Instituto de Medicina Tropical pede à população que ajude a localizar mosquito invasor

O mosquito <em>Aedes albopictus</em>, fonte de doenças graves, como dengue, Zika, chikungunya e febre-amarela, foi identificado pela primeira vez em Lisboa há três semanas. E tal só foi possível porque uma cidadã estranhou-o, fotografou-o e enviou-o para o programa "MosquitoWeb.pt". Mas, agora, o IHMT precisa de saber se anda por outros locais e pede aos cidadãos que fotografem mosquitos e enviem para o mesmo programa. É preciso prevenir a sua disseminação.
Publicado a
Atualizado a

Aedes albopictus é uma das espécies de mosquitos invasores mais perigosas, capaz de transmitir doenças como dengue, Zika, chikungunya e febre-amarela. Antes, as regiões da Ásia eram os seus territórios preferidos, mas, na década dos anos de 1970, começou a atravessar oceanos, conseguindo chegar aos EUA e à Europa. Hoje, pode dizer-se que marca presença em todos os países da Europa do Sul, nomeadamente em Portugal, onde foi identificado pela primeira vez em 2017, no Norte, junto a Penafiel, e no Algarve. Há pouco mais de um ano foi detetado no Alentejo, junto a Mértola, e, há três semanas, em Lisboa.

O grande problema em relação à capital tem a ver com o facto de esta ser a região com maior fluxo de pessoas, que se mobilizam entre regiões do país ou entre regiões de outros continentes com doença endémica dos vírus que o Aedes albopictus pode ser vetor.

Carla Sousa, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), da Universidade Nova de Lisboa, confirma: "A capital é uma região de maior risco do que Mértola, Penafiel ou Faro, que também tem um aeroporto internacional, mas cujos passageiros vêm sobretudo de países da Europa, precisamente porque no seu aeroporto entram muitas pessoas vindas da América Latina, dos trópicos e da Ásia, onde existem estas doenças, dengue, Zika, chikungunya e febre-amarela".

Portanto, em relação a Lisboa "estamos a falar de um risco acrescido". Ou seja, aqui, é mais fácil estarem reunidas as condições para que o mosquito se dissemine, se infete, através de picada em alguém que chegue infetado com um dos vírus destas doenças, e que volte a picar alguém suscetível tornando-se transmissor de doenças.

O risco é este e é preciso prevenir a sua disseminação. Até porque não há muito tempo. "Temos apenas o período até as temperaturas começarem a baixarem para sabermos onde está, fazermos o seu mapa de distribuição o mais fino possível e travar a sua disseminação", afirma a professora do IHMT, alertando: "A grande maioria da nossa população, para não dizer a sua quase totalidade, está suscetível a estes agentes patogénicos, a não ser que já tenha contraído alguma destas doenças ou que esteja vacinada contra a febre-amarela. E se tivermos uma população vetora, que são os mosquitos, muito bem instalada, em elevada densidade, a probabilidade de chegar a alguém com um agente infeccioso patogénico - ou seja com um dos vírus que provocam as doenças que já referimos - é maior aumentando a probabilidade de registarmos surtos destas doenças".

É precisamente isto que se pretende evitar. E Carla Sousa diz ser possível na fase em que estamos. Neste momento, o mosquito foi identificado em Lisboa, mas pode ainda não estar instalado. "O mosquito não chega e instala-se. Não. Leva algum tempo. Há dois tempos, o primeiro é quando chega e é detetado, e um segundo quando se percebe que já há uma população bem instalada em determinada região". Para evitar que ele se instale, ou que se dissemine rapidamente, o IHMT vem lançar um apelo à população: "Que participe no programa ciência cidadã "MosquitoWeb.pt"".

A investigadora do IHMT argumenta mesmo: "Não conseguimos impedir que chegue cá, mas podemos impedir que se instale, que se dissemine e que comece a invadir Lisboa ou outras regiões à sua volta. Mas para isso precisamos de saber onde está, se está em mais algum local do que aquele em que já foi identificado". E a resposta a esta questão pode ser dada por qualquer um de nós. Como diz, pode ser dada pelos "cidadãos que tiverem a paciência para fotografar mosquitos, para nos enviarem essas fotos, que serão analisadas para identificarmos se se trata da espécie do Aedes albopictus ou não, pois no nosso país circulam muitas outras espécies, para construirmos o mapa de distribuição da espécie".

Destaquedestaque"Não conseguimos impedir que chegue cá, mas podemos impedir que se instale, que se dissemine e que comece a invadir Lisboa ou outras regiões à sua volta. Mas para isso precisamos de saber onde está, se está em mais algum local do que aquele em que já foi identificado".

Aliás, e segundo contou ao DN, foi através deste programa, cujo link é https://mosquitoweb.ihmt.unl.pt/, que se destina precisamente a detetar precocemente espécies invasoras de mosquitos, que a presença do albopictus foi conhecida em Lisboa. Em que zona da capital, Carla Sousa diz não poder anunciar, já que tal informação só pode ser fornecida pela Direção-Geral da Saúde (DGS), mas pode dizer que "foi uma cidadã que fotografou o mosquito, achando que estava perante uma espécie desconhecida, e que deu conta dele nesta plataforma ficando nós assim a saber que este mosquito tinha chegado a Lisboa".

É quase como uma notícia em primeira mão. Por isso mesmo, Carla Sousa elogia o programa "MosquitoWeb.pt", do IHMT. "Desde o início, que tínhamos a perceção de que era um bom programa de ciência virado para a participação comunitária, embora soubéssemos que, no nosso país, este tipo de programa nem sempre tem sucesso, como tem, por exemplo, nos países do Norte da Europa ou do Centro, como na Holanda, em que a participação dos cidadãos é enorme".

O programa "MosquitoWeb.pt", e como se pode ler no site, foi criado precisamente porque "Portugal continental encontra-se na rota dos mosquitos invasores", nomeadamente de espécies que, "além de muito agressivas e incómodas, são transmissoras de doenças como a dengue ou a febre-amarela". Nesta categoria, fala-se especificamente de duas espécies capazes de transmitir estas duas doenças: "O mosquito tigre (Aedes albopictus) e o mosquito da febre-amarela (Aedes aegypti)".

O Aedes aegypti chegou a Portugal em 2005, pela ilha da Madeira, onde se estabeleceu e, em menos de oito anos, foi o responsável pela propagação da primeira epidemia de dengue na Europa, desde 1927".

O Aedes albopictus chegou em 2017, começou pelo Norte, tendo sido identificado numa fábrica de pneus de Penafiel, depois no Algarve, no Alentejo e agora em Lisboa. Até ao momento, não há conhecimento de qualquer caso em Portugal de transmissão destas doenças por este mosquito, embora todos os anos sejam detetados casos importados. Ou seja, pessoas que chegam ao país vindas de zonas endémicas já com a infeção.

Na nota emitida pela DGS, há três semanas, onde se dava conta da existência do mosquito na capital, era explicado que "este mosquito pode transmitir às pessoas doenças como chikungunya, dengue e Zika".

No entanto, referia a mesma nota, nos mosquitos encontrados não tinham sido detetados quaisquer agentes de doenças que possam ser transmitidas às pessoas", mas a DGS assegura que foi

DestaquedestaqueDGS diz que foi reforçada "a vigilância entomológica e epidemiológica, estando em curso a implementação de medidas para controlar a população de mosquitos."

Apesar de Portugal ter um programa de vigilância de vetores coordenado pela DGS, "as populações podem desempenhar um papel importante na identificação precoce da presença de espécies exóticas de mosquitos".

O IHMT sustenta mesmo na página do "MosquitoWeb.pt" que "dez milhões de cidadãos ativos superam largamente a eficiência de todos os entomologistas de Portugal. Se encontrar um mosquito em casa, em qualquer outro local, ou detetar alterações na atividade destes insetos, capture-os e envie-nos. A sua participação é fundamental!"

A professora Carla Sousa explica: " A DGS e o Instituto Nacional da Saúde Dr. Ricardo Jorge têm o programa de vigilância REVIVE, que faz buscas ativas de mosquitos, no terreno e através de armadilhas que coloca em determinados locais por determinado tempo, com o objetivo de os capturar e avaliar. O programa "MosquitoWeb.pt" do IHMT, da Universidade Nova, utiliza a participação comunitária, para que a informação nos chegue o mais rápido possível e em primeira mão. E a quem nos contacta damos sempre feed back".

E reforça: "Se tivermos dez milhões de pessoas a enviar-nos fotos do qserá muito mais fácil fazer o mapa de distribuição, será quase um mapa rua a rua ou bairro a bairro. Daí este apelo à participação dos cidadãos. Se uma cidadã não o tivesse feito, provavelmente o mosquito seria detetado muito mais tarde, quando já estivesse instalado e a partir daqui já haveria poucas hipóteses de o erradicar".

Por agora, não se sabe como é que o Aedes albopictus chegou a Lisboa, se veio das zonas onde já foi identificado no país, que é sempre uma hipótese a não descartar, ou se veio de fora. Sabe-se que se desloca e atravessa oceanos na forma de ovo seco, aguentando assim muito tempo, colado a pneus de borracha - foi assim que chegou a Penafiel - e a flores ornamentais.

Carla Sousa justifica ainda este apelo à participação do cidadão com o facto de ser precisa "uma base suficientemente grande para estudar este mosquito", pois só assim "poderemos dizer que recebemos cinco centenas de participações no MosquitoWeb.pt e que o Aedes albopictus só foi encontrado numa localização. Isto é muito diferente de receber cinco participações e de o termos encontrado só num local".

Advertindo: "Temos o próximo inverno para tentar a sua erradicação, mas cada ano ou local que ganhamos sem a presença deste mosquito é um descanso em termos de saúde pública".

A grande força motriz para a propagação de mosquitos é a globalização, os grandes fluxos de mobilização de populações e bens. Carla Sousa diz que não podemos esquecer que a grande expansão de algumas espécies de mosquitos, como a de Aedes aegypti , começou precisamente nos séculos XVI e XVII, com os Descobrimentos e Expansão Marítima".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt