"As pessoas não querem ter hora de inverno, mas sim estar sempre na do verão"
É esta madrugada, quando for 01.00, que os relógios avançam 60 minutos e entramos na chamada hora de verão. É uma alteração que é feita há vários anos em muitos países e obrigatória para os 28 estados da União Europeia. A discussão em torno da necessidade desta mudança é cíclica, este ano ampliada pela resolução do Parlamento Europeu, aprovada por maioria em fevereiro, em que pediu à Comissão Europeia para avaliar, de forma exaustiva, a necessidade de manter a hora de verão. O último estudo da comissão data de 2007 e aponta uma série de vantagens para que a mudança de hora ocorra e refere que nenhum Estado membro manifestou vontade de abandonar.
Este estudo pretendeu avaliar o impacto da diretiva que entrou em vigor em 2000 (a primeira diretiva de harmonização data de 1996). Nesta avaliação, a CE conclui que a mudança de hora é necessária para manter o bom funcionamento do mercado comum. Os setores dos transportes, agricultura e turismo são apontados como os que mais beneficiam. A poupança de energia elétrica também acontece, de forma reduzida, e os impactos na saúde são reconhecidos, com a alteração no biorritmo, mas, diz o estudo, são ultrapassados em curto espaço de tempo e não têm riscos de maior em termos futuros.
Ora é pela vertente do impacto na saúde das pessoas que o Parlamento Europeu, também após a leitura de um estudo, pediu à CE uma nova avaliação. A mudança de uma hora tem assim um efeito tão nocivo que potencie os riscos de ataque cardíaco, de cansaço extremo que leve a mais acidentes de viação ou depressões, como referem os opositores da mudança de hora? "Não tem. É pura especulação sem base científica ou pelo menos com uma base científica pouco robusta", responde de forma categórica Joaquim Moita, médico que dirige o Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
"A adaptação fisiológica ao novo horário demora um dia. Em pessoas mais desregradas no sono, pode ir até uma semana", esclarece o também presidente da Associação Portuguesa do Sono, para quem também "não faz sentido" dizer que as crianças são mais afetadas. "O problema com as crianças, sobretudo em Portugal, é que se deitam muito tarde e levantam-se muito cedo. Sofrem mais de privação de sono."
O conselho que deixa para a próxima noite é que as pessoas "se deitem meia hora depois do habitual e acordem meia hora antes da hora a que por regra se levantam. Não deve é ficar na cama mais uma hora". Para o médico, a mudança de hora "pode ser discutida do ponto de vista político, social e económico", mas não é pela vertente da saúde que deve ser posta em causa. E critica "o alarme que se cria, com estas questões, que não se justifica de todo".
O astrofísico Rui Agostinho, que dirige o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), o organismo responsável pela hora legal em Portugal, admite que será interessante a realização de um amplo estudo à escala comunitária. "Teria de ser feito em cada país, para saber os efeitos a nível económico, educação, saúde, energia e lazer. Há países na UE em diferentes geografias - no Norte há menos horas de exposição solar - e para se tomar um decisão política, como é o caso, deve ser com dados seguros."
O tema proporciona demasiadas confusões, adverte. "Há muito quem confunda a hora de verão com a hora oficial. Esta é definida por cada Estado e Portugal está agora no fuso UTC+0, uma hora a menos do que Espanha e a maioria da UE. "Pode mudar se entender. Já o fez na década de 1990 [entre 1992 e 1996]. O que é obrigado a seguir é a mudança de uma hora, no verão e no inverno, imposta pela diretiva comunitária, independente da hora oficial de cada país", salienta.
Em Portugal, há muitos pedidos para acabar com a hora de verão, seja através de petições online, sem seguimento, ou de mensagens enviadas ao próprio OAL. "Há muita confusão. As pessoas querem simplesmente não ter hora de inverno e estar sempre na do verão", diz Rui Agostinho. Ora, no caso português o horário de inverno é o mais próximo da hora solar. No verão, Portugal está desfasado da hora solar 1 hora e 37 minutos e, com o acerto dos relógios no inverno, a diferença passa a ser de apenas 37 minutos.
Neste contexto, Rui Agostinho alerta que as decisões, a serem tomadas, "têm de deixar a maioria das pessoas confortáveis em toda a UE, com a certeza de que não será possível satisfazer a todas de igual modo", devido às diferentes geografias. A verdade é que nenhum país da UE levantou oficialmente qualquer objeção ao sistema atual.