Jovens portugueses começam atividade sexual mais tarde e usam cada vez menos proteção
Estudo da Health Behaviour in School-aged Children / Organização Mundial de Saúde (HBSC/OMS), sobre os hábitos dos adolescentes, deixou o alerta: começam a atividade sexual mais tarde, e fazem-no cada vez mais sem proteção. Os especialistas ouvidos pelo DN falam do abandono da Educação Sexual nas escolas e de como as redes sociais e os jogos online estão a "substituir" o contacto físico.
A amostra é significativa: 5809 jovens, do 6.º, 8.º, 10.º e 12.º anos, de 40 agrupamentos escolares portugueses. Foram estes que participaram no estudo da Health Behaviour in School-aged Children / Organização Mundial de Saúde (HBSC/OMS), divulgado no final do ano passado. E, desses, 84,8% dos adolescentes do 8.º ao 10.º ano de escolaridade referem ainda não terem tido relações sexuais. A primeira relação ocorreu acima dos 14 anos para 71,1% dos jovens já sexualmente ativos. Até aqui, os especialistas não estranharam, tanto mais que os números estão em linha com o que se passa noutros países, concluindo-se o que já se sabia - os jovens começam a atividade sexual cada vez mais tarde. O que se mostrou preocupante foi a diminuição do uso de métodos contracetivos: no caso do preservativo diminuiu de 66%, em 2018, para 64% em 2022; o uso da pílula contracetiva diminuiu de 33,8,% em 2018, para 31,3%, em 2022.
Dos adolescentes que mencionaram já ter tido relações sexuais, 71,1% referem que tiveram a primeira relação sexual aos 14 anos ou mais tarde. E, desses, apenas 64% dizem ter usado preservativo na última relação sexual, e 27,3% ter tomado a pílula contracetiva.
Comparando com o estudo realizado em 2018 , há no entanto um dado que poderia parecer contraditório: um aumento na frequência de jovens que referem ter um relacionamento amoroso atual, de 10,7%, em 2018, para 20,1% em 2022. Em relação aos comportamentos sexuais, a frequência de relações sexuais também aumentou, de 11,5%, em 2018, para 15,2% em 2022, tendo aumentado também a percentagem dos que tiveram a primeira relação sexual aos 14 ou mais anos, de 63,2%, em 2018, para 71,1% em 2022.
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O fracasso da Educação Sexual na escola
O psiquiatra Daniel Sampaio recebeu os dados do estudo com particular preocupação, não exatamente por causa das conclusões sobre a sexualidade, mas antes "dos comportamentos auto-lesivos, que é o sinal de uma adolescência problemática. Nenhum adolescente que esteja a viver bem a sua adolescência se magoa de alguma forma", sublinha. Quanto aos dados revelados, não tem dúvidas: "Isso traduz o fracasso da Educação Sexual na escola".
Daniel Sampaio recorda que o programa foi fixado por uma lei, datada de 2009, numa altura em que ele próprio coordenou um grupo de trabalho sobre a Educação Sexual, entre 2005 e 2009, que culminou com um programa para os diferentes níveis de ensino. "E também com outra coisa muito importante - os professores-coordenadores de Saúde", recorda, aludindo aos professores "que tinham dispensa de algumas horas da componente letiva para poderem dedicar-se às questões da Saúde, que são muito importantes na escola".
"Desde 2009 até 2023 passou muito tempo. E o que eu noto, nas minhas idas às escolas, é que a Educação Sexual tem vindo a ser cada vez mais esquecida. Há um retrocesso muito evidente", considera o psiquiatra, que aponta a diminuição - e quase eliminação - dos professores-coordenadores de Saúde, com consequente "menor entusiasmo dos alunos acerca do tema".
"Nós temos hoje em dia adolescentes muito mais informados e mais conscientes, que vão adiando a sexualidade até se sentirem mais confiantes", afirma o psicólogo Ricardo Barroso.
Daniel Sampaio não tem dúvidas de que esse é um papel que cabe à escola. "A Educação Sexual, no meu entender, não pode ser feita pela família. Tem de ser feita na escola, onde há bons programas e, assim, menos sexo desprotegido, menos sexo ligado à violência, ao álcool e, bem assim, menos gravidez adolescente".
Ainda assim, refira-se que em Portugal esta última tem diminuído. "Mas como este estudo mostra, o sexo desprotegido tem aumentado, com menos uso de preservativo e de pílula". E, por isso, o professor considera que "o essencial é discutir este tema na escola". "Os alunos têm muito interesse pelo tema, mas têm de ser ajudados a construir projetos sobre ele. Por exemplo, com os Centros de Saúde e com os psicólogos da escola - que são hoje muito mais do que já foram - e, com isso, chamar a atenção para o tema geral da Saúde Mental. Porque tudo isto está ligado. E o que este estudo demonstra, na minha opinião, é a pouca atenção à Saúde Mental na escola."
Mudanças de comportamento
O psicólogo Ricardo Barroso não se espanta com os dados mais recentes, até porque no quotidiano do seu trabalho (no âmbito da Psicologia da Justiça ao nível da Violência Sexual praticada por e com adolescentes) tem vindo a confirmar essas mudanças.
"Provavelmente está aqui a acontecer em Portugal uma tendência que já vinha a ser detetada noutros países, desde 2018/19", afirma ao DN, referindo-se a estudos feitos em países como Inglaterra, Estados Unidos da América e Canadá, que apontam para conclusões como esta: "Tende a haver menos atividade sexual na adolescência. E isso, na minha opinião, vai mais longe do que a Educação Sexual", considera o psicólogo, salientando que, na verdade, "não há ainda uma explicação para essa mudança que está a acontecer".
Ou melhor, não haverá apenas uma única justificação, mas um conjunto. "Por um lado, as próprias mudanças nos comportamentos sexuais: há mais relações não-heterossexuais - e isso pode explicar, de alguma forma, a questão do preservativo", considera Ricardo Barroso.
De acordo com os resultados deste estudo, 41,3% dos adolescentes referem não ter, de momento, um relacionamento amoroso. E apenas 23,5% referem que o relacionamento amoroso que têm, de momento, é das coisas mais importantes das suas vidas.
Segundo o estudo agora publicado, no que respeita ao timing da primeira relação sexual e parceiros, verifica-se um aumento na frequência das primeiras relações sexuais ocorrerem com o género oposto, sendo mais frequente relações com pessoas do mesmo género no caso das raparigas.
O facto de nalguns países se registar um menor consumo de álcool - que pode estar associado a uma maior desinibição, e estava tantas vezes associado a comportamentos sociais - pode também estar a atingir Portugal. Os dados do estudo são claros: as relações sexuais associadas ao consumo de álcool diminuíram, de 17,1%, em 2018, para 13,4%, em 2022.
"O que sabemos é que há um conjunto de comportamentos que têm vindo a diminuir e que podem depois justificar uma menor atividade sexual", adianta o psicólogo, que aponta ainda uma outra causa: a diferença observada nos relacionamentos amorosos. "As relações tendem a ser mais fugazes, menos duradouras e muitas vezes não avançam sequer para o comportamento sexual. Ou seja, têm outra expressão sexual que não propriamente a atividade sexual em si."
Não se sabe até que ponto a pandemia intensificou estas alterações comportamentais, mas é certo que terá deixado, também aqui, o seu rasto. Ricardo Barroso, que trabalha há muitos anos com adolescentes e jovens, diz ao DN que observa claramente mudanças no que respeita ao comportamento sexual. Mas lembra que, tal como nas outras áreas, também nesta "os comportamentos são geracionais".
"É importante percebermos isto: nós nunca podemos ver o comportamento sexual de uma geração à luz do que era o nosso comportamento quando tínhamos esta idade. Porque as mudanças no mundo acontecem e o comportamento sexual vai-se ajustando a elas. Não necessariamente para pior", sublinha.
"O que eu noto, nas minhas idas às escolas, é que a Educação Sexual tem vindo a ser cada vez mais esquecida. Há um retrocesso muito evidente", considera o psiquiatra Daniel Sampaio.
De acordo com os resultados deste estudo, 41,3% dos adolescentes referem não ter, de momento, um relacionamento amoroso. E apenas 23,5% referem que o relacionamento amoroso que têm, de momento, é das coisas mais importantes das suas vidas.
O envolvimento das novas tecnologias
Na avalancha de mudanças que ocorreu no mundo nos últimos anos, seria expectável que as novas tecnologias desempenhassem também um papel de relevo. "Não sabemos ainda qual é o impacto que isso vai ter nos comportamentos sexuais", adverte Ricardo Barroso. "Alguns estudos alertam para isso, apontando até para o envolvimento nas redes sociais e nos jogos de computador, ao passo que esses jovens se descentram do contacto pessoal direto. E isso pode levar a um menor envolvimento sexual."
O psicólogo não tem dúvida de que estamos a observar mudanças profundas na vivência dos adolescentes - "não necessariamente piores, mas diferentes". Aliás, o próprio comportamento sexual, segundo este estudo - e outros similares referidos pelos especialistas ouvidos pelo DN -, a começar pela idade cada vez mais tardia com que os jovens iniciam a vida sexual.
"Nós temos hoje adolescentes mais informados e mais conscientes, que vão adiando a sexualidade até se sentirem mais confiantes", afirma o psicólogo, que não discorda da opinião de Daniel Sampaio relativamente à questão do "fracasso" da Educação Sexual na escola como uma das causas.
A propósito, deixa outro alerta, que se prende com a utilização da pornografia como veículo de Educação Sexual por parte dos jovens. "Isso é preocupante", adverte, mesmo que globalmente não trace um retrato negro do que estes dados deixam a nu. "Na última década assistimos a um conjunto de transformações sociais, tecnológicas, de atitudes, mas ao mesmo tempo com mais consciencialização do comportamento sexual. Por isso digo que as mudanças não são necessariamente para pior."
dnot@dn.pt
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