Jane, Konrad, Laurence, Martinho e Núria são os nomes das cinco depressões meteorológicas que assolaram Portugal entre março e a primeira semana de abril, um recorde histórico, e que foram um derradeiro teste para o novo sistema de previsão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que acaba de ser reforçado. Agora, depois de dez milhões de euros de investimento em tecnologia de ponta, “o IPMA consegue antecipar os fenómenos climáticos extremos em 72 horas, em vez das 48 horas de há um ano, mas também obter uma precisão muito mais afinada sobre a sua localização”, garantiu o presidente do IPMA, José Guerreiro, em entrevista ao DN. E a fiabilidade das previsões é mesmo a alma do negócio quando o que está em causa é “a responsabilidade de vigilância sobre a 6ª maior área mundial em matéria de meteorologia aeronáutica”, a cargo do IPMA, revelou o seu dirigente.“Nós temos hoje sete radares instalados no território português, com a recente renovação total dos radares de Coruche e Loulé, e a inauguração, a 24 de março, do último radar dos Açores, na Ilha das Flores. Agora temos radares nos grupos oriental, central e ocidental, o que implica uma cobertura de mil quilómetros longitudinais e 300 quilómetros em volta de cada radar. Portanto, isso, juntamente com a rede de satélites a que estamos associados, e a supercomputação dá-nos uma capacidade de previsão da chegada de fenómenos meteorológicos extremos muito apurada, tanto nas ilhas como no Continente”.Poder antecipar com maior antecedência e conseguir mais precisão no terreno é “muito relevante” para a capacidade de resposta da Proteção Civil e “foi notório na última grande depressão que atingiu o país, a tempestade Martinho”, afiança Jose Guerreiro. “Foi seguida a par e passo, com toda a informação à Proteção Civil necessária para a salvaguarda de pessoas e bens”. Por outro lado, adiantou, “esta capacidade de processamento numérico tem também uma resolução no terreno de dois quilómetros e meio, ou seja, nós conseguimos prever, com um grau de fiabilidade bastante elevado e uma precisão de dois quilómetros e meio, a ocorrência de fenómenos extremos, em particular, de precipitação”.O esforço de preparação do IPMA para uma era de maior intensidade e frequência de fenómenos climáticos extremos foi “muitíssimo” reforçado nos últimos três anos, graças ao financiamento do PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), se bem que a modernização tecnológica tenha sido iniciada na viragem do milénio, nota José Guerreiro.“No total, estamos a falar de um investimento a rondar os 10 milhões de euros, nos últimos três anos, desde a vigência do PRR, entre radares, estações meteorológicas e estações sismológicas. Foi o maior investimento em muitos, muitos anos. Com os radares meteorológicos, o supercomputador, as estações meteorológicas automáticas, densificando a capacidade de observação em todo o território, tudo isso permitiu um salto qualitativo para o século XXI, que era absolutamente necessário”, observou.Houve também um esforço de melhorar o acesso do cidadão comum, que pode visualizar a progressão dos fenómenos meteorológicos em tempo real no telemóvel, bastando para isso descarregar a aplicação do IPMA. Portugal divide vigilância atlântica com EUAPouco conhecida é a relevância do IPMA na meteorologia aeronáutica a nível mundial. “Portugal é, neste momento, responsável pela vigilância da 6ª maior área do mundo em matéria de meteorologia aeronáutica. É um facto desconhecido para muitos, mas, em função da localização da Madeira e dos Açores, Portugal divide o Atlântico ao meio com os Estados Unidos em termos de previsão meteorológica”, revela José Guerreiro. Por isso, considera “importantíssima” a entrada em funcionamento dos mais recentes radares nos Açores, que são uma mais-valia acrescida”, tendo em conta, sobretudo, que as ligações aéreas são particularmente críticas para as regiões autónomas.“É uma enormíssima responsabilidade para o IPMA ter a cargo a 6ª maior área do mundo”. Por isso, e ao mesmo tempo que se robusteceu a capacidade de observação meteorológica, também se reforçou o pessoal, pela primeira vez, desde há duas décadas, com a contratação de 49 trabalhadores, oito deles para os Açores, devido à importância que têm na monitorização meteorológica do Atlântico, indicou o dirigente do IPMA.“As condições de viabilidade das aterragens e das decolagens dependem da capacidade de dar uma informação corretíssima. É isso que determina se há ou não há condições. Este é um serviço que trabalha 24 sobre 24 horas, sete dias por semana, 365 dias por ano. E temos de ter recursos humanos treinados para isto num quadro de mais fenómenos climáticos extremos”, justificou o dirigente.Boletim Agroclimático prevê nove diasPara além de ganhos óbvios para a segurança de pessoas e bens, o apetrechamento tecnológico do IPMA resulta numa mais-valia importante para atividades como a agricultura, a silvicultura e a pesca, particularmente vulneráveis aos humores climáticos. Fruto dessa evolução tecnológica, o instituto lançou o Boletim Agroclimático, um dos serviços mais inovadores e valiosos que presta ao mercado, que está disponível não apenas no site, mas também em aplicação móvel.“O Boletim Agroclimático estabelece uma previsão de nove dias para determinados fenómenos climáticos que são críticos para a agricultura, nomeadamente a geada, o escaldão, a ocorrência de chuvas intensas ou a seca extrema, a evapotranspiração, entre outros indicadores que podem consultar no site do IPMA ou receber diretamente no telemóvel sob a forma de avisos”, disse.A inovação consiste, sobretudo, no perfil costumizado para cada fileira agrícola e agricultor, que pré-determina o tipo de alertas que quer receber. “Cada uma das fileiras estabeleceu os seus limiares críticos para atuar ou tomar determinada decisão, pois o que interessa à vinha não é exatamente o mesmo que interessa à fileira da fruta. Aquilo que é um limiar de temperatura para uma cultura é diferente para outra. Com esse conhecimento podemos lançar os avisos em relação a situações que podem prejudicar ou facilitar o trabalho agrícola e as próprias culturas”, explica.Assim como recebemos avisos em caso de sismos ou tempestades violentas, o agricultor pode escolher o seu aviso e dizer ‘eu só quero receber o aviso para a minha cultura acima de uma temperatura x ou abaixo de y nos meses de agosto ou dezembro’.Segundo José Guerreiro, a mesma lógica do serviço para a agricultura, lançado em junho de 2024, está a ser já trabalhada para lançar um boletim florestal, seguindo-se outro vocacionado para a produção animal.“Este serviço permite aos agricultores programar coisas tão simples como se naquele dia há rega ou se não há rega, se é um dia bom para lançar fertilizantes ou pulverizar por via aérea ou por drone, em função do vento previsto”. A informação customizada para cada fileira pode ser inestimável para os produtores, mas é gratuita. “É um serviço público, pois este tipo de informação pode fazer a diferença para o sucesso económico das explorações”.O melhoramento dos modelos de previsão do IPMA tem igualmente impactos significativos para a fileira florestal e para o apoio à prevenção e combate aos fogos florestais, que, segundo os meteorologistas, tenderão a aumentar e a ser mais destrutivos. Segundo José Guerreiro, a abordagem aos incêndios de setembro de 2024 já beneficiou da maior precisão nas previsões. “Com os novos radares e satélites em funcionamento também conseguimos prever melhor o risco de incêndio rural. Foi isso que nos permitiu uma boa gestão dos incêndios de setembro de 2024. Não só tinhamos briefings diários com a ANPC como podiamos fazê-lo com informação mais rigorosa de quatro em quatro horas”.A redução da precipitação é uma tendência esperada bem como o aumento das temperaturas, fruto do fenómeno de aquecimento global. “Nos cenários de alteração climática para Portugal, a média da temperatura máxima deverá subir 1,6 graus até 2100, no cenário mais favorável. No cenário de projeção até 2050 estamos a falar de um aumento de 1,17 graus”, indica o biólogo, doutorado em Ecologia. “Há que contar com isto e ter uma estratégia de resiliência às alterações climáticas bem estudada e bem preparada. O Boletim Agroclimático, por exemplo, é um instrumento de resiliência”..As imagens da destruição causada pela passagem da tempestade Martinho