Estudantes de Medicina ajudam pessoas com deficiência a perder o medo

Quem disse que só as crianças é que se assustam com batas brancas e seringas? Hospital dos Pequeninos recebeu utentes portadores de deficiência mental, que levaram bonecos para serem tratados
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Pedro Eurico e Nélia Sousa namoram "desde 2001". São utentes da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) do Porto e estiveram presentes em mais uma edição do Hospital dos Pequeninos, montado nas instalações da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. O Pedro levou o boneco Afonso para ser tratado, porque tinha "os dentes podres e dores", e Nélia levou a Nancy Patrícia para ser examinada. Foram recebidos por futuros médicos, na triagem, e encaminhados para o consultório de dentária, onde mostraram o que sabiam sobre higiene oral. E surpreenderam.

É habitual aquele ser um hospital dos pequeninos - tanto que até era preciso baixar a cabeça à entrada - mas, lá dentro, só encontrámos adultos. Era um dia especial. A primeira vez que a iniciativa recebia pessoas com deficiência. "Achamos que é uma população socialmente distanciada e que nem sempre tem acesso a estes conhecimentos. Por isso, arranjámos uma forma mais simplificada de lhes dar acesso a informações de nutrição, dentária e outros cuidados de saúde", explicou ao DN Mariana Oliveira, do departamento de voluntariado, saúde pública e ação comunitária da Associação de Estudantes.

Não faltava nada neste hospital de brincar. Havia máscaras para todos e até um helicóptero do INEM suspenso no teto. Quem atendeu Pedro e Nélia foi Beatriz Silva, 20 anos, aluna do 2.º ano de Medicina Dentária. "Estivemos a ver algumas práticas de higiene. Eles conheciam muito bem as técnicas de lavagem dos dentes", disse ao DN, enquanto Nélia distribuía simpatia pelos presentes. A aluna reconhece que é uma experiência "muito diferente", mas, ressalva, "muito enriquecedora". "Não são crianças, mas são meninos especiais."

Depois de passarem pela sala de triagem, os utentes da APPACDM levavam os seus bonecos para os diferentes consultórios, entre os quais o de análises clínicas, acidentes, dores de cabeça, bloco operatório e dores de barriga. Por onde passavam, conviviam com batas, estetoscópios, seringas, compressas, todo o tipo de material médico. "Há alguns que adoram ir ao médico, mas outros não. Muitos têm idade adulta, mas são crianças. É bom que os tratem como adultos, mas que percebam os seus medos e angústias", frisou Paula Leitão, monitora da associação. Ana Costa, a outra monitora, escolheu precisamente aqueles utentes "que têm mais medo de médicos, vacinas e batas".

Maria da Graça, 52 anos, não cabia em si de felicidade. "Nem me acredito nisto", repetia, com um sorriso, enquanto conversava com o DN. Levou consigo o nenuco Francisco, que "tinha dores de cabeça e de dentes". Acabou com a cabeça e a perna ligadas. "Levou uma vacina, fiz-lhe o curativo e dei-lhe um comprimido. Vimos o coração e estava tudo bem", sublinhou Maria.

O Homem-Aranha chegou nos braços de Fábio. "Dor de cabeça e no pulso", lia-se na ficha médica. "Até foi ao bloco operatório. Gostei", contou o seu cuidador. Já José Fernandes, de 48 anos, levou a Beatriz ao médico porque estava com "dores do coração". "Auscultaram-lhe o coração. Está tudo bem. Se eu gostei? Eu adorei", referiu o utente.

No consultório de nutrição, João ouviu atentamente as estudantes explicarem-lhe quais os alimentos saudáveis e os menos saudáveis. Entre maçãs, cenouras, hambúrgueres e outros alimentos em cartão, Beatriz Almeida, 19 anos, estudante de Nutrição, realçou que está "é uma forma de pôr os estudantes à prova em relação às pessoas que podem encontrar no futuro". "Têm um comportamento diferente daquele que as crianças têm, merecem uma atenção especial", frisou.

Nos quatro dias, passaram pelo Hospital dos Pequeninos entre 800 e mil crianças dos 3 aos 7 anos de escolas e instituições do Porto. Foram atendidas por 350 estudantes de Medicina, 50 de Medicina Dentária e 50 de Nutrição. Tanto com os mais pequenos como com as pessoas com deficiência, o objetivo é, segundo Mariana Oliveira, "tentar combater o medo de ir ao médico, a ideia que o médico pode fazer pior".

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