Ministra do Ambiente e Energia Nacional, Maria da Graça Carvalho
Ministra do Ambiente e Energia Nacional, Maria da Graça CarvalhoMiguel A. Lopes /Lusa

“Inaceitável”. Ministra do Ambiente explica porque é que a COP 29 arrisca ser um fracasso

Maria da Graça Carvalho diz ao DN que falta ambição ao draft de texto final apresentado, sem assumir metas de financiamento e de mitigação. Critica posição de países como a China ou a Arábia Saudita e espera um esforço de última hora para salvar a conferência: “A sociedade não perceberia se esta COP fosse um fracasso”.
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Nas últimas horas desta 29ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que termina sexta-feira em Baku, no Azerbaijão, a frustração é o sentimento dominante, com a ausência de um acordo que permita oferecer um avanço tanto no financiamento da luta climática como nas metas de mitigação das emissões. 

Perdura o braço de ferro entre países industrializados - como o bloco dos 27 da União Europeia, de que Portugal faz parte - e os países em desenvolvimento sobre a “nova meta coletiva quantificada”, que deve definir a quantidade de dinheiro que os países em desenvolvimento podem esperar em financiamento climático, e a proporção disso que deve vir diretamente dos governos dos países ricos (os países do Sul apontam para uma meta de um trilião de dólares).

O rascunho apresentado esta quinta-feira pela presidência desta COP 29, organizada pelo Azerbaijão, não estabelece qualquer avanço nesse sentido e foi já catalogado como inaceitável pelo comissário europeu do clima. Ao DN, a ministra do Ambiente e Energia Nacional, Maria da Graça Carvalho, presente em Baku, explica o que está a impedir um acordo, aponta à necessidade de maior compromisso no financiamento climático por parte de países como a China ou de petro-Estados como a Arábia Saudita e lamenta a falta de ambição da presidência azeri.


O comissário europeu do clima, Wopke Hoekstra, já veio qualificar como inaceitável o draft avançado para texto final desta COP 29. Concorda? Em que falha este texto?

Sim, é de facto inaceitável. Usando até uma expressão do sr. Hoekstra na reunião interna do nosso grupo, é uma piada. Temos em cima da mesa dois pontos importantes nesta COP: o financiamento e a mitigação. E só faz sentido aumentar o financiamento climático se tivermos um aumento da ambição em relação à mitigação das emissões de carbono. O texto final, o draft conhecido até agora, é muito vago nesse sentido. Nem sequer faz referência a objetivos do texto final da COP 28, como a redução gradual dos combustíveis fósseis e o triplicar das energias renováveis até 2030. Ora, isso não é aceitável quando, ao mesmo tempo, nos estão a pedir um aumento do financiamento.

Quem está a emperrar nova solução de financiamento? Estamos longe de evoluir para a nova meta de 1 trilião de dólares que foi aventada antes desta COP e parece haver um jogo do empurra nas responsabilidades entre UE e alguns países em desenvolvimento…

Ao nível do financiamento temos três questões: o valor, a flexibilidade das fontes de financiamento e a base de países doadores. Conseguimos evoluir na flexibilidade das fontes, incluindo o financiamento privado e fontes inovadoras de financiamento. Isso já foi conseguido, o que é bom para Portugal. Em relação aos países doadores ainda não houve avanços. Até aqui os países industrializados têm financiado a transição climática e os países em desenvolvimento são beneficiários. Mas há países como a China ou a Arábia Saudita, com grandes crescimentos económicos e emissões poluentes, que devem começar a fazer parte dos países contribuintes, e não beneficiários. Até aqui tem sido muito difícil encontrar abertura para isso. O único que mostrou alguma recetividade foi a China, mas para contribuir numa base voluntária, sem metas estabelecidas. O que para nós, União Europeia, não é aceitável.

Esta COP 29 arrisca-se a ser um fracasso numa altura em que o planeta precisa de ação cada vez mais urgente?

Nas COP geralmente chega-se a um acordo no último dia, por vezes já para lá da hora. Vamos ver. Terá de haver um pacto global, um único texto, que interligue todas as questões de que falámos, os objetivos em cima da mesa, de forma satisfatória.

Mas perante o balanço dos trabalhos até aqui, está confiante de que ainda seja possível salvar a face desta COP29?

Acho que vamos ter de dar algum passo. Seria muito mau sinal se não fossemos capazes de dar algum passo em frente. A sociedade não perceberia que não houvesse um qualquer avanço nesta cimeira. Quando se quer que a COP30, no Brasil, no próximo ano, seja uma cimeira marcante, tem de haver alguns passos de progresso dados já nesta COP29.


A bola está de que lado nesta altura?

Para os países em desenvolvimento a bola está do lado da União Europeia; nós achamos que está do lado dos países em desenvolvimento, os que estão abrigados no G77+China, e fundamentalmente os Estados produtores de petróleo + China, que têm de mostrar mais abertura para negociar e aumentar o financiamento. Para a União Europeia é difícil explicar aos seus cidadãos o aumento do financiamento climático sem exigir que outros países cumpram também o seu papel. 

Tem havido críticas à forma como o Azerbaijão liderou esta COP29. Faltou liderança ou vontade de forçar mais compromissos?

Até aqui os documentos não têm sido muito ambiciosos, isso é verdade. Por outro lado, esta COP está muito bem organizada, aí fizeram um excelente trabalho. Mas precisamos de mais ambição e inovação nos documentos elaborados.

Fazem-se esforços diplomáticos também para a escolha do anfitrião da COP 31, a organizar em 2026. Há já dois candidatos entre o nosso grupo regional, Turquia e Austrália, que têm gerado fortes divisões. Portugal tem já uma escolha feita? Ponderaria apresentar-se como uma terceira via?

Não temos ainda uma escolha assumida. Temos tidos reuniões com as delegações envolvidas, mas a opção final caberá ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros. Penso que não ficaria bem agora a Portugal intrometer-se como uma terceira via e criar mais entropia num processo com dois países amigos que já assumiram essa vontade. Podemos ter a ambição de candidatar-nos numa oportunidade futura.

Olhando para dentro, esta semana a associação Zero apresentou um relatório que projeta um aumento das emissões de carbono em Portugal neste ano e que identifica o setor dos transportes como o mais poluente. O que planeia o Governo fazer mais para garantir o cumprimento das nossas metas de emissões?

Em relação ao relatório da Zero, não encontramos evidência científica nenhuma que nos leva a pensar que as emissões vão aumentar este ano. Pode até aumentar, mas não há dados neste momento para afirmar o que está no relatório da Zero. As emissões têm diminuído no nosso país desde 2005 e muito à custa da redução das emissões do setor de eletricidade, com a introdução das energias renováveis. Não há, repito, forma de deduzir que vão aumentar em 2024. Agora, é um facto que temos uma grande preocupação com o setor dos transportes. O transporte privado continua a ser muito utilizado. E por isso temos feito uma grande aposta no transporte público e eletrificado. Tem sido uma grande prioridade deste Governo a descarbonização dos transportes, com um amplo pacote de medidas de Mobilidade Verde que vão impactar positivamente o desempenho do País. Mas não é um assunto que se resolva da noite para o dia. 

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