XX”. Desde 1945 que os Estados Unidos ponderavam o lançamento de satélites artificiais, vendo-os como ferramentas ao serviço da ciência, da propaganda e da política, mas sem alcance militar. Objetivos desenvolvidos em anos posteriores por nomes como o astrofísico teórico norte-americano Lyman Spitzer que anteviu vantagens num telescópio espacial em órbita. Sonhos espaciais distantes do longínquo ano de 1728 quando, a título póstumo, era publicado o trabalho de um ilustre britânico. Matemático, físico e astrónomo, Isaac Newton anteviu a possibilidade de lançar um objeto em órbita a partir de um canhão instalado a grande altitude.