Interrupção de gravidez cai 18,8% entre 2018 e 2021. Aumenta quota no privado
Em 2018, o último ano em relação ao qual foi publicado o relatório sobre interrupção de gravidez (IG) em Portugal, foram efetuadas 14336 até às 10 semanas por vontade da mulher. Era o número mais baixo desde 2011, naquela que é uma tendência consistentemente decrescente deste fenómeno em Portugal ao longo destes 10 anos. Em 2019, de acordo com o relatório finalmente publicado esta sexta-feira pela Direção-Geral de Saúde (DGS) e que abarca o período de 2018 a 2021, assistiu-se a um ligeiro aumento de 2,5%, com mais 360 IG, seguido de uma quebra 6,3% em 2020, com 13777 IG; em 2021, de acordo com estes dados, considerados provisórios pela DGS, a redução foi de 15,5% face ao ano anterior - contabilizadas foram até agora apenas 11640 IG, o que corresponde a uma diminuição de 18,8% desde 2018.
Estes números, que constam do Relatório de Análise Preliminar dos Registos das Interrupções da Gravidez 2018-2021, ao qual o DN teve acesso, não surpreenderam a obstetra Ana Campos, antiga diretora clínica adjunta da Maternidade Alfredo da Costa e consultora da Direção-Geral de Saúde. Alertando para a necessidade de se olhar com prudência para os números de 2020 e 2021, porque "há centros hospitalares que ainda não entregaram os dados, pode haver uma alteração, ainda que ligeira", esta especialista considera que "era expectável assistirmos a uma diferença grande no número de interrupções neste período; as pessoas não conviveram. A pandemia reduziu os contactos, todas as relações que não eram de coabitação reduziram-se muito. Também houve uma descida no número de nados vivos."
A evolução negativa nesse indicador é no entanto muito inferior à verificada nas IG.
Se em 2018 houve 87020 nascimentos com bebés vivos, e em 2019 menos 441 (uma variação negativa de 0,5%), a descida em 2020 foi de 2,4%, para 84530, e em 2021 de 5,9%, para 79582. O que significa que o número de abortos (até às 10 semanas por vontade da mulher) por 1000 nados vivos, tendo em conta os dados existentes, desceu de 165 em 2018 para 146 em 2021.
De acordo com a página Abort-report-Europe, este número levará Portugal, que, como frisa a DGS, tem estado sempre abaixo da média europeia neste indicador - um facto que a DGS atribui ao uso consistente de métodos contracetivos no país - a dar um bom mergulho na tabela no que respeita aos poucos países que apresentam dados para 2020: na Holanda, por exemplo, contabilizam-se 169 IG por 1000 nados vivos, enquanto na França são 300, a República Checa 274 e na Hungria 259 (os dados para estes países incluirão também abortos eugénicos e por motivos de saúde).
Para Ana Campos, é ainda de relevar o facto de que, ao contrário do que se temia, se manteve a idade média de gestação na IG - sete semanas - e o tempo médio de espera para as consulta em 2020 e 2021 foi de 6,22 dias - abaixo até de 2019, quando foi registado como sendo de 6,42 dias. "Tudo se manteve apesar da pandemia. Os dados são muito claros."
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) continuou a assegurar a esmagadora maioria das IG (67%), usando, maioritariamente como até aqui - em mais de 90% dos casos -, o método medicamentoso (no privado, a relação inverte-se: o método mais usado, também em mais de 90%, é o cirúrgico). Existiu no entanto um aumento da quota do privado, na ordem dos 10%.
Isso mesmo admite Dina Oliveira, chefe da Divisão de Saúde Sexual, Reprodutiva, Infantil e Juvenil da DGS. "Em 2018 a percentagem das IG no privado foi de 30%, e em 2020 e 2021 passou a 33%. Mas o SNS continuou a assegurar 68% das IG. Houve, como se sabe, uma orientação para que no período da pandemia este serviço não deixasse de ser prestado, sendo considerado prioritário, "
Ainda assim, terá havido centros hospitalares em que a consulta de IG fechou. Quantos, Dina Oliveira diz não saber ainda: "Estamos a realizar um inquérito para aferir. Mas mesmo que um hospital tenha deixado de fazer a IG tem de reencaminhar a mulher, sempre."
Outra consequência que Ana Campos aponta à pandemia e considera "importante" é da inflexão numa tendência na escolha do método contracetivo na consulta subsequente à IG. "Estava a haver uma descida paulatina na utilização de métodos hormonais, como a pílula, com vantagem para os métodos de longa duração - dispositivos intrauterinos e implantes", explica. "No período pandémico, por existir uma redução nas consultas (o DIU e o implante implicam colocação por médico), a pílula voltou a ser mais utilizada."
Dina Oliveira não vê uma variação muito relevante, porém: "Se olharmos para a última década, o método hormonal era preferido em 37 a 41% dos casos. Em 2018 o DIU foi opção de 20,7% e em 2019 de 21,4%. Houve de facto uma descida em 2020, para 17%, mas em 2021 já aumentou de novo para 20,3%. E quanto ao implante, em 2018 foi a opção em 18%; há uma descida para 16% em 2021, mas não considero existir uma quebra muito significativa. A expectativa seria de facto de que houvesse um impacto maior nestas escolhas pelo receio das pessoas de irem a serviços de saúde, mas acabou por não se verificar."
Ao contrário do que se poderia antecipar devido aos confinamentos, com o fecho das escolas, universidades, bares, discotecas e não realização de festivais a diminuirem muito os encontros dos mais jovens, a idade média das mulheres que procedeu a uma IG em 2020/21 não se alterou.
"A mediana mantém-se nos 28 anos", informa Dina Oliveira. "A média em 2018 foi de 28,9, em 2019 de 28.7, e em 2020 e 2021 de 28.8. E continuamos com uma tendência decrescente nas IG nas raparigas até aos 19 anos. Em 2020 /2021 a percentagem no total rondou os 8%."
Outra tendência que se manteve, e até acentuou na pandemia, é a do aumento da percentagem relativa de estrangeiras que recorreram à IG; a partir de 2020 foram já um quarto do total. Se em 2016 eram 17,7%, cinco anos depois chegavam já a 26,4%. trata-se de um aumento de 49%, que no entanto, em números brutos, é bem menos impressivo: em 2018 recorreram à IG (até às 10 semanas por vontade da mulher) 3044 estrangeiras; em 2019, foram 3506; em 2020, 3443 e em 2021, 3073.
Quanto aos quatro outros motivos aceites legalmente para IG, nota-se uma diminuição acentuada, em 2020 e 2021, nas interrupções para "evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para a saúde física ou psíquica da grávida": em 2018 foram 89 e em 2019, 72. Já em 2020 contaram-se apenas 51, e em 2021, 49. à primeira vista, a redução parece não se explicar apenas pela variação no número das gravidezes.
Nas IG efetuadas como "único meio de remover perigo de morte ou grave lesão para o corpo ou para saúde física ou psíquica da grávida" não há grande variação entre 2019 e os dois anos seguintes: variaram entre 11 e 10.
O chamado aborto eugénico (quando seja diagnosticada grave doença ou malformação congénita do nascituro), que desde 2008 variou entre os 442 de 2016 e os 578 de 2018, parece não ter apresentado grande variação nos anos da pandemia: em 2019 existiram 566, em 2020, 514 e em 2021, 453.
Já quanto à interrupção de gravidez resultante de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual 2021 foi o ano, desde 2008 (quando se registaram 17 destas IG), em que o número foi mais reduzido: sete. Em 2020 foram 16, mais três que no ano anterior.
O número total de IG de todos os tipos contabilizadas em 2019 foi assim de 15358, mais 343 que em 2018. Em 2020 a soma foi de 14369, e em 2021 de 12159.