Pagar pelo lixo que faz, não pelos banhos que toma

Deco lança campanha a exigir alteração do tarifário dos resíduos para o sistema de poluidor-pagador. Guimarães tem projeto no centro histórico que beneficia quem faz reciclagem
Publicado a
Atualizado a

Um consumidor que produz muito lixo e toma um banho por semana paga menos pelo que deita fora e não recicla do que outro que faz a separação dos resíduos mas toma banho todos os dias. Pagamos em função da água que gastamos e não dos estragos para o ambiente. A Deco lançou uma campanha contra este sistema - no site www.lixosemagua.pt - e, sempre que alguém assina, é enviada uma carta para a autarquia correspondente a pedir a alteração do sistema de tarifário.

"Subscrevo a campanha da Deco Proteste porque considero que o método atual de cobrança de resíduos é injusto e sem fundamento", refere a carta que é acionada automaticamente para a câmara onde reside o subscritor. Justifica que não são reconhecidos "os comportamentos ambientalmente responsáveis e não há vantagem económica por separar os resíduos recicláveis". Pedem ao edil e à autarquia que, até 2020, em articulação com a entidade gestora dos lixos, definam uma nova estratégia para o cálculo de valor de resíduos sólidos urbanos. Ou seja, que aplique o PAYT (pay-as-you-throw), "pagar o que produzes".

No primeiro dia, quinta-feira, ultrapassaram as 500 assinaturas, sendo que a campanha decorre até ao final de novembro. "Uma mudança destas não se faz de imediato, requer uma alteração de comportamento da população e temos três anos para preparar em conjunto um sistema diferente e em que o valor dos resíduos deixe de estar indexado ao volume de água consumido", explica Bruno Santos, técnico da Proteste responsável pela campanha. O prazo avançado tem que ver com o período de vigência do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos, que visa, entre outros, aumentar de 24 % para 50% a taxa de preparação de resíduos para reutilização e reciclagem e assegurar níveis de recolha seletiva de 47 kg/habitante/ano (portaria n.º 187-A/2014, 17 de setembro).

Como cumprir as metas

Rui Berkemeier, especialista em resíduos da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, não tem dúvidas de que tais objetivos só serão atingidos quando compensar financeiramente fazerem reciclagem. "As pessoas passam a pagar só o lixo indiferenciado, o que faz que paguem menos quando fazem a reciclagem do lixo."

Para se chegar àquele sistema, o especialista defende que é fundamental as recolhas seletivas porta a porta e de lixos orgânicos. E que haja vontade política: "As autarquias culpam o consumidor de ser preguiçoso, de ser porco, quando essa não é a principal razão. É uma questão política e de interesses instituídos porque, para o sistema funcionar, é importante que sejam as autarquias que promovem a reciclagem a ganhar e não as entidades que fazem a gestão dos lixos."

Projetos-piloto

Em Portugal, há algumas experiências e, tanto quanto o DN apurou, apenas a câmara de Guimarães reverte as preocupações ambientais no bolso do consumidor. O novo sistema funciona na zona histórica da cidade desde abril de 2016, envolvendo 600 utilizadores: 350 domésticos e 250 empresas. O valor pelos resíduos não é cobrado com a água mas nos sacos para o lixo indiferenciado vendidos - o de 30 litros custa 34 cêntimos. Os da recolha seletiva são gratuitos. Em regra, o consumidor paga metade do que pagava antes.

Dalila Sepúlveda, engenheira ambiental responsável pelo projeto, sublinha que o modelo implica coordenação e vigilância, o que é facilitado por ser um meio pequeno e todos se conhecerem. Os sacos de lixo que não pertencem ao sistema são sinalizados e o seu proprietário identificado, garantindo a técnica que ainda não houve necessidade de aplicar multas. Ultrapassaram as expectativas no primeiro ano, tendo aumentado em 126% a recolha seletiva e diminuído em 35 % os resíduos indiferenciados. Pensam alargar a medida no próximo ano às freguesias do centro da cidade: Oliveira do Castelo, São Sebastião e São Paio.

Iniciativa elogiada por Rui Berkemeier, que diz só pecar pelo número reduzido de pessoas abrangidas. Considera que a Câmara de Maia é a que mais tem feito neste capítulo, mas que não o faz repercutir na faturação e "uma das razões é porque perde dinheiro com a reciclagem". Esteve recentemente em Veneza, que segue o sistema de poluidor-pagador com 600 mil habitantes, "o que mostra que é possível".

Os responsáveis da autarquia da Maia justificam ao DN a não repercussão da reciclagem na fatura por dificuldades operacionais. Têm contentores com chip que dá sinal para os carros do lixo quando estão cheios, a recolha seletiva porta a porta em 90% dos lares e contentores subterrâneos nos restantes 10% que funciona por cartão e abre uma gaveta onde é depositado o lixo e contabilizado.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt