Jovens desinteressados e professores envelhecidos. Assim é o ensino do país
O ano letivo 2020/2021 é mais um reflexo do descontentamento demonstrado nas manifestações dos professores. Relatório do CNE expõe dificuldades e desafios que se vivem nas escolas.
Professores envelhecidos, recursos humanos insuficientes e futuros diplomados sem interesse em seguir a carreira docente. Este é o retrato do ensino em Portugal, agora representado em dados no relatório anual do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Relacionados
Este panorama não é uma surpresa. Há muito tempo que os professores apontam as dificuldades enfrentadas devido à tendência de envelhecimento dos docentes portugueses, especialmente nas recentes greves por tempo indeterminado que decorrem desde 9 de dezembro. Porém, o mais recente Estado da Educação revela o panorama do ano letivo 2020/2021 frisando que este poderá agravar-se e ter impacto nos próximos anos das instituições de ensino portuguesas.
De acordo com o relatório, é de notar "o envelhecimento progressivo e acentuado dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário" em Portugal e na União Europeia. Isto porque a percentagem dos docentes com 50 ou mais anos de idade ultrapassa os 55% e quase 22% tem 60 anos ou mais anos (o que representa um total de 27 509 profissionais). Estes dados são preocupantes visto que "nos próximos seis ou sete anos estes docentes poderão sair do sistema educativo, por motivo de aposentação" e não existem jovens professores suficientes para uma renovação.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
É na região Norte que se encontra o maior número de docentes, estabelecimentos de ensino e alunos em Portugal. Mas é também nesta região que está o maior número de professores aposentados, seguida da região de Lisboa e do Centro. Nos últimos dez anos, depois de um "decréscimo acentuado", justificado pela alteração das condições de acesso à reforma em Portugal, as aposentações estão agora novamente a subir. No ano letivo 2020/2021, registaram-se 1847 docentes aposentados, sendo na sua maioria professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.
Tendo em conta a dificuldade em atingir o topo da carreira em Portugal, muitos dos professores aposentam-se sem conseguir chegar ao 10.º escalão.
Segundo o último relatório Education at a Glance 2022, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), mencionado na nota da CNE, "os docentes portugueses são dos que precisam de mais anos de serviço para atingir o último escalão remuneratório" e Portugal é também "um dos países onde existe uma diferença maior entre o salário de início e de topo da carreira".
Assim sendo, "os docentes do ensino público necessitam de uma média de cerca de 39 anos de serviço e 62 anos de idade para ascender ao último escalão remuneratório, sendo que os que estão no 1.º escalão têm em média 47 anos de idade e quase 16 anos de serviço".
Quanto às suas habilitações, a maioria dos professores "são detentores de uma licenciatura ou equiparado, notando-se um aumento progressivo do número de doutorados ou mestres, sobretudo no 3.º ciclo e secundário", ao longo da década 2011/2021. Logo, a percentagem de doutorados ou mestres subiu de 9,1% para 16,6% entre 2011 e 2021, enquanto os bacharéis e outros cursos estão a decrescer.
Sobram vagas no Ensino Superior
No Ensino Superior, a falta de procura e interesse pelo cursos de ensino continua a ser um entrave na renovação dos profissionais do setor. A pouca valorização da carreira e os problemas que acrescem em torno da profissão não apelam aos jovens, que cada vez menos sonham em ser professores .
Sem surpresas, 2021 foi o ano que registou o valor mais elevado de estudantes inscritos no ensino superior, com um total de 84 583 candidatos (um acréscimo de 10 866 estudantes face o período homólogo). No entanto, das 840 vagas disponíveis para o curso de Educação Básica (menos 28 do que em 2020), apenas foram colocados 788 estudantes (638, 140 e 10, respetivamente na 1.ª, 2.ª e 3.ª fases), tendo ficado um total de 52 vagas por preencher.
Aliás, o documento refere que na primeira fase do concurso nacional de acesso não houve qualquer colocado no curso de Educação Básica no Instituto Politécnico de Portalegre (à semelhança do que já tinha acontecido em 2019) e foi colocado apenas um candidato no Instituto Politécnico da Guarda.
Em 2020/2021, diplomaram-se 679 estudantes na licenciatura de Educação Básica (40 homens e 639 mulheres) - uma diminuição de 0,3%, face ao ano letivo anterior. Desde 2011/2012 que se regista uma redução do número de diplomados na área da Educação, passando de 8,8% para 3,8% (mais de metade) em cerca de 10 anos.
De acordo com a nota, "tem sido escassa a procura dos cursos que conferem habilitação profissional para a docência e o número de diplomados nesses cursos poderá não ser suficiente para suprir" a falta de professores em Portugal.
De forma semelhante, também os "diplomados com mestrado que habilita para a docência em determinados grupos disciplinares, nomeadamente nas áreas de Física e Química, Filosofia, Informática, Matemática, Biologia e Geologia, Português e Línguas estrangeiras" é reduzido.
Nas 144 ofertas de mestrado que conferem a habilitação para a docência, em funcionamento em 2020/2021, registaram-se 2324 estudantes inscritos no 1.º ano. Nesse ano, diplomaram-se nos cursos do setor 1531 estudantes.
Ainda que existam poucos candidatos aos cursos superiores de educação, nomeadamente nas licenciaturas, é nesta área que se encontra a maior taxa de prosseguimento de estudos, com 80%. Este fenómeno acontece pela "exigência do grau de Mestre como habilitação para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário".
O relatório do CNE quer assim chamar à atenção para o panorama atual das escolas do país, que tem neste momento ainda mais relevância considerando as manifestações dos professores, que não chegam a acordo com o Ministério da Educação sobre as suas condições de trabalho, vencimentos e progressão na carreira.
"A diminuição da procura dos cursos de formação de professores, aliada à previsão do aumento de aposentações, que prenunciam a insuficiência dos profissionais do setor", são algumas das preocupações constatadas e que podem vir a piorar num futuro próximo, reforçando-se, mais uma vez, a necessidade de mudança no ensino português.
Os desafios que se podem esperar nas escolas
O Estado da Nação, divulgado pelo Conselho Nacional de Educação, destaca projeções e preocupações para o setor da educação em Portugal numa altura em que ainda se vivem as consequências da pandemia Covid-19 e a atualidade da guerra na Ucrânia.
As alterações climáticas, a instabilidade dos ecossistemas, a utilização exaustiva de recursos, o alastramento das desigualdades económicas e sociais, a quarta revolução industrial, o movimento emergente de regimes políticos e as tecnologias digitais são algumas das transformações alicerçadas, que já estão em curso e que "lançam expectativas sobre a educação e a qualificação das populações".
Assim sendo, a entidade reforça a ideia de se trabalhar para "uma educação de qualidade para todos e de aferir os desideratos da educação que convergem para esse fim", tendo em conta o futuro dos mais jovens, que já vivem "num mundo diferente".
ines.dias@dn.pt