O que nos dizem os números atuais da incidência e mortalidade do cancro do pulmão em Portugal? Tem havido algum progresso nos últimos anos? O cancro do pulmão é uma das patologias com maior incidência em Portugal (mais de 5200 casos/ ano) e a com maior mortalidade associada (cerca de 4800 casos / ano). Estes números têm continuado a crescer. As abordagens no tratamento do cancro do pulmão têm tido uma evolução muito expressiva nos últimos 10/15 anos, mas os resultados continuam a ser modestos, fundamentalmente devido ao diagnóstico ocorrer, na maioria dos casos , em fase avançada da doença..Estão com uma campanha para alertar para a importância do rastreio, neste que é um mês de sensibilização para a luta contra o cancro do pulmão. É urgente avançar com esse rastreio? Portugal denota atraso nesta matéria relativamente aos países desenvolvidos , sendo que existem outros países como a Croácia com o rastreio implementado a nível nacional. Na generalidade dos países há pelo menos projetos piloto ou projetos de âmbito regional a decorrer. Ao permitir diagnosticar mais cedo, obtêm-se melhores resultados e menor dispêndio de recursos, sendo que o tratamento desta patologia em fase avançada tem custos muito elevados..Como pode o rastreio impactar as taxas de sobrevivência? O rastreio permite diagnosticar o cancro do pulmão em fases iniciais, o que se traduz em taxas de sobrevivência que podem ser oito vezes superiores à mesma em estádios avançados . Os principais estudos denotam redução de mortalidade entre 20% e 24%..Portugal está em falta neste domínio, atendendo às recomendações europeias? A Comissão Europeia, em 2022, aprovou a inclusão do rastreio do cancro do pulmão nos planos oncologicos nacionais, recomendadndo a implementação de projetos piloto para início deste rastreio , onde ainda não existisse. Foi então noticiado pelo ministro da Saúde que, ainda em 2023 ,se iniciaria um projeto piloto em Portugal. Estamos a terminar 2024 e continuamos sem nenhum projeto no terreno, sendo que a implementação deste rasteio não pode ficar pendente da mudança de governos. Este rastreio consta aliás do Orçamento de Estado para 2024..A Diretora-Geral da Saúde anunciou em entrevista recente ao DN que os programas de rastreio devem avançar no próximo ano. Têm tido diálogo com as autoridades de saúde sobre isso? Apresentámos o plano de projeto-piloto aos atuais responsáveis do Ministério da Saúde, sendo que não tem havido qualquer diálogo para além da apresentação que efetuámos. .Quais são as estratégias mais eficazes para aumentar a adesão ao rastreio em populações de risco, como fumadores ou pessoas expostas a poluentes? A informação dos cidadãos sobre o rastreio desempenha um papel fundamental. A participação da medicina geral e familiar é também crucial, quer na identificação dessa população de risco, quer na informação dos utentes sobre os benefícios versus risco do mesmo. A disponibilização do rastreio de forma próxima dos cidadãos, a exemplo do projeto Manchester ocorrido na Grã Bretanha, constitui também polo facilitador da adesão..Ao nível do cancro do pulmão, o tabaco continua a ser o principal fator de risco. Portugal ainda tem leis muito permissivas em relação ao tabaco? O tabagismo continua a ser a principal causa de cancro do pulmão, estando na base de mais de 85% dos diagnósticos ocorridos. Sendo o tabaco uma das principais causas de morte evitável (não só por cancro do pulmão mas de outras patologias) deve ser combatido de forma assertiva e sistemática. Em primeiro lugar, a literacia e capacitação da população deve ser prioritária. No que respeita a outras medidas sabemos que o aumento do preço tem sido uma das que tem maior eficácia, estranhando-se que não se preveja uma maior taxação em 2025 sobre o tabaco, apesar de estar previsto o aumento da receita..Quais são os principais obstáculos que os doentes enfrentam no acesso a diagnósticos e tratamentos adequados? O cancro do pulmão muitas vezes tem sintomas leves/inexistentes ou transversais a outras patologias levando, maioritariamente a diagnósticos em fases avançada da doença. O acesso ao tratamento enfrenta dificuldades conhecidas, muitas vezes pela ausência de médico de clínica geral e familiar atribuído, pela demora na referenciação para a consulta de especialidade, pela demora nos exames de diagnóstico e estadiamento da doença. No tratamento , existem dificuldades a nível da realização de cirurgias, na realização de exames de acompanhamento, no acesso a vagas para tratamento nos hospitais de dia. Contudo, neste cenário há nuances, já que existem diferentes realidades locais ou regionais. A Pulmonale tem desenvolvido trabalho ao longo dos anos, não só capacitando a população em geral e os doentes em particular mas trazendo todas estas questões para a agenda dos decisores: inexistência de rastreio populacional, dificuldades no acesso e tratamento, falta de equidade..Para os próximos anos, quais são as principais metas que a Associação gostaria de ver atingidas na luta contra o cancro do pulmão em Portugal, seja em termos de prevenção, rastreio ou tratamento? A principal meta será a implementação do rastreio populacional, ja que será a forma de alterar o paradigma atual do cancro do pulmão, possibilitando diagnósticos precoces e como tal reduzindo a mortalidade desta doença em mais de 20%. A erradicação do tabagismo seria excelente, mas o que se parece perspetivar é uma nova vaga de fumadores por via das novas formas de tabagismo, que deverá ser contrariada. A nível do tratamento defendemos o acesso equitativo ao tratamento mais adequado em tempo útil, o que implica reorganização do sistema e recursos disponíveis, não esquecendo o papel do cidadão no processo de gestão da sua saúde própria saúde/ doença.