Colesterol trava resposta imunitária contra o cancro de mama

Células antitumorais usadas no estudo, que foi feito por portugueses, já estão em testes pré-clínicos. Descoberta vai otimizar futuros tratamentos de imunoterapia contra cancro
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Não é segredo que o colesterol - o mau - tem custos para a saúde. Aumenta o risco de doenças cardíacas e de acidentes vasculares cerebrais, e estudos realizados nos últimos anos, incluindo pelo investigador português Sérgio Dias, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM), também já tinham demonstrado que os níveis altos de colesterol favorecem o cancro de mama. Agora, a mesma equipa de Sérgio Dias e a de Bruno Silva-Santos, também do IMM, deram mais um passo essencial, e descobriram que o colesterol tem um papel determinante nesse processo: ele reduz a capacidade de resposta do sistema imunitário contra as células de cancro da mama.

"É uma descoberta importante", reconhece Sérgio Dias, sublinhando que "esta foi a primeira vez que se identificou este efeito inibitório do colesterol na resposta do sistema imunitário face às células cancerosas".

Para se ter uma ideia da relevância deste novo dado, é preciso entender o seu contexto. Ei-lo, nas palavras de Sérgio Dias: "a resposta imunitária contra o cancro esteve sempre no radar dos investigadores e dos médicos, mas agora está cada vez mais na ordem do dia porque estão a ser descobertas diferentes formas de utilizar o sistema imunitário contra o cancro". Por isso, explica o investigador do IMM, este papel inibidor do colesterol relativamente à atividade do sistema imunitário, "tem de passar também a ser tido em conta no tratamento dos doentes [oncológicos]".

A equipa de Bruno Silva-Santos está, aliás, a fazer trabalho de investigação nesta área, e já tem mesmo a sua investigação numa fase pré-clínica, para desenvolver futuras terapias do sistema imunitário contra vários tipos de cancro.

Nesses estudos, Bruno Silva-Santos utiliza um tipo de linfócitos do sistema imunitário chamados células T gama-delta, que têm propriedades antitumorais - o seu laboratório, no IMM, "é um dos líderes mundiais no estudo destas células", diz Sérgio Dias - , e essa foi uma das razões por que o estudo sobre o papel do colesterol também utilizou estes linfócitos.

Na prática, o que as duas equipas do IMM descobriram foi que, na presença do colesterol LDL (de Low Density Lipoprotein, que é o tal colesterol mau), as células T gama-delta perdem significativamente a sua capacidade de reconhecer células de cancro de mama, e perdem também capacidade de ativação. Em consequência disso, tornam-se muito menos eficazes a eliminar essas células cancerígenas - na verdade, não chegam sequer a reconhecê-las.

Para chegar a esta conclusão, a equipa isolou linfócitos T gama-delta a partir do sangue de dadores saudáveis, expô-los a diferentes níveis de colesterol LDL e mediu os efeitos na capacidade de ativação para destruir células de cancro da mama.

Depois os investigadores usaram modelos animais de cancro de mama (usaram ratinhos) e conseguiram demonstrar que a capacidade antitumoral dos linfócitos T gama-delta fica significativamente reduzida.

Na base da futura utilização de imunoterapias contra o cancro, utilizando estes linfócitos T gama-delta, a ideia é, a partir do sangue do doente, isolar esses linfócitos, aumentar a sua quantidade e depois reinjectá-los em grande quantidade nos doentes.

Num momento em que esta estratégia desenvolvida por Bruno Silva-Santos está prestes a passar à primeira fase de ensaios clínicos, a nova informação sobre o papel do colesterol pode ser decisiva para determinar o sucesso da futura terapia, acreditam os investigadores do IMM.

Em Portugal, o cancro de mama é o cancro da mulher com maior taxa de incidência, com cerca de cinco mil novos casos por ano. Anualmente morrem cerca de 1500 mulheres com a doença.

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