Cientistas saem à rua em defesa da ciência. Lisboa diz presente

Marcha nasceu nos Estados Unidos para afirmar valores da ciência, atacados pela administração Trump, mas movimento globalizou-se. Carlos Moedas participa no desfile em Lisboa
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Começou por ser um grupo no Facebook. Inspirado pela Marcha das Mulheres, que juntou milhões em várias cidades dos Estados Unidos contra a administração Trump, em janeiro, esse núcleo inicial de cientistas propôs uma manifestação em Washington, em defesa da ciência. Mas, em pouco tempo, a ideia ganhou asas e tornou-se um movimento global.

A Marcha pela Ciência, que nasceu nos Estados Unidos, em fevereiro, em protesto contra as políticas "anti-científicas" de Donald Trump, sai hoje à rua, sim, mas não só em Washington. Hoje, os cientistas vão desfilar em mais de 500 cidades por todo o mundo, incluindo em Lisboa - e por cá com participantes de peso, como o comissário europeu Carlos Moedas, a cientista Maria Mota, ou o cientista e deputado pelo PS Alexandre Quintanilha.

A ideia é fazer uma festa global em defesa da ciência, mas deixar também um alerta: sem ciência não há democracia.

O objetivo da marcha é, por isso, "defender o papel vital da ciência na nossa saúde, nas economias e nos governos", como se lê no site internacional marchforscience.com. E, embora não haja ali referências explícitas à administração Trump - a iniciativa apresenta-se como "uma celebração da ciência" enquanto "pilar da liberdade humana e da prosperidade" -, a atitude "anti-científica"do atual presidente dos Estados Unidos não deixa de estar nas estrelinhas e explicará até a adesão que o movimento ganhou tão rapidamente.

A frase que o diz é esta: "Face a uma alarmante tendência para desacreditar o consenso científico e restringir as descobertas científicas, devemos perguntar-nos: podemos dar-nos ao luxo de não sair em sua defesa?".

Sob a forma de pergunta, aquela é também uma resposta aos que já se mostraram publicamente contra o desfile - é o caso, entre outros, do antigo conselheiro científico de Obama, o físico James Gates, que teme infiltrações de provocadores. Mas aquela é igualmente a principal justificação para o desfile. Não se cita o presidente Trump, mas é às suas políticas e aos sinais que a sua administração tem dado em relação ao setor que aquelas palavras aludem.

Cortes nas verbas federais

Os sinais têm-se avolumado, mas já eram visíveis antes mesmo de Trump ser presidente, quando ainda em campanha se referiu às alterações climáticas "como uma invenção da China", passando por cima de toda a fundamentação científica da questão. Como presidente, não melhorou.

Logo em janeiro emitiu uma ordem para impedir os funcionários da EPA, a agência nacional de proteção ambiental, e do Departamento de Agricultura, de partilharem publicamente as suas investigações, incluindo nas redes sociais; à frente da mesma EPA colocou Scott Pruitt, que tem ligações próximas a empresários de companhias petrolíferas, enquanto ele próprio dispensou os tradicionais conselheiros científicos da Casa Branca - pelo menos até agora.

A juntar a tudo isso, a sua proposta de orçamento prevê cortes massivos nas verbas federais para a investigação científica que, a serem aprovados, afetarão instituições como os National Institutes of Health, a EPA ou a NASA.

Os cientistas decidiram então sair à rua para mostrar o que vale a ciência, conseguindo, na sua dinâmica, contagiar companheiros de profissão e simpatizantes um pouco por todo o mundo.

Lisboa, onde a marcha está a ser organizada por Gil Costa, neurocientista, Joana Lamego, bióloga, ou o também neurocientista Eric Dewitt, oriundo dos Estados Unidos e há cinco anos a trabalhar em Portugal, na Fundação Champalimaud, é uma das mais de 500 cidades onde hoje há festa pela ciência.

"O objetivo é dar apoio aos cientistas americanos que enfrentam ameaças, como cortes no financiamento, mas também dar visibilidade à ciência, fomentar a cultura científica e deixar a mensagem de que a ciência é um valor essencial na democracia sem o qual não há decisões políticas e sociais informadas", resume Gil Costa.

O comissário europeu da Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, é um dos que se associa à manifestação, que parte às 14.00 do Largo de São Mamede e vai até ao Largo do Carmo. Aí, a partir da 16.00, há festa, com demonstrações científicas e um comício, no qual intervirão, entre outros, Maria Mota e também Carlos Moedas.

"Para mim, esta marcha não é contra o que quer que seja, mas antes uma afirmação positiva, uma iniciativa cidadã em defesa do papel da ciência nas nossas sociedades", afirma Carlos Moedas, sublinhando que "este movimento nasce na sociedade civil", e que Europa, com os seus sucessos nesta área, "tem boas razões para marchar pela ciência".

Já Eric Dewitt, o americano que é um dos organizadores da marcha em Lisboa, não esquece as ameaças que pairam sobre a ciência e os cientistas no seu país, e espera que a "energia desta marcha" possa servir para "a consciencialização da importância da ciência na construção das sociedades desenvolvidas e democráticas".

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