Naufrágios com 2500 anos no Mediterrâneo. Vai um mergulho na Antiguidade?

Projeto europeu, que inclui portugueses, junta arqueologia subaquática e inteligência artificial para criar realidade virtual. Objetivo dos jogos é divulgar a história das navegações mediterrânicas na Antiguidade Clássica
Publicado a
Atualizado a

Restos de madeiras, um amontoado de ânforas dispostas na forma de um navio, muitas feitas em bocados, outras enterradas na areia, a 94 metros de profundidade. Ao largo da costa de Malta, os restos do naufrágio de Xlendi poderão ser os do mais antigo navio que se conhece afundado no Mediterrâneo, há perto de 2500 anos. E que tal um mergulho, sem ter de se molhar?

Ainda não é possível, mas já não falta muito. Juntando técnicas tão diversas como as fotografias e os vídeos subaquáticos do local, as ciências da computação, a digitalização de imagens em 3D e a inteligência artificial, um grupo de investigadores europeus, incluindo uma equipa portuguesa, está a criar jogos de realidade virtual para que esses "mergulhos" possam ser feitos. É o projeto iMareCulture, que já leva um ano de trabalho.

O achado do naufrágio de Xlendi foi feito em 2008 e ainda está em estudo, mas ele é tão emblemático, pelas suas centenas de ânforas no fundo mar e pela sua antiguidade, que foi um dos três locais arqueológicos submersos do Mediterrâneo escolhidos para o projeto. Dentro de dois anos, com um telemóvel ou um tablet, já poderemos, qualquer um de nós, descer às profundezas desse e dos outros dois locais selecionados, flutuar em torno dos despojos, contar as ânforas, classificá-las, juntar os pedaços certos, como num puzzle... e ganhar pontos.

O objetivo dos jogos virtuais que aí vêm com o iMareCulture é divulgar a história das navegações mediterrânicas na Antiguidade Clássica, que abarca portos, mercadorias, rotas e navios gregos, fenícios e romanos, e criar novas ferramentas de inteligência artificial para levar a um novo patamar as tecnologias de ponta de reconhecimento e integração de formas. Para os arqueólogos subaquáticos, que trabalham num ambiente hostil, as vantagens são óbvias. "O mapeamento dos locais no fundo marinho, a integração e a modelização da informação, para a reconstituição de objetos de que só existem partes, por exemplo, vão ganhar maior rapidez e tornar-se mais fáceis", explica Alexandre Monteiro, arqueólogo subaquático do Instituto de Arqueologia e Paleociências (IAP) da Universidade Nova de Lisboa, e o coordenador da equipa portuguesa no projeto.

Com 2,7 milhões de euros do programa europeu Horizonte 2020, o iMareCulture conta com 12 parceiros, entre universidades, laboratórios e institutos de investigação de oito países (sete europeus e o Canadá), e é liderado pela Universidade Tecnológica de Chipre.

"A ideia é, por um lado, valorizar a herança marítima comum, divulgando esse conhecimento de uma forma lúdica e acessível a todos, crianças e adultos", diz o arqueólogo. A divulgação desse conhecimento "é fundamental para as pessoas perceberem que a Europa, como entidade, vem lá de trás, da civilização greco-romana, e que há uma continuidade do projeto europeu, que não começou apenas com o Tratado de Roma [que em 1957 fundou a Comunidade Económica Europeia]".

Por isso, uma das questões-chave, nota Alexandre Monteiro, é "garantir o rigor histórico e científico" dos jogos e das visitas virtuais que vão ser criados - além do naufrágio de Xlendi, junto à costa de Malta, vão ser modelizados também o de Mazotos, ao largo de Chipre, que conta com mais de 800 ânforas, a 44 metros de profundidade, e a vila romana de Baiae, afundada junto a Nápoles, a poucos metros de profundidade, já musealizada.

Um jogo digital de estratégia chamado Seafarers (navegadores) é outro dos produtos centrais do projeto, que ficará disponível on line para toda a gente. O jogador é um comerciante da Antiguidade Clássica sediado num porto mediterrânico, tem navios e dinheiro atribuídos, e tem de transportar mercadorias de um porto para outro para ganhar dinheiro. De caminho aprende o que há para saber sobre navios da época, portos, tipo de mercadorias e a navegação antiga no tempo do Mare Nostrum.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt