Hospital de Coimbra recusa medicamento a duas crianças com Hemofilia A grave

O Infarmed autorizou o uso de um fármaco inovador nos hospitais em fevereiro deste ano. Uma especialista em doenças raras, do CHUC, prescreveu-o a dois doentes, de 13 e 14 anos, mas o conselho de administração recusou, justificando a decisão com base num protocolo aprovado <em>a posteriori</em>, que define que só médicos do centro de referência o podem fazer. A médica já não faz parte do centro. Os familiares das crianças sentem-se "discriminados". O advogado da médica diz que "é o assédio levado ao extremo". O hospital não respondeu ao DN.
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Aos oito meses do filho, Andreia e o marido receberam um diagnóstico que os deixou "sem chão": Hemofilia A grave - ou seja, segundo a literatura médica, deficiência congénita no processo de coagulação do sangue que se manifesta quase exclusivamente nos homens e se caracteriza pela ausência ou carência de um dos fatores da coagulação, provocando hemorragias frequentes, especialmente a nível articular e muscular.

O diagnóstico foi feito no Hospital de Viseu, mas desde essa altura que têm caminhado para o Hospital Pediátrico de Coimbra, primeiro mais amiúde, agora de três em três meses para garantirem ao filho cuidados de qualidade. Mas as viagens constantes também têm a ver com o facto de Andreia e o marido quererem que o filho seja acompanhado pela especialista que o observou pela primeira vez em bebé e que continua a fazê-lo aos 13 anos. "É uma médica que faz parte da vida dele, em quem ele tem confiança", explica ao DN.

D, vamos tratá-lo assim, para salvaguardar a sua identidade, habituou-se à doença, a ter de injetar na veia o Fator VIII de que necessita, duas, três ou quatro vezes por semana, mas também a ter de esconder os braços por baixo da roupa, para tapar as marcas deixadas pelas seringas.

O mesmo acontece com Mário, um nome fictício, pedido pelo irmão mais velho, com quem o DN falou, para o salvaguardar também. Mário tem 14 anos, o irmão 27, ambos padecem de Hemofilia A grave, e ambos foram e são acompanhados pela médica sobre quem aqui falamos, no mesmo hospital pediátrico, que hoje integra o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC). O mais velho já sentiu na pele a frustração de ter de abdicar de alguns sonhos pela doença, "por não me poder magoar ou fazer feridas, que depois não se conseguem tratar", o mais novo começa agora a perceber o que isso é, quando anseia jogar futsal, vai aos treinos "e depois não vai aos jogos porque nunca se sabe o que pode acontecer". Mário tem de injetar Factor VIII três vezes por semana, "já é ele que o faz, mas quando tem dificuldades em picar-se eu e a minha mãe cá estamos para ajudar".

D. e Mário ainda não deixaram de ser crianças e já sabem o que é ter "uma doença rara que os vai acompanhar para a vida", já sabem o que "é ter as veias massacradas" ou a ter vergonha dos "braços cheios de picadas".

Num e noutro caso, e com a adolescência a chegar, os familiares dizem que começa a ser cada vez mais difícil que tenham de se picar várias vezes na semana. Sobretudo, quando já sabem que há medicamentos alternativos que lhes dão a mesma proteção e que é administrado uma vez por mês, que é o caso do Emicizumab, aprovado pelo Infarmed a 2 de fevereiro, e "quando sabem que outras crianças mais novas e mais velhas do que eles, acompanhadas no mesmo hospital, estão a fazer o medicamento, que lhes dá muito mais qualidade de vida", argumenta Andreia, assumindo ao DN não ter medo de falar sobre a recusa do medicamento ao seu filho.

"O D. está protegido com a medicação que faz, não é isso que está em causa, mas teria muito mais qualidade de vida se só se picasse uma vez no mês, em vez de o ter de fazer três a quatro vezes na semana. Está numa fase que começa a questionar isso", explica, manifestando receio de poder surgir na adolescência a rejeição do tratamento.

O que se passa, sublinha, "é que percebemos que esta recusa tem a ver com o termos escolhido continuar com esta médica que o acompanha desde bebé. No hospital já tentaram várias vezes que a deixássemos, mudando-nos de dia de consulta, mas não queremos isso".

E justifica: "É uma médica excelente, uma especialista graduada. Tem tratado sempre muito bem do D. e tem estado sempre presente na vida dele, sempre que há uma urgência, seja qual for, e ao nosso lado. Está sempre pronta a ajudar-nos, quando há uma dúvida ou um problema, mesmo de outra área, é com ela que falo primeiro, para saber o que fazer e atende-me seja a que horas for, nem todos os médicos o fazem. Além do mais, o D cresceu a vê-la e confia nela."

Destaquedestaque"Como mãe de um doente nem posso aceitar que o hospital rejeite uma prescrição

Quando soube da recusa do hospital em administrar o Emicizumab ao filho, Andreia diz: "Não queria acreditar. Ele está com 13 anos e achei que o tinha de informar da alternativa de um medicamento de longa duração, ficou com expectativas e começou a falar no medicamento, quando é que o poderia começar a tomar e depois é-lhe recusada essa hipótese? Por causa da médica? Isso não percebo. Como mãe de um doente nem posso aceitar que o hospital rejeite uma prescrição que só traz melhorias à sua qualidade de vida, tendo por base a médica que o prescreve".

Foi isto mesmo que Andreia diz ter argumentado na exposição que fez ao hospital a solicitar que a decisão fosse revertida e que o seu filho pudesse, como os outros doentes, usufruir deste fármaco.

Até ao dia que falou com o DN, não tinha recebido qualquer resposta do CHUC, mas garantiu que iria questionar de novo e que iria até onde fosse necessário para que o filho tenha acesso ao melhor tratamento. "É um direito que tem, como tem o direito de escolher a médica que o acompanha".

O irmão de Mário, que prefere não ser identificado com o próprio nome, porque "já somos discriminados", assume que "irá até onde for preciso para contar o que se está a passar. Irei lutar até ao fim para o meu irmão ter direito a este medicamento". Já escreveu ao hospital a pedir explicações, mas também não obteve resposta.

"Quero saber porque é que ele não pode ter acesso ao medicamento que outras crianças mais velhas e mais novas do que ele têm. É só por causa da médica que o acompanha? Isso não aceito. É a saúde do meu irmão que está em causa". Ele próprio tem Hemofilia e durante a idade pediátrica foi doente desta médica.

Maria, vamos tratá-la assim, a pedido do próprio advogado para não perturbar ainda mais o funcionamento do serviço e a relação com outros doentes, é a médica especialista em doenças raras, nomeadamente na área do sangue, com competências para acompanhar doentes adultos e em idade pediátrica, que está aqui em causa. Integra o serviço correspondente a estas patologias no CHUC e "há anos que é sujeita a assédio moral e laboral no seu serviço por parte das chefias", explica ao DN Miguel Monteiro, advogado do Sindicato dos Médicos do Centro (SMC), que acompanha o caso.

Maria é também dirigente deste sindicato e a sua história de assédio remonta à altura em que engravidou, teve a sua segunda filha e quis levar a licença de maternidade até ao fim, juntando-lhe o gozo das férias daquele ano, tanto mais porque "a mãe morreu dela neste período", contam-nos. Isto não deve ter agradado às chefias e "a própria não vê outra explicação, porque foi a partir daqui que tudo mudou", refere o jurista.

Antes de ir de licença de maternidade ela e outro colega foram os mentores da criação de um centro de referência para as coagulopatias congénitas, puseram mãos à obra e, em 2014, o centro é aprovado pela Comissão Nacional de Centros de Referência para doenças raras.

"Foi o currículo de Maria, que integra competências e vasta experiência no tratamento destas doenças, quer em doentes em idade adulta e em idade pediátrica, que permitiu a criação do centro, porque no serviço não havia mais ninguém com competências na área da pediatra. Se não fosse o currículo dela, o centro não teria sido criado", defende.

A situação de Maria agravou-se no serviço. De tal forma que, conta o advogado, "tivemos de avançar com um processo de assédio moral contra o diretor de serviço e contra o próprio CHUC. O processo entrou em fevereiro de 2018, no tribunal de Trabalho em Coimbra, mas nunca chegou a julgamento. As partes aceitaram um acordo, em fevereiro de 2019, onde ficou definido que Maria continuaria a ser médica do serviço e do centro de referência. Das 40 horas de trabalho semanais, dois dias, 16 horas, ficaram para a consulta específica do centro de referência, às quintas-feiras. Tudo isto ficou acautelado no acordo, até uma eventual mudança no dia da consulta do centro de referência, devendo o acordo ser adaptado. Só que desde o dia em que o acordo foi assinado até hoje, Maria não tem horário nem tarefas definidas para os primeiros três dias da semana. Ela apresenta-se ao trabalho e faz o seu trabalho, porque é uma profissional exemplar, mas o acordo não está a ser cumprido", argumenta Miguel Monteiro.

No acordo em tribunal Maria ficou como médica do centro de referência, mas, em dezembro de 2020, soube que tinha sido substituída por uma colega, embora não tenha sido informada pelo hospital desta decisão. "Ninguém lhe disse nada, soube através da Comissão Nacional dos Centros de Referência, que contactámos por causa de uma situação e que nos informou que ela já não integrava o centro", explica o advogado, acrescentando: "Se poderia ter sido feito assim? Não podia, até porque a médica substituta não tinha o currículo de Maria nem os anos de experiência em idade pediátrica exigidos nos requisitos, mas a comissão aceitou que assim fosse".

O centro, do qual Maria foi fundadora e depois retirada, é precisamente aquele que é referido no protocolo aprovado pela anterior administração do CHUC e no qual é sustentada a recusa do medicamento aos dois doentes. O protocolo, que, segundo contaram ao DN, foi proposto à administração do CHUC pelas direções do serviço de Maria e do centro de referência, quatro dias depois de ela ter prescrito o Emicizumab ao filho de Andreia.

"Ela prescreveu a primeira vez a 8 de abril e depois a 23, datas que coincidem com a ida das crianças à consulta, mas o protocolo é proposto a 8 de abril e ela só vem a saber da decisão a 20 de julho. Veja bem o tempo que isto levou. E se não existisse este protocolo que a impede de prescrever este e outros medicamentos, por não integrar agora o centro de referência, as crianças poderiam receber o medicamento", destaca.

No protocolo, pode ler-se que este medicamento é "uma terapêutica de extraordinária utilidade, segura, de administração fácil e cómoda, embora não se possa considerar como tratamento ideal, nomeadamente como terapêutica única, para a profilaxia universal das pessoas como hemofilia A".

E é neste sentido que se justifica que "a sua prescrição deve ser realizada com a máxima prudência", devendo os seus prós e contras serem avaliados e tendo-se em conta a eficácia e a racionalidade dos custos. Por isso, conclui o texto, "e à semelhança do que se verifica em relação à prescrição de outros fármacos, solicitamos a V. Exa que (...) aprove a orientação terapêutica que agora propomos, de modo a poderem ser autorizados, apenas, protocolos de terapêutica profilática com concentrados de fatores da coagulação, agentes bypass e anticorpos monoclonais para doentes com coagulopatias congénitas exclusivamente acompanhados nas consultas do CRCC. Pedidos estes, reitera-se, que serão apenas solicitados e devidamente justificados por médicos integrantes deste CRCC e sempre sob a supervisão aprovação do coordenador do CR e do diretor de serviço de Imuno-Hemoterapia."

O advogado de Maria alerta para o time line de toda a situação. "O Infarmed aprova o medicamento a 2 de fevereiro, a Maria prescreve-o a 8 de abril, a direção do serviço e do centro de referência propõem o protocolo a 12 de abril, o CHUC pede parecer à comissão de farmácia, que o aprova, e assina o protocolo a 25 de maio na reunião do conselho de administração".

Depois, a 21 de junho, "a Comissão de Farmácia e Terapêutica, que é quem deve distribuir o medicamento em causa aos doentes, pede esclarecimentos ao serviço sobre se a médica que o prescreveu faz parte do centro e se os doentes são acompanhados neste. A resposta é não, embora os doentes sejam vistos na consulta de quinta-feira, que no acordo em tribunal ficou como a consulta de Maria no centro de referência, e a comissão rejeita a administração do medicamento, tendo em conta o cumprimento das regras do protocolo aprovado antes", sublinha Miguel Monteiro. Maria "só é informada da decisão a 20 de julho".

DestaquedestaqueA rejeição de um medicamento a duas crianças com Hemofilia grave "significa muita coisa no processo de assédio laboral a Maria. A primeira de todas é que, de facto, dois utentes em idade pediátrica vêem-se privados de um fármaco, única e exclusivamente porque optaram por manter Maria como médica. Não é por mais nada."

Ora, defende, "qualquer argumento de racionalidade de custos é falacioso, porque a informação do Infarmed era de que o medicamento deveria ser disponibilizado a todos os doentes de qualquer idade e porque sabemos que o próprio hospital informou o serviço de que não haveria restrições no financiamento para o medicamento", conta ao DN.

Para o advogado do SMC, este protocolo que leva à rejeição de um medicamento a duas crianças com Hemofilia grave "significa muita coisa no processo de assédio laboral a Maria. A primeira de todas é que, de facto, dois utentes em idade pediátrica vêem-se privados de um fármaco, única e exclusivamente porque optaram por manter Maria como médica. Não é por mais nada. Não é por que aquele fármaco não seja o melhor para eles, que é, não é porque o fármaco, seja mais caro do que aquele que tomam, porque há financiamento para ele. Não é por nada disto. É simplesmente porque os pais daqueles utentes escolheram permanecer com esta médica".

Miguel Monteiro vai ao passado para referir outra situação com outros dois doentes a quem Maria prescreveu também um medicamento acabado de ser aprovado e cujos pais das crianças optaram por sair da sua consulta para os filhos receberem o medicamento. "O modus operandi foi outro. Quando a Maria prescreveu o medicamento alguém do serviço telefonou aos pais das crianças a dizer que o medicamento seria dado na consulta de segunda-feira, os pais aceitaram e os doentes saíram da agenda de Maria".

Como é óbvio, sustenta, "os pais querem o melhor para os filhos e se estes estão a ser discriminados por causa da médica que os acompanha têm todo o direito de escolher outro". O DN sabe que, em seis anos, Maria passou de 15 a 20 doentes com Hemofilia grave para 4.

O advogado compara este caso com o que veio recentemente a público e que envolve duas irmãs gémeas brasileiras, com atrofia muscular espinhal, que conseguiram vir a Portugal e receber um medicamento que melhorava a sua qualidade de vida.

"O caso das gémeas tratadas em Santa Maria, com a possível cunha ou não do Presidente da República, custou ao SNS quatro milhões de euros. Neste caso, não são esses valores. O fármaco em causa é uma nova versão de um já existente, mas melhorado, e mais caro, de facto, do que o anterior, mas permite 12 aplicações ao ano, uma por mês, o que é uma mais valia para o doente. O anterior, o que tomam as duas crianças, impõe uma administração 150 dias por ano".

O DN sabe que, em termos de custo, o medicamento agora dado às crianças fica em 120 mil euros ao ano, enquanto o aprovado e recusado custa 190 mil euros, "bem longe dos valores pagos em Santa Maria às gémeas brasileiras", sublinha o jurista.

Os familiares das duas crianças dizem-se dispostos a lutar para que os filhos tenham acesso ao medicamento, mantendo a mesma médica. Andreia confessa: " Tenho sido otimista em relação à doença do meu filho. Aprendemos a viver com ela e estamos, de novo, numa fase mais difícil, porque se desconfia que a minha filha mais nova também tem o gene, mas não vale a pena pensar no assunto. É seguir em frente. Não somos os únicos, há pais com o mesmo problema. Em relação ao D, sabemos que, mesmo sem este medicamento, ele é bem acompanhado, e temos confiança na médica, mas outros pais aceitaram passar para outros médicos porque achavam que os filhos estavam a ser prejudicados", comenta.

Se é discriminação e se não tem medo das consequências, Andreia assume: "É discriminação. O meu filho está ser preterido em relação a outros, mas não posso aceitar que seja por causa da médica que sempre esteve ao nosso lado".

O protocolo em causa está a ser avaliado pelo advogado de Maria, porque, diz: "O hospital tem direito a definir regras, mas tem de cumprir as regras e estas dizem que os médicos do serviço devem ser ouvidos num protocolo deste tipo. A Maria não foi, e é médica do serviço". Assim, pode estar-se "perante um documento sem validade jurídica".

O sindicato do Centro já tem uma reunião marcada com a administração do CHUC que tomou posse a 1 de dezembro. Vai falar da rejeição do medicamento, do caso de assédio e do acordo assinado em tribunal de trabalho que não está a ser cumprido e de outras situações.

No Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos do Centro corre ainda um processo e o advogado defende que "a Ordem deveria analisar esta situação, tendo em conta que se está a falar de normas que regulam o exercício da profissão, porque isto roça o insólito", fundamentando a declaração no Código Deontológico, artigos 10, 13, 15, 107, 108, 110 e 112.

O DN confrontou o novo conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra sobre a recusa do medicamento a estas duas crianças e sobre o caso de assédio à médica especialista, mas uma semana depois, e com várias démarches pelo meio no sentido de obter uma resposta, o silêncio manteve-se.

Nas questões enviadas, o DN procurava saber como é que esta administração olha para a recusa deste medicamento a duas crianças acompanhadas naquele centro hospitalar desde que foram diagnosticados porque "a médica que os acompanha não integra o centro de referência", e como explica que esta fundamentação se sustente num protocolo aprovado pelo anterior conselho, depois da prescrição da médica.

Questionava também se este protocolo e a recusa do medicamento aos doentes era mais uma ação de assédio laboral que o seu advogado diz estar sujeita há anos e se, pela sua parte, iria fazer algo para alterar a decisão. Por fim, se o utente do CHUC tinha ou não direito a escolher o seu médico. Nenhuma questão teve resposta, tendo-nos sido dito que "a administração chegou há pouco tempo e o caso é complexo".

Artigo 10.º
Tratamentos vedados ou condicionados
1 - O médico deve abster -se de praticar atos que não estejam de acordo com as leges artis. 2 - Excetuam -se os atos não reconhecidos pelas leges artis, mas sobre os quais se disponha de dados promissores, em situações em que não haja alternativa, desde que com consentimento do doente ou do seu representante legal, no caso daquele o não poder fazer, e ainda os atos que se integram em protocolos de investigação ou ensaios clínicos, cumpridas as regras que condicionam a experimentação em e com pessoas humanas.

Artigo 13.º
Objeção técnica
A recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, ou a normas de orientação adotadas institucionalmente, só pode ser usada quando o médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar atos médicos, contra a sua opinião técnica, devendo, nesse caso, justificar-se de forma clara e por escrito.

Artigo 15.º
Livre escolha pelo doente
1 - O doente tem o direito de escolher livremente o seu médico, e este o dever de respeitar e defender tal direito. 2 - O médico assistente deve respeitar o direito do doente a mudar de médico, devendo antecipar-se, por dignidade profissional, à menor suspeita de que tal vontade exista.

Artigo 107.º
Princípio geral da relação entre médicos
1 - Constitui dever dos médicos, nas suas relações recíprocas, proceder com a maior correção e urbanidade. 2 - Todos os médicos têm direito a ser tratados com respeito e consideração pelos seus colegas, sem discriminação ou perseguição, nomeadamente com base na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, diferenciação, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Artigo 108.º
Solidariedade entre médicos
1 - A solidariedade entre médicos constitui dever fundamental do médico e deve ser exercida com respeito mútuo e tendo em atenção os interesses dos doentes. 2 - O médico não deve fazer declarações desprimorosas ou falsas sobre a competência de um colega, os tratamentos por este prescritos, os seus comportamentos ou outras características, e por essa forma tentar influir na livre escolha do médico pelo doente ou na seleção de um empregador. 3 - O médico não deve fazer afirmações ou declarações públicas contra colegas. 4 - Não constitui falta ao dever de solidariedade, mas uma obrigação ética, o facto de um médico comunicar à Ordem, de forma objetiva e com a devida discrição, as infrações dos seus colegas contra as regras técnicas e deontológicas da profissão médica.

Artigo 110.º
Dever de auxílio
1 - Em benefício dos seus doentes, os médicos têm o dever de partilhar os seus conhecimentos científicos, sem qualquer reserva. 2 - Se um médico pede auxílio para o tratamento de um doente, os colegas devem sempre prestá-lo.

Artigo 112.º
Interferência com médico assistente
1 - O médico não deve interferir na assistência que esteja a ser prestada por outro colega a um doente. 2 - Não se considera haver interferência nas situações de urgência ou de consulta livre por parte do doente a outro médico; todavia este tem a obrigação de advertir o paciente do prejuízo de existir uma assistência médica múltipla, não consensual. 3 - O médico que tiver, ocasionalmente, acesso a informação clínica de que discorde de forma relevante e que tenha potenciais consequências para o doente, deve comunicar a sua opinião ao médico assistente do doente.

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