Inteligência artificial ajuda a diagnosticar melanomas mais cedo
Há mais de dez anos que o Instituto de Sistemas e Robótica está a trabalhar com modelos de inteligência artificial junto de unidades do Serviço Nacional de Saúde, na área da dermatologia. Catarina Barata, investigadora na área, diz que o resultado é claro: permite que o doente vá mais cedo ao médico e facilita a prática clínica. O futuro passa pela IA, mas em colaboração com o lado humano.
Em Portugal, ainda são diagnosticados todos os anos 12 mil novos casos de cancro de pele, estimando-se que quase 300 pessoas tenham morrido no ano passado da doença. Do total de casos, cerca de um milhar reportam a novos casos de melanoma. E, destes, uma em cada 50 pessoas pode vir a desenvolver um melanoma ao longo da vida. O diagnóstico precoce é cada vez mais uma arma potentíssima contra o cancro, já que tem como resultado uma taxa de cura que ronda os 95%.
"Se a doença não for detetada precocemente, a taxa de cura, de um caso detetado no primeiro estádio para o quarto estádio reduz muito", explica ao DN Catarina Barata, investigadora do Instituto de Sistemas e Robótica, integrado no Instituto Superior Técnico (IST), que há mais de dez anos trabalha com modelos de inteligência artificial (IA) na área da dermatologia junto de unidades do Serviço Nacional de Saúde.
E é neste sentido que a investigadora vai participar hoje numa conferência no Centro de Congressos da Feira Internacional de Lisboa, realizada pela Liga Portuguesa contra o Cancro (LPCC), sobre "Melanoma Cutâneo: De onde e para onde?". Uma participação que também passa pelo objetivo de sensibilizar e consciencializar os profissionais, sobretudo médicos, que quando ouvem as palavras Inteligência Artificial, pensam logo em "substituição e não em colaboração", defende Catarina Barata, que, acredita, "o futuro passa por aqui".
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O futuro deve passar acima de tudo pelo diagnóstico precoce da doença, só assim se evitam as formas mais graves de cancro de pele e se aumenta a taxa de sobrevivência. Mas para que tal aconteça é preciso a colaboração do paciente. " É importante que as pessoas façam autoexames e rastreios", refere a LPCC, sublinhando mesmo que "as pessoas de olhos e pele clara, com antecedentes pessoais ou familiares de melanoma, bem como com antecedentes de múltiplas queimaduras solares, sobretudo na infância ou adolescência (ou com muita exposição a solários)", devem estar atentas, pois têm maior risco de desenvolver um melanoma.
Mas é precisamente no âmbito da deteção precoce destas situações que a IA mais pode ajudar. "O nosso objetivo é facilitar o trabalho aos doentes, fazendo com que vão mais cedo ao médico e antes que a doença atinja um estado tão avançado em que depois a probabilidade de sobrevivência já é menor do que se fosse detetada num estádio precoce. Por outro lado, há também o objetivo de aliviar o trabalho dos médicos", explica a investigadora, sublinhando que o que a IA faz é "criar ferramentas que tornem o diagnóstico mais rápido e a prática clínica mais simples, evitando penalizações para os doentes".
Catarina Barata conta ao DN que o instituto onde trabalha, o ISR, desenvolve projetos há 11 anos com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e com várias unidades do SNS, na área da dermatologia, nomeadamente com o Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, o primeiro com quem encetaram parceria, depois de o desafio ter sido lançado até por um médico dermatologista da própria unidade. "Entrámos neste projeto como parceiros da Faculdade de Ciências do Porto, mas continuámos a trabalhar ativamente na área e dar contribuições. Uma delas é a primeira base de dados pública sobre investigação em IA a nível internacional. E acredite que foi um trabalho muito importante."
Depois desta contribuição o ISR passou a trabalhar também com o instituto i3S, do IPATIMUP, e com o Hospital de São João, ambos no Porto, Hospital dos Capuchos, em Lisboa, e, muito em breve, começará a trabalhar em parceria com o IPO de Lisboa. A investigadora diz mesmo que o que vai levar à conferência que se realiza nesta sexta-feira, dia 15, "são os resultados obtidos nos últimos 11 anos em parceria com unidades de saúde na área da dermatologia. Portanto, não é um trabalho recente permitindo-nos mostrar o percurso e a direção seguida no desenvolvimento de modelos de Inteligência artificial, de modo a que estes possam ter um papel ativo na prática clínica, neste caso virada para o melanoma".
Por outro lado, Catarina Barata explica que, como investigadores e cientistas, o objetivo do trabalho que têm vindo a desenvolver no ISR "é muito demonstrar à comunidade científica que há estudos internacionais sobre IA que indicam que esta é, nalguns casos, tão boa ou melhor do que os dermatologistas, mas que isso é um pouco falacioso".
IA não substitui fator humano na doença
Até porque, fundamenta, "muitas vezes esses estudos não comparam situações nas mesmas condições. A IA foi treinada para trabalhar numas condições, os dermatologistas noutras e não há um ponto de convergência", especifica, acrescentando que o importante "é olhar para os estudos que demonstram que a colaboração entre o humano e a IA pode ser vantajosa a diferentes níveis. Não só ao nível de se poder obter um melhor diagnóstico, mas também ao nível da aprendizagem que pode ser alcançada por médicos que não são especialistas, como os de medicina familiar, os quais acabam por ser os primeiros a quem os doentes recorrem. As ferramentas de IA podem servir de apoio nestas situações".
Quando fala de ferramentas, Catarina Barata, refere-se, por exemplo, a modelos de IA desenvolvidos para telemóveis, uma aplicação específica, que pode dar no imediato e mais cedo do que o exame tradicional se a situação em causa é um melanoma ou não. Ou através de tecnologia, já existente nalgumas unidades de saúde, em que uma fotografia de um sinal, de uma lesão, pode indicar também se é ou não melanoma, ajudando a referenciar o doente para uma consulta especializada.
"Neste momento, os resultados obtidos nos vários projetos já nos indicam que a IA tem capacidade para, através das fotografias tiradas aos doentes, reconhecer se é um melanoma ou não", confirma. No entanto, sustenta, "não quer dizer que esta tecnologia seja infalível. Porque não é, mas permite fazer uma diagnóstico com uma probabilidade elevada de estar correto".
A cientista acrescenta ainda que, apesar dos avanços, a Inteligência Artificial não dispensará o trabalho e a função da anatomia patológica, especialidade através da qual ainda se tem a certeza se uma lesão é melanoma ou não.
"A IA não dispensa o procedimento da Anatomia Patológica, porque este é o único processo através do qual qualquer médico pode confirmar com certezas se se trata de um melanoma ou não, o que só é possível através da excisão da parte suspeita e da análise em laboratório. O que a IA permite é acelerar todo o processo. Ou seja, "o doente poder fazer um autoexame e ser encaminhado para uma consulta, acelerando assim o processo de terapêutica".
Catarina Barata reforça que a IA "é uma ferramenta que pode ser usada transversalmente, desde o diagnóstico até à parte da personalização das terapias definidas para o paciente, o que, à partida, dá logo melhor prognóstico para o doente".
A cientista portuguesa acredita que este será "o futuro", embora reconheça que só a expressão "inteligência artificial é assustadora". Sustenta mesmo que uma grande parte do seu trabalho é esclarecer que a IA nunca será uma substituição do fator humano. "O objetivo da IA nunca será esse, porque o fator humano é o que está conectado à interação com o paciente. A IA é o mesmo que as vacinas ou que os medicamentos e poderá ser cada vez mais usada quanto mais a comunidade perceber quais são as suas vantagens".
Por isto mesmo, um dos objetivos da investigação nesta área é que a inteligência artificial chegue a todas as unidades do SNS para melhor se tratar a população. "É o futuro, sobretudo porque vai trazer melhores condições de vida para todos, pacientes e profissionais."