Qual o significado de D. Afonso Henriques armar-se cavaleiro em Zamora em 1125, data que será comemorada já neste ano?O gesto de Afonso Henriques de se armar cavaleiro, no domingo de Pentecostes de 1125, na Catedral de Zamora, seguiu o costume dos reis, num gesto de desafio, testemunhado pelo arcebispo de Braga, Paio Mendes. É o primeiro gesto público da vontade real de Afonso Henriques, no ano em que fez 16 anos. A evocação faz-se no domingo de Pentecostes, por ser a referência absolutamente certa que consta das crónicas. Por isso, lá estaremos para os 900 anos, em 8 de junho de 2025. .Vai haver uma recriação histórica na cidade espanhola?Está prevista uma representação teatral por dois grupos locais, Juan del Enzina e Natus, que, sob os auspícios do Centro de Iniciativas Turísticas de Zamora, vêm trabalhando o guião e a representação, desde há dois anos. É uma representação popular, medieval, em modo naïf, com uma narração muito completa dos factos daquele tempo. No último domingo de Pentecostes, em 19 de maio, mostrou já maturidade apreciável. Esperamos que, em junho, esteja ainda melhor. É claro que é uma representação em língua espanhola, que não só aceitamos, como só podemos agradecer como homenagem do povo de Zamora ao nosso jovem rei..Como nasceu o projeto de celebrar os 900 anos da independência de Portugal?Nasceu do propósito de valorizar ao máximo e tirar o maior partido deste facto raríssimo na história mundial e no nosso continente europeu: um país que faz 900 anos! Não podemos desperdiçar esta oportunidade. No século passado, ao celebrar 800 anos, não fizemos como propomos agora. Foi o “Duplo Centenário”, que resultou de proposta nossa, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 1922. A proposta fez o seu caminho e, em 1940, Portugal celebrou o 3.º Centenário da Restauração (1640) e o 8.º Centenário da Fundação (1140). A proposta vinha no ciclo de afirmação nacional do 1.º de Dezembro. Este grande dia fora alçado pelos nossos fundadores, desde 1861, ao patamar das altas comemorações patrióticas. Em 1910, ascendeu ao estatuto de feriado nacional, o mais antigo a ser celebrado. Enquadrá-lo no “Duplo Centenário”, 1140-1640-1940, foi outra consagração. Todavia, assentou numa abstração quanto à fundação de Portugal. 1140 é data que não existe, uma espécie de bissetriz das datas maiores da fundação: 1128, 1139, 1143 e 1179. Para o 9.º centenário, o que defendemos é tirar partido desta janela temporal 2025-2080: cerca de 50 anos para celebrar 900. Não se trata de estar em festa todos os dias em 50 anos, mas celebrar 900 anos de cada marco fundador, tendo sempre a ideia de celebrarmos um processo. Portugal não nasceu num dia, nem sequer num ano. Fizemo-nos por um processo prolongado, consistente, determinado..Datas importantes a celebrar mais adiante serão certamente 1139, com a Batalha de Ourique, 1143, por causa do Tratado de Zamora, e 1179, quando a bula papal reconhece o reino de Portugal. Qual o simbolismo cada uma delas?A primeira data que vamos celebrar é a data prévia que referi de início: 8 de junho de 2025, Pentecostes, em Zamora - 900 anos de Afonso Henriques, cavaleiro. Ainda não é uma data da fundação, mas é a antestreia, o anúncio: Portugal vem aí! Portugal está a chegar! Depois, as quatro datas clássicas, todas têm de ser bem lembradas e bem conhecidas. Em 24 de junho de 2028, 900 anos da batalha de S. Mamede, por que Afonso Henriques resgata de sua mãe o governo do Condado Portucalense - e, por suas mãos, viria a torná-lo Reino de Portugal. Em 25 de julho de 2039, 900 anos da retumbante vitória na batalha de Ourique: Afonso Henriques aclamado rei e o eco, recheado de lendas e mitos, que projetou o seu prestígio além-fronteiras. Em 5 de outubro de 2043, a conclusão da Conferência de Zamora, em que os dois primos, Afonso VII de Leão e Afonso I de Portugal dialogam em paz e este obtém daquele o reconhecimento, para si e herdeiros, da qualidade de Rei de um reino separado, Portugal. Enfim, a 23 de maio de 2079, 900 anos da bula Manifestis probatum que tudo consumou: o Papa Alexandre III reconhece a independência de Portugal e afirma ser direta a relação de Afonso Henriques e herdeiros com a Santa Sé sem qualquer outro de permeio. Entrámos na ordem internacional da época..Objetivo das celebrações não se fica pelas décadas iniciais do país, mas pretende-se também evocar outras épocas: estamos a falar de Aljubarrota e da saída vitoriosa da crise dinástica de 1383-1385, dos Descobrimentos, da Guerra da Restauração, da resistência às tropas napoleónicas?Sim, o objectivo é, dentro daquela janela temporal, celebrar factos e figuras que tenham a ver com o território e as fronteiras, a independência, a identidade, a língua e a cultura, a relação com os outros. Na independência, daremos especial atenção à crise de 1383/85, à Restauração até à paz em 1668 e às Invasões Napoleónicas, que, além da violência e pilhagens, tiveram momentos muito vexatórios. Os Descobrimentos não faltarão, estando previstos alguns 6.ºs Centenários: início do povoamento da Madeira, em 1425; descoberta dos Açores, de 1427 a 1452; e dobragem do Cabo Bojador, em 1434, que abriu caminho para as rotas do Sul. É muito importante retermos e valorizarmos este facto, que creio ímpar, de o nosso território não ter sido concluído por conquistas, mas por descobertas de ilhas inabitadas e seu povoamento posterior. Madeira e Açores aí estão para o atestar. É a melhor assinatura do país dos Descobrimentos..Também os forais vão ser celebrados. Qual a importância e quais os mais antigos?Os forais criaram relações que ajudaram muito à construção da nacionalidade. Por isso, temos um subprojecto chamado “Forais da Fundação, Municípios de Portugal”: são 60 forais outorgados há 900 anos, por Afonso Henriques ou, antes, por seus pais, entre 1096 e 1185, isto é, da fundação do Condado Portucalense até à morte do nosso primeiro rei. Pertencem, hoje, a 53 concelhos. A ideia é formar entre eles um forte espírito associativo - a “liga dos 900 anos”, digamos assim -, para exibir em contínuo ao longo deste ciclo. Não pode ser que o 9.º centenário de cada foral se esfume rapidamente ou passe mesmo despercebido. São cartas da maior importância para a compreensão de como nos fomos fazendo. Alguns foram à frente de Portugal e já estão a dizer: “As terras que fizemos Portugal já estamos a festejar 900 anos.” Em 2024 foi o caso de Sernancelhe. E, em 2025, será Ponte de Lima, a 4 de março. É formidável!.A antiguidade de Portugal e sobretudo a estabilidade das fronteiras é excecional?A antiguidade do país é muito relevante e a estabilidade das fronteiras também. Ambas traduzem, na ideia e na geografia física, raízes e tronco, consistência, solidez, fatores de capital importância para uma nação. Com exceção da Dinamarca, creio não haver outro país como o nosso. As fronteiras da Europa variaram muito até recentemente, pelos avanços, recuos e desaparecimentos dos impérios continentais europeus. As fronteiras da Alemanha são da reunificação em 1990, ou seja, de ontem. E, hoje mesmo, a Ucrânia, vítima de agressão, mostra que ainda não se pode dizer que o mapa da Europa está estabelecido. Portugal teve a inteligência - ou o instinto - de não se envolver nos conflitos das potências continentais europeias. E a sorte de não ser sugado por eles..Com o tratado de Alcanizes, as fronteiras política e linguística praticamente passam a coincidir. Pode-se traçar um sentimento de identidade nacional já no século XIII?A definição da nossa fronteira oriental separou, entre nós e os nossos vizinhos, territórios comuns da Reconquista. Foram as últimas partilhas. É um marco da maior importância política. Mas a ideia que tenho - e creio ser a dominante entre os historiadores - é a de o sentimento de identidade nacional emergir, com clareza e com vigor, na crise de 1383-1385. A argúcia de João das Regras, a revolta do povo de Lisboa aclamando o Mestre de Aviz, esse gesto extraordinário de romper a dinastia para salvar a independência, a liderança de figuras como D. João I e Nuno Álvares Pereira, são demonstrações, algumas de extrema bravura, de que os portugueses queriam ser Portugal e nada mais senão Portugal..Para si, pessoalmente, tirando o fundador do reino, qual o grande protagonista da História de Portugal?É difícil, sem cometer injustiça, indicar só mais um protagonista. Há outros reis que marcaram fortemente a nossa História: D. João I, D. João II, D. Manuel I, D. João IV. E, sem ser rei, são figuras fortíssimas o Infante D. Henrique, o Padre António Vieira e, é claro, no ponto mais alto da galeria, Luís de Camões. Mas há um rei de larga visão que nem sempre veneramos e que, hoje, diríamos ser um governante de apurado sentido estratégico: D. Dinis. Concluiu a fronteira em Alcanizes, outorgou quase uma centena de forais, fundou a Marinha, prosseguiu o pinhal de Leiria, oficializou a língua portuguesa, criou a Universidade. E fez mais. Uma obra extraordinária. Lá estaremos, em Odivelas, no próximo 7 de janeiro, a homenageá-lo, na comemoração do 7.º centenário da sua morte..Para estas celebrações, com que apoios contam?Nesta altura, contamos connosco próprios e com aqueles que aceitam participar e colaborar nas comemorações ou fazê-las por si próprios. Por exemplo, no caso dos forais, cada município organiza a celebração do seu 9.º Centenário; nós aportamos o efeito gregário de todos eles. Estamos a procurar reunir apoio financeiro para o Congresso Histórico Portugal Século XII, em Zamora, junho próximo, e estamos confiados em consegui-lo. Procuramos também que a sociedade civil, através de empresas, outras entidades e cidadãos, apoie este grande programa dos portugueses sobre Portugal. E admitimos recorrer ao crowdfunding. Mas, como é evidente, este programa só poderá organizar-se e desenvolver-se com o endosso e o apoio do governo. É um programa nacional. Há meses que fazemos apresentações e estamos nessa expectativa. É um programa muito potente não só no plano cultural e histórico, mas com claro potencial turístico e efeitos positivos na economia. Uma fonte inesgotável de energia e de vitaminas. Quando for o próximo Mundial 2030, nós estaremos a viver 900 anos. É um facto que atrai atenção sobre nós (Portugal e os portugueses), combate a ideia tola de periferia, é uma mola de confiança, valoriza a nossa produção, é fonte de alegria, de otimismo, de energia. Podemos, por exemplo, dizer: “900 anos a servir a Europa” - porque, na verdade, em perspetiva continental, tudo o que nós fomos e somos encontra maior valor, enquanto país de interface do conjunto do continente, na frente atlântica e ocidental. Nós também somos - e de que maneira! - História da Europa. Temos muito a dar a conhecer de nós mesmos. E esta janela temporal é a nossa oportunidade extraordinária no século XXI. Não há uma segunda oportunidade para festejarmos 900 anos desta forma..Qual o valor simbólico da antiguidade de alguns símbolos nacionais, como as quinas? O valor das quinas é definidor. As quinas evocam os cinco reis mouros e as cinco chagas de Cristo, mas não são um símbolo religioso, são um símbolo político. Pode não haver mais nada, mas, se virmos as quinas, sabemos que somos nós. Dos elementos da nossa bandeira, as quinas, no coração do brasão de armas, são o símbolo mais antigo. Têm um valor simbólico fortíssimo, associado à batalha de Ourique, que marcou muito a formação da consciência portuguesa e não só na Idade Média. Por exemplo, n’Os Lusíadas, Luís de Camões não fala da Conferência de Zamora, de 1143, nem da bula Manifestis probatum. Fala muito da batalha de Ourique - e, antes, de S. Mamede. As quinas são assinatura identitária.