O argentino do Estoril que pinta o Oriente onde nunca esteve
No cavalete aberto no quarto transformado em estúdio na casa de Cohen Fusé, no Estoril, está ainda por acabar uma das mulheres icónicas da obra do pintor argentino: o rosto que nos olha diretamente é ocidental, o xaile/quimono tem grandes flores amarelas e rosa, criadas graças a dezenas de pequenas pinceladas paralelas. Na mão, a mulher tem um leque vermelho, que ainda há de ganhar vida. "A inspiração oriental já vem de miúdo, fiquei fascinado quando vi os primeiros livros sobre arte japonesa, aqueles quimonos...", recorda o artista, lembrando que o fascínio não foi só seu, mas de artistas como Monet, Renoir ou Van Gogh. "Todos ficaram malucos com a arte oriental", diz, deixando claro que não se está a comparar com eles. "São todos grandes monstros, eu sou um pequenino", ri-se.
Apesar dessa inspiração oriental, Cohen Fusé nunca esteve no Oriente. "Tenho tido convites, mas nunca calhou. Como sempre digo, a oportunidade bate sempre à porta e se estiver em condições, então vou", diz o pintor de 72 anos , há mais de 30 em Portugal. E o facto de nunca ter viajado para terras orientais, não significa que a sua obra não seja apreciada por lá. "Tenho clientes e público de toda a parte do mundo, de Taiwan, da Turquia, há muita gente do Irão, até da Coreia do Norte", explica. "Gostam da parte oriental, gostam das cores, o fenómeno das mulheres", conta, dizendo que sempre gostou do feminino. "Não sou capaz de pintar homens, já o fiz, mas não me sinto cómodo. O mundo feminino é o que me atrai, o que me leva a fazer isto."
Marroquino, italiano e índio
Na sala de Cohen Fusé, que por causa do mural numa das paredes mais parece um jardim, há um aparador de madeira com o tampo coberto de molduras. Algumas fotos são ainda a preto e branco, como a que mostra o avô Cohen, um marroquino nascido em Tétuan que imigrou para a Argentina. "Foi aí que conheceu e casou com a minha avó, que tinha sangue índio", explica o pintor. "O meu pai foi o único filho que tiveram." Do lado da mãe, que teve nove irmãos, o sangue é todo italiano, do Norte de Itália, junto ao lago de Como e Turim. A Argentina era então a "terra prometida" e os nonnos (como se refere aos avós maternos) conheceram-se no barco para lá.
Ao lado das fotos de família, há outras com os amigos. Numa delas está Amália. "Eu gostava imenso dela, ela era uma fora de série, falava um espanhol perfeito e tinha uma voz de anjo", conta, dizendo-se arrepiado só de recordar como era ouvir a fadista "ao vivo e a cores". Se a luz foi a primeira coisa que fascinou Cohen Fusé à chegada à Portugal, no início da década de 1980, foram as gentes e os amigos, muitos deles entretanto já falecidos, que ajudaram a que fosse ficando. "Aquela época em Lisboa era muito bonita, numa noite estávamos em casa da Amália, noutra onde estivesse a Natália Correia... Se calhar também era uma época bonita porque eu era jovem", ri-se. "O tempo vai passando muito rápido. Um dia olho para o espelho e pergunto: quem é este velho que está aqui a olhar para mim?"
Luis Cohen Fusé nasceu em Buenos Aires em 1944, mas ainda não tinha quatro anos quando se mudou para Mar del Plata, a 400 quilómetros da capital argentina. A arte sempre fez parte da sua coluna vertebral - desenhava e pintava desde criança - e o curso de Arquitetura tirado no regresso a Buenos Aires parece-lhe a "eleição natural". Antes já estudara para ser professor e tirara um curso de Cerâmica. Foi na viagem após o final do curso, a Barcelona, que conseguiu emprego como arquiteto e resolveu ficar na Europa, conseguindo entretanto a nacionalidade espanhola. "Mas, a determinada altura, tive de fazer uma opção. E comecei a pintar e a pintar, até hoje." Em Espanha conheceu a mulher, Rosario, e foi aí que nasceu o filho, Alberto, quando os pais já andavam entre lá e cá.
Do Estoril para o mundo
A vinda para Portugal foi quase por engano, em 1982. Foi convidado para fazer uma exposição em Aveiro - "nem sabia onde era" - e acabou por ir ficando. Um ano depois, mudou-se para Lisboa e o Estoril. "O sítio onde moro é idílico. Eu preciso de mar e este mar, na parte velha de Cascais, faz-me lembrar Mar del Plata." Hoje, graças à internet, não tem de morar "num sítio da moda" para ver o seu trabalho reconhecido. "A vida de artista tem mudado muito. Tudo se faz através da internet", explica, admitindo contudo que é a mulher, Rosario, espanhola, que trata dessa parte do trabalho - "sou um fracasso na internet, é ela que faz tudo". Mas Cohen Fusé brinca que se existisse internet quando ele tinha 20 anos "agora era superfamoso".
Com mais de 60 exposições individuais e coletivas desde 1963 na Argentina, EUA, Espanha ou Portugal - em 2015, o Museu do Oriente acolheu uma retrospetiva da sua obra -, Cohen Fusé sonha ainda ver o seu trabalho exposto no Moma - "é uma instituição e expor lá significa que somos conhecidos" - ou no Museu de Belas-Artes de Buenos Aires. "Na Argentina não sou tão conhecido como sou em Portugal. Para eles sou um bocadinho um imigrante. Na Argentina sou estrangeiro e aqui sou argentino", explica o pintor. Em relação ao futuro, passa por continuar a pintar: "Trabalharei até ao fim dos meus dias. Que o meu último suspiro seja com um pincel na mão."