à esquerda António Filipe (PCP), ao centro Rodrigo Saraiva (IL) e à direita Fabian Figueiredo (BE)
à esquerda António Filipe (PCP), ao centro Rodrigo Saraiva (IL) e à direita Fabian Figueiredo (BE)Reinaldo Rodrigues

IL, BE e PCP de acordo. Há infraestruturas críticas nacionais que não devem ter donos estrangeiros

O “interesse nacional” uniu os antípodas políticos no podcast Soberania. Em vésperas de eleições, IL, BE e PCP concordam que setores estratégicos devem estar no poder do Estado português.
Publicado a
Atualizado a

O momento foi efusivamente assinalado no Podcast Soberania, no estúdio do Diário de Notícias, por Fabian Figueiredo, do BE, e António Filipe, do PCP. Rodrigo Saraiva, coordenador da Iniciativa Liberal na Comissão de Defesa Nacional (CDN) reconheceu que “a Rede Elétrica Nacional (REN) nunca devia ter sido privatizada”, quando, ainda a propósito do “apagão” geral do passado dia 28 de abril, se debatia se o controlo das infraestruturas criticas pode ser importantes para a defesa nacional.

“Não é o apagão que nos deve fazer falar disso, porque o apagão que aconteceu em Portugal aconteceu em Espanha, com duas realidades distintas. Mas devemos ter, no âmbito da Defesa, ter esse debate. A REN não deveria ter sido privatizada. Ponto. Não há dúvida disso”, declarou o deputado da IL.

“É um grande momento este”, classificou Fabian Figueiredo, coordenador do Grupo Parlamentar (GP) do BE na CDN.

“As infraestruturas críticas devem, obviamente, ser monitorizadas e geridas pelos Estados”, prosseguiu Rodrigo Saraiva, lembrando ainda a “preocupação de os nossos portos estarem a ser monitorizados por scanners desenvolvidos por empresas chinesas”.

Ouvir o episódio no Spotify

Os convidados no estúdio com João Annes, da SEDES, e Valentina Marcelino, diretora adjunta do DN.
Os convidados no estúdio com João Annes, da SEDES, e Valentina Marcelino, diretora adjunta do DN.Reinaldo Rodrigues

No seu entender “isto é um problema de soberania, um problema de segurança do Estado, um problema de segurança do nosso povo e um problema de segurança da nossa economia”.

Colocada a questão se essa ameaça seria por se a China ou, indiferentemente, se colocava a qualquer outro país, Saraiva sublinhou que se travava de “um Estado que não é democrático, que obriga toda e qualquer empresa que lá está a passar-lhe a informação que detém. É o que impõe a Lei de Segurança Nacional da China. Esse tema, sim, é importante”.

Fabian Figueiredo já tinha frisado que é preciso “debater a sério a soberania digital “ e que “isso combina-se com a recuperação do controlo democrático de infraestruturas críticas que atualmente estão na mão de países estrangeiros”.

Salientou que “a falha de segurança que era várias vezes apontada a Portugal, está agora, finalmente, espelhada no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI)”.

Assistir ao episódio no YouTube

Rodrigo Saraiva (IL)
Rodrigo Saraiva (IL)Reinaldo Rodrigues

O deputado do BE, defende que Defesa é também ter “soberania energética”. garantindo que “a produção e a distribuição, como é apontado no RASI, está nas mãos do Estado português e não de Estados estrangeiros, porque isso é uma evidente fragilidade da Defesa Nacional e da Segurança Interna”.

João Annes, do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES - que com o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismom(OSCOT) é parceira do Diário de Notícias no podcast Soberania - recordou que “os instrumentos de controlo do Estado para algumas destas infraestruturas que existiram no pós- II Guerra Mundial durante o século XX , deixaram de ser utilizados e estas foram privatizadas”. Por outro lado, assevera, no caso do apagão, este teve origem em Espanha, país em que a infraestrutura elétrica é estatal.

Fabian insiste que, “a REN e a EDP pertencem a um Estado, ao Estado chinês, não ao português” e que “esse é que é o problema”.

“O apagão trouxe luz sobre o nosso sistema elétrico. Não estou a discutir a natureza do apagão. O João Annes é uma pessoa atenta. Certamente lerá relatórios internacionais e vários deles chamam permanentemente a atenção para o facto de Portugal ter a sua rede elétrica nacional na mão do Estado chinês e de ter EDP na mão do Estado chinês. E é permanentemente apontado como uma falha de soberania. (...) há um livro em que um conjunto de académicos e operacionais das secretas chamam, precisamente, a atenção, já há muito tempo, para essa fragilidade na segurança e defesa nacional que está espelhado agora no RASI”.

O BE advoga, portanto que a REN, “como acontece na larga maioria dos países europeus, que felizmente não entrega esse instrumento de controlo sensível à mão estrangeira, volte para as mãos do Estado português”.

Na mesma linha, António Filipe, igualmente coordenador do GP na comissão parlamentar de Defesa, defende que, independentemente de estas infraestruturas de setores estratégicos nacionais estarem “nas mãos do Estado chinês ou na mão de um qualquer aldrabão como ficou a Altice - ambas são más” estas “deviam estar em mãos nacionais, credíveis e sob controlo democrático do povo português”.

Fabian Figueiredo, deputado do BE
Fabian Figueiredo, deputado do BEReinaldo Rodrigues

Lembra que “o maior problema com o apagão foi o colapso das telecomunicações. Ou seja, pior do que aconteceu com a EDP, com a REN, foi que aconteceu com o SIRESP, com as operadoras de telecomunicações que estiveram absolutamente à beira do colapso. Mais umas horas, segundo se diz, e ficávamos completamente sem telecomunicações. Ora isso é que não pode ser. Creio que é absolutamente estratégico que o Estado português controle os meios de comunicação disponíveis neste país, sob pena de podermos ter um cataclismo qualquer por falha, por um colapso total nas comunicações, que seria mais grave do que o apagão que tivemos na rede elétrica”.

Sobre os respetivos programas eleitorais, Rodrigo Saraiva da IL assinala que “as prioridades ou as linhas orientadoras da política externa portuguesa não devem mudar”, isto é, o eixo Atlântico / NATO/ União Europeia e Lusofonia / CPLP.

Depois da próxima Cimeira da NATO, prevista para final de junho em Haia, e depois de estar definido qual é o aumento dos gastos militares em relação ao PIB, “será preciso investir numa indústria de defesa, sabendo que uma indústria de defesa com muita inovação, muita tecnologia, acaba por trazer soluções que não são apenas aplicadas na questão da defesa”, dando como exemplo Silicon Valley.

“É perceber, de uma vez por todas, que investir em Defesa não é só investir em armas. Para um país como o nosso, que tem um território marítimo muito grande, quando pedirem alguma coisa a Portugal não vão pedir, como a outros países, muitos recursos humanos. (...) talvez consigamos ter, sobretudo, uma especialização (...), estar capacitados, não apenas com armas. Aliás, é muito mais para além de armas, capacitados com tecnologia e novas tipologias de equipamentos para podermos monitorizar e defender o nosso território, neste caso o mar”.

António Filipe, deputado do PCP
António Filipe, deputado do PCPReinaldo Rodrigues

Sem surpresa, BE e PCP não têm, neste ponto, o mesmo género de prioridades. No seu programa, os bloquistas dizem que “o aumento da despesa militar é errado e não vai garantir a paz” e que “a UE tem os meios militares necessários para se defender”.

Fabian Figueiredo olha para as “alterações geopolíticas” e aponta ao Médio Oriente. “O genocídio na Palestina é, sem dúvida, um fator perturbador da paz mundial e que tem que parar, mas não se resolve aumentando a despesa em armas na Europa ou em Portugal”, afirma.

Quanto à ameaça russa, lembra que “a Europa têm ajudado a Ucrânia e bem”, mas não é verdade que a Europa seja um anão militar. Muito pelo contrário, é uma das principais potências militares a nível mundial, seja a nível de recursos humanos, tecnológicos e equipamento pesado”, sendo que a “despesa militar do conjunto dos países da União Europeia aumentou brutalmente nos últimos anos”.

Vê, isso sim, como “um dos maiores fatores de perturbação da estabilidade na Europa, a nova administração da Casa Branca que quer impor um aumento de despesa na defesa para 5% do PIB”.

No seu programa eleitoral, o PCP perfilha que “o país precisa de umas Forças Armadas orientadas para o objetivo principal de cumprimento da sua missão constitucional, sobrepondo as exigências e necessidades nacionais aos compromissos assumidos no plano internacional”.

Questionado sobre como se leva à prática este objetivo, o mais antigo deputado em funções no Parlamento afirma que “temos exigências nacionais, que decorrem dos imperativos constitucionais, que devemos ter em conta. Desde logo no fator humano”.

Desse ponto de vista, argumenta, “estamos com as Forças Armadas absolutamente exíguas quanto ao número de efetivos mal pagos, o que contribui para que as carreiras militares não sejam atrativas”.

“Desde há vários anos que quando os chefes militares são ouvidos na Assembleia da República - e não é à porta fechada - publicamente assumem que Portugal está abaixo daquilo que seria o mínimo exigível e depois, uns tempos mais tarde, ainda está mais abaixo daquilo que já de outra vez era o mínimo exigível. Portanto, é preciso valorizar o fator humano das Forças Armadas”.

O deputado comunista é cético quanto à capacidade de os Estados europeus na NATO se “lançarem sozinhos numa aventura militar”. “Isso é uma miragem, porque não há, a nível da UE uma linha de coesão. Não há um denominador comum. O denominador comum são os Estados Unidos. Qual é o denominador comum entre a Turquia e a Grécia? Entre a Alemanha e a Polónia? É por isso é que, mesmo no quadro da UE, aquelas ideias de cooperação estratégica, tudo isso em termos militares, ficam no tinteiro”.

(da esquerda para a direita) Fabian Figueiredo, António Filipe, Valentina Marcelino, Rodrigo Saraiva e João Annes.
(da esquerda para a direita) Fabian Figueiredo, António Filipe, Valentina Marcelino, Rodrigo Saraiva e João Annes.Reinaldo Rodrigues

António Filipe chama a atenção para “o que se está a passar a nível mundial, designadamente com o fenómeno dos BRICS (...) ninguém põe em causa o caráter democrático da África do Sul, nem do Brasil. No entanto, temos a China, a Rússia e a Índia. Não fazem da questão do alinhamento ideológico. Essa não é uma condição para que eles não possam cooperar uns com os outros se tiverem interesses comuns a defender”. Considera, tendo tudo isto em conta, “que devíamos olhar para o mundo numa perspetiva mais multipolar”.

Rodrigo Saraiva admite que se “pode ter de chegar o momento de encontrar um novo mecanismo, que não o que tem sido a NATO”, mas considera que “ainda não é o tempo de mandar a toalha ao chão. Donald Trump tem tido ações que são completamente inaceitáveis. O exemplo do Canadá e da Gronelândia são inaceitáveis. Tal como Putin e Medvedev têm dito e feito coisas que são inaceitáveis. Mas isto é farinha do mesmo saco? Não é. Ainda não é”.

João Annes concluiu: “ é extremamente salutar perceber que há uma preocupação em encontrar soluções. Ficou claro que todos estão preocupados com o interesse nacional. Vai ser muito importante para o pragmatismo que vai ser necessário, porque há uma coisa que o António Filipe disse, que é estarmos num mundo cada vez mais multipolar. Quer queiramos quer não, isso é uma realidade. E num mundo multipolar a palavra chave do sucesso dos Estados é o pragmatismo. Teremos que ser todos muito mais pragmáticos quando olhamos para aquilo que é o nosso interesse nacional”.

à esquerda António Filipe (PCP), ao centro Rodrigo Saraiva (IL) e à direita Fabian Figueiredo (BE)
Podcast Soberania. IL, BE e PCP unidos pelo "interesse nacional" em setores estratégicos

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt