Da Vinci. O robô que é uma extensão das mãos do cirurgião
Há 50 anos poderia parecer ficção científica. Hoje é uma realidade que começa a ganhar força em Portugal. A cirurgia robótica é o futuro, as máquinas tornam-se a extensão das mãos do cirurgião e permitem fazer operações pouco invasivas com maior precisão. Da Vinci é o nome do robô na imagem. Este é o último modelo, são os braços, os pulsos, os dedos articulados do cirurgião Carlos Vaz, especialista em cirurgia robótica e laparoscópica (minimamente invasiva, recorrendo a apenas três ou quatro pequenos golpes por onde são introduzidos os instrumentos cirúrgicos).
Fez as primeiras operações robóticas em 2010, quando um hospital privado em Portugal comprou a primeira máquina. Hoje lidera a recém-criada unidade de cirurgia robótica na Cuf Infante Santo. Ainda se lembra bem da primeira vez: uma cirurgia da obesidade. Esta, diabetes e cancro do reto são as suas especialidades. Até ao final do ano a equipa liderada por Carlos Vaz espera fazer entre 100 e 200 operações com o robô.
O médico é o único instrutor de cirurgia robótica com este robô da obesidade e da diabetes da Península Ibérica e em 2013 fez uma operação em direto num congresso na Turquia, à qual assistiram seis mil pessoas. Não é perturbador? "Para mim não. Mas depende tudo do à-vontade do cirurgião". Carlos Vaz diz que cedo, na sua carreira, foi orientado para a cirurgia minimamente invasiva, nomeadamente laparoscópica. "Os instrumentos são iguais aos da cirurgia tradicional, apenas diferentes no desenho que permite acesso. É um instrumento muito fininho, mais fino do que uma caneta, com 30 centímetros. Numa ponta está a pega, na outra a tesoura, por exemplo."
Mas a laparoscopia colocou desafios: a falta da tridimensionalidade, apesar de a qualidade da imagem das câmaras ser melhor do que a do olho, e a falta de flexibilidade em comparação aos dedos e pulsos do médico. Os instrumentos não são articulados, explica Carlos Vaz, porque "o cérebro não é capaz de fazer um conjunto de movimentos complexos ao mesmo tempo que está preocupado em controlar o instrumento". E é aqui que a ciência entra. "O instrumento está dentro do doente e eu estou numa consola, com o joystick, e quando mexo o meu punho, o instrumento faz o mesmo movimento. Isto é a cirurgia robótica."
Tirar a carta e ser piloto de rali
Comandar a máquina como um maestro faz com a orquestra obriga a treino. Carlos Vaz prefere fazer uma outra comparação. "Existem dois treinos. O primeiro é aprender a lidar com a máquina - a formação é fornecida pela empresa - num modelo ou boneco. Costumo comparar com o tirar a carta de condução. Mas uma coisa é ter a carta de condução, outra é conduzir num rali e ficar bem classificado. Isso já requer outro treino, porque cada operação que faço, preciso de aprender a fazê-la no robô", refere o médico. Esse treino é feito de duas formas: a primeira com a ajuda de um instrutor internacional, proctor como se chama, que acompanha o médico nas primeiras operações até que este tenha capacidade de as fazer sozinho, e a outra, a experiência do médico.
Para o doente, quais as vantagens? "Todas as operações que pressupõem dissecção (separar tecidos de outros) têm de ser precisas e exatas. Instrumentos com mais versatilidade de movimentos permitem fazer o trabalho de forma mais precisa. Por exemplo, evitar tocar em nervos quando se faz a remoção de um cancro da próstata ou do reto. Com o robô é como se me tornasse uma miniatura de mim dentro do doente", explica.
A opção ainda não é para todos os doentes, embora em teoria todos os candidatos a cirurgias laparoscópicas sejam também potenciais candidatos a esta. A razão prende-se mais com os custos: cerca de mais 10% em relação ao preço de uma laparoscopia.
Esta é uma solução que ainda não existe no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Acredito que haverá dentro de quatro a cinco anos. O SNS passou por um período de contenção que talvez tenha impedido investimentos. A robótica significa um investimento inicial, que depois tem um grande retorno na qualidade de vida e na diminuição das complicações dos doentes. Creio que dentro de algum tempo toda a cirurgia será robótica", diz.