Jaime Branco: "Uma carreira única que sirva a medicina do Estado, privado e social beneficia o sistema"
Foi o primeiro a anunciar que se iria candidatar e o primeiro a formalizá-lo (8 de novembro). Que mensagem vai transmitir?
A mensagem para os médicos é idêntica para todos, embora possa haver variações locais. Por exemplo, agora estou no Alto Alentejo, em Portalegre, e aqui há problemas que não existem noutras localidades, mas o mote da minha candidatura é devolver a liderança aos médicos. Acredito que o decréscimo da qualidade no SNS é uma linha paralela à retirada dos médicos dos lugares de liderança. Sou co-fundador do SNS, comecei a trabalhar no dia 1 de janeiro de 1979 e o SNS foi criado a 15 de setembro de 1979. Nessa altura, era impensável um hospital não ser dirigido por um médico, que tinha gestores que o ajudavam nas funções de administração. Hoje, são mais os hospitais que não são geridos por médicos do que o contrário. E isto é importante porque um médico tem uma visão global das necessidades da saúde do país e da atividade médica.
A visão da gestão é essencial...
Na competência de gestão dada pela Ordem dos Médicos estão inscritos mais de 1400 médicos, o que quer dizer que não há falta de médicos com formação em gestão, o que falta é escolher esses profissionais para os lugares de liderança. Agora, temos um ministro médico, um gestor do SNS que também é, o que para mim é um sinal muito positivo de que as coisas podem mudar de forma benéfica, quer para a Saúde quer para o doente. Há uma coisa que não podemos esquecer: os médicos existem por causa dos doentes, e são estes que devem estar no centro das nossas atenções. E para que isto aconteça acredito que os médicos são os mais habilitados para os lugares de liderança. Digo isto sem menosprezo pelas outras profissões, absolutamente fundamentais para que a saúde funcione como um todo harmónico para servir as pessoas.
No seu manifesto destaca outras áreas, como cuidados primários, médicos excluídos dos internatos e carreiras. O que pode ser feio de diferente?
Os cuidados primários são outro ponto de atenção nas minhas visitas, porque se não funcionarem de forma harmónica em relação às suas necessidades os cuidados hospitalares serão inundados pelas urgências, o que leva a ruturas absolutamente desnecessárias. Em relação aos médicos mais jovens, os que não têm formação específica, penso que têm de ser alvo da nossa atenção de forma que possamos dar-lhes uma formação em matérias necessárias. Uma formação que talvez não seja nas áreas tradicionais, ou como internatos, mas noutras áreas. Temos de ser criativos, mas tem de ser uma formação robusta. Penso que com o auxílio das escolas médicas e dos colégios da especialidade é possível encontrar soluções.
E sobre as carreiras médicas?
As carreiras são importantes, sobretudo, para a formação médica. Ou seja, a formação médica funciona como uma oficina em que os aprendizes aprendem com os primeiros oficiais e oficiais superiores, se não tivermos pessoas que deem formação não temos médicos - se nos hospitais periféricos, como o de Portalegre, as pessoas se reformam e não são substituídas deixa de haver capacidade de formação, e não são as pessoas formadas noutras localidades que depois irão para lá. As carreiras são fundamentais porque criam uma hierarquia baseada na competência, fundamental para o funcionamento dos serviços e para que os cuidados sejam de melhor qualidade. O que pugno é que haja uma carreira única que sirva a medicina do Estado, do privado e do social. Penso que beneficia o sistema. Há entre seis a sete mil médicos que trabalham no privado e é preciso uma carreira que sirva estes colegas, como os que trabalham nas instituições sociais, desportivas, militares, Medicina Legal, etc. As carreiras têm de ser transversais a todos os ministérios, sejam Saúde, Trabalho, Justiça, Defesa ou Administração Interna.
Destaquedestaque"Estamos a assistir à saída de médicos do SNS para o setor privado, mas dentro de alguns anos vai acontecer exatamente o contrário. Não tenho dúvida do que lhe estou a dizer".
Porquê?
Estamos a assistir à saída de médicos do SNS para o setor privado, mas dentro de alguns anos vai acontecer exatamente o contrário. Não tenho dúvida do que lhe estou a dizer.
Um movimento inverso, quando o privado está mais forte?
O privado vai atingir o seu ponto alto e depois vai começar a remunerar pior e o movimento vai ser ao contrário. Vai haver médicos a sair do privado para o público. Não sei quando, mas seguramente que isto irá acontecer na próxima década. Portanto, os médicos têm de ter os mesmos graus de carreira para se entenderem sair de um setor para outro. É uma liberdade salutar para o sistema. Os médicos devem sentir-se tão confortáveis num sítio como noutro, devendo ter exatamente a mesma categoria e grau de desenvolvimento de carreira - um médico de 50 anos que trabalhe na privada e que queira ir para o público, mas não tem o grau de consultor ou consultor sénior, que já teria se estivesse no SNS, não pode começar tudo de novo. Seria uma desmotivação. A carreira única beneficia o sistema.
Também fala num "novo futuro" para a ordem. Porquê?
A Ordem tem de estar mais próxima dos médicos, isto sem críticas a ninguém, mas a Ordem tem sido muito pouco inclusiva. Há pessoas que não se sentem incluídas. E digo isto porque tenho falado com colegas que não têm qualquer interesse pela ordem. Se falarmos com colegas mais jovens, de 45 anos e menos, ou mulheres, as quais são já a grande maioria, 2/3 dos médicos, o interesse pela ordem é diminuto em relação à minha geração. É um facto preocupante. E a Ordem tem de ser também mais rápida a responder às necessidades dos médicos e aos problemas da sua competência.
Refere que a Ordem tem de ser mais "independente" e "transparente", o que quer dizer?
Mais independente de outros poderes, como políticos e sindicais, porque, muitas vezes, parece ter uma agenda que ultrapassa a da prática médica - e não falo de nenhum dirigente em especial. O que defendo é que a Ordem deve impor a sua agenda, sem que vá atrás da agenda dos órgão de informação, dos sindicatos ou dos partidos políticos, sejam eles o poder ou não. A Ordem é uma entidade política, mas não pode ser partidária, e eu posso oferecer uma ordem independente e com transparência.
Afinal, o que o distingue dos outros candidatos?
Em primeiro lugar, a independência que tenho em relação ao poder político e sindical. O meu currículo é profundamente transparente e multifacetado. Sou médico, professor, e até há um ano diretor de uma escola médica, tenho capacidade de gestão e outras aptidões que podem ser úteis aos médicos, à medicina e à ordem. Tenho a determinação para ser bastonário, disponibilidade, a vontade mudar e ideias, consideradas boas pelos meus pares, sobre como devolver a liderança aos médicos, como apoiar a formação dos que ficam excluídos dos internatos e sobre como ajudar os médicos já reformados.