Irmãos inseparáveis
"É talvez a pessoa que conheço melhor no mundo e todavia quase não falamos. Para quê? São desnecessárias as palavras entre nós, passámos mais de vinte anos, acho eu, no mesmo quarto, num silencioso princípio de vasos comunicantes que até hoje se mantém.” Assim descreveu o escritor António Lobo Antunes a sua relação com um dos seus cinco irmãos, o neurocirurgião João, falecido em 2016, que era também o mais próximo da sua idade (António nasceu em 1942 e João cerca dois anos depois).
Mas se esta proximidade não surpreende em quem, como António e João Lobo Antunes, partilhava tanto laços de sangue como convicções, talvez seja menos expectável em irmãos colocados em polos políticos e ideológicos opostos. Como foram os casos de Miguel e Paulo Portas. No entanto, já depois da morte de Miguel, fundador do Bloco de Esquerda, a mãe de ambos, Helena Sacadura Cabral, revelaria, numa entrevista ao Correio da Manhã, que a Política jamais fora suficiente para separar os dois: “Não conheço irmãos que gostassem tanto um do outro. Se houvesse um amorómetro eles teriam rebentado com a escala. Aliás, se me perguntarem se houve alguma coisa que eu fiz bem, e de que me orgulho, é dos meus filhos. Metade trabalho meu, metade genético, claro.”
Embora histórias dignas de Caim e Abel não faltem na História de Portugal, também houve casos de grande lealdade, como o que ligou a chamada Ínclita Geração, composta pelos infantes nascidos da união de D. João I com Dona Filipa de Lencastre. Pelo menos, enquanto o fundador da dinastia de Avis e o filho mais velho, o rei D. Duarte, foram vivos, já que depois encontraríamos D. Henrique, D. Pedro e D. Afonso, Duque de Bragança (filho de uma relação extraconjugal de D. João) a disputar, de forma violenta, o ascendente junto do sobrinho de todos, o rei D. Afonso V.
A força do amor fraternal nas famílias reais portuguesas voltaria a expressar-se, já no século XIX, entre os filhos da Rainha Dona Maria II: os reis D. Pedro V e D. Luís, mas também os infantes João, Maria Ana, Antónia, Fernando e Augusto. Uma linhagem tragicamente atingida na flor da idade pela febre tifoide, o que deixaria um travo de amargura nos sobreviventes. Casada com um príncipe alemão, Antónia mantinha com D. Luís uma correspondência muito frequente e afetuosa, como se evidencia nesta carta: “Tudo me parecia risonho, até à morte dos meus pobres irmãos, desde então comecei a sofrer sozinha, ninguém na minha nova Pátria conhecia meus Parentes, eram estrangeiros para todos, se estava triste mostrava demais o que sentia, se ria fazia bulha demais, assim se foi formando o meu caráter e com 19 anos já tinha sentido mais aspereza da vida do que muitos toda a sua vida.”
O amor fraternal esteve também presente na Literatura portuguesa. É conhecida a dedicação de Florbela Espanca ao seu irmão mais novo, Apeles. Uma dedicação marcada, como tantas coisas na vida da poetisa, pela tragédia, já que, na sua instrução para piloto, o jovem se despenharia no Tejo, tendo morte imediata. Desolada, Florbela dedicar-lhe-ia o poema In Memoriam, que termina assim: “Batida por furiosos vendavais!/- Eu fui na vida a irmã dum só Irmão,/E já não sou a irmã de ninguém mais!”
Das brincadeiras de irmãos nasceram também muitas vocações artísticas. A História do Cinema está cheia de bons exemplos como os da dupla Catherine Deneuve/Françoise D’Orléac (prematuramente desfeita pela morte acidental da segunda), Warren Beatty e Shirley MacLaine, Jane e Peter Fonda, Pedro e Agustin Almodóvar e, claro, os impagáveis irmãos Marx. O mesmo acontece na Música, onde, em meados do século XX, chegou a ser moda as bandas compostas por irmãos como as norte-americanas Andrew Sisters, os Carpenters ou os Everly Brothers. Portugal não escapou a esta tendência, já que, nas décadas de 40 e 50, atingiram grande popularidade as irmãs Remartinez (Nini e Armanda) e as irmãs Meireles, trio formado por Cidália, Rosália e Milita. Também na música erudita houve duplas assinaláveis como as pianistas francesas Katia e Marielle Labèque.
Mas nestas histórias de vocações familiares, nunca faltou quem homenageasse o irmão que se dedicava a outra arte. No documentário de Manoel de Oliveira, As Pinturas do meu irmão Júlio, o escritor José Régio presta homenagem ao pintor Saul Dias. Na verdade, esse era o nome artístico do seu irmão mais novo, Júlio dos Reis Pereira.
Um irmão é uma praia
Um irmão
É uma coluna de fogo
Que caminha ao nosso lado,
Despertando, estimulando,
Incendiando a vida quando seca,
Para iluminar os dias tristes
Que fazem a alma careca.
Um irmão
É um rio de água fresca
Onde nos banhamos...
Depois de muitos desertos
Que o tempo deixou para trás,
Fazendo os horizontes incertos.
Um irmão
É uma planície
Feita de terra firme
Onde nos espraiamos
Sem receio de claudicar,
Longe do desfiladeiro íngreme.
Um irmão
É uma brisa que sopra
Nas tardes quentes
Da história
Que nos queimam a face,
Vencendo o desespero de lutar
Pelas necessidades da vida
Sempre urgentes!
Medina de Gouveia
(escrito para celebrar, hoje, o Dia dos Irmãos)