Hospital das Forças Armadas em risco de colapso. Renovação de contratos travada pelo Governo
Transferência de doentes, redução das cirurgias, fecho de várias valências, suspensão de 20 mil consultas são algumas das consequências estimadas pela falta de mais de 200 assistentes técnicos, auxiliares operacionais e técnicos de diagnóstico, como consequência do indeferimento inédito dos contratos de avença imprescindíveis para compensar o défice nos quadros do HFAR. O aval para médicos e enfermeiros só veio nesta semana após vários alertas da direção hospitalar.
Está a ser um fim de ano de grande tensão para os responsáveis do Hospital das Forças Armadas (HFAR) e do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA).
Relacionados
Pela primeira vez correm o risco de ter de reduzir drasticamente os serviços prestados e de transferir algumas dezenas de doentes para hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) por falta de profissionais para garantir a atividade em vários setores do estabelecimento, tanto no polo de Lisboa, como no do Porto.
Em causa está a contratação de mais de 200 assistentes técnicos, assistentes operacionais técnicos de diagnóstico em regime de avença e cujos contratos, imprescindíveis para compensar o défice grave no quadro de recursos humanos, foram indeferidos pelo Governo.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O processo teria de estar concluído até ao fim do ano mas, perante a situação a direção do HFAR já teve de fazer um plano de contingência, no qual detalha todas as consequências operacionais da falta destes profissionais, que já foram avisados que o seu contrato não deverá ser renovado.
Entre outros, o impacto direto, logo a partir do início de 2023, vai desde o encerramento de 68 camas de internamento, em Lisboa e no Porto, com uma drástica diminuição de capacidade nos cuidados intensivos; à suspensão de cerca de 20 mil consultas e 200 cirurgias; diminuição em 50% de toda a atividade da área administrativa (atendimento de doentes, marcações de consultas, etc.); fecho de valências clínicas e aumento da lista de espera dos doentes; atingindo também as áreas de manutenção do equipamento hospitalar, da energia, à distribuição das águas, com efeito na hemodiálise, sanitários e na alimentação.
Isto além de muitas outras ações em que o HFAR tem vindo a inovar, abrindo-se à sociedade civil, com protocolos de cooperação com as faculdades de medicina, para formação, com clubes desportivos, para desenvolvimento de valências na medicina desportiva, com outros hospitais, para internamentos de doentes em cuidados continuados.
É uma enormidade o que se está a passar. Depois de tudo o que as Forças Armadas e especificamente o HFAR fizeram no apoio ao SNS durante a pandemia e que continuam ainda a fazer
"É uma enormidade o que se está a passar. Depois de tudo o que as Forças Armadas e especificamente o HFAR fizeram no apoio ao SNS durante a pandemia e que continuam ainda a fazer, recebendo doentes de outros hospitais e centenas de doentes não militares, é um grande murro no estômago", assumiu ao DN uma alta patente militar que tem acompanhado processo.
Grave défice no quadro de recursos humanos
A situação é conhecida desde setembro passado, quando, à semelhança do que é feito nos anos anteriores, foi submetida à Direção-Geral de Administração e Emprego Público (DGAEP) o pedido para a contratação de três centenas e meia de, além destes profissionais, também médicos e enfermeiros para os polos de Lisboa e do Porto do HFAR.
Os responsáveis do HFAR foram surpreendidos com uma nota de indeferimento, que se veio a repetir sucessivamente em resposta às várias insistências, nos meses de outubro e novembro.
A direção do HFAR e os mais altos responsáveis da Saúde Militar, na dependência do EMGFA foram avisando o gabinete da ministra de Defesa Nacional e o gabinete do secretário de Estado sobre o que se estava a passar, mas nem Helena Carreiras, nem Marco Capitão Ferreira, conseguiram alterar a decisão, a não ser, no passado dia 13 de dezembro, que fosse autorizada a contratação de cerca de uma centena de médicos, enfermeiros e farmacêuticos, mas só em Lisboa.
Com a contagem decrescente a aproximar-se do fim, fonte oficial do Ministério de Defesa Nacional (MDN), confrontada pelo DN com o cenário dramático, sublinha que "os contratos relativos aos processos do pessoal médico e de enfermagem foram já autorizados" e que "quanto ao mais, a área governativa da Defesa Nacional está a envidar todos os esforços junto das outras áreas governativas competentes, em articulação com a Direção do HFAR e o EMGFA, com vista à autorização dos restantes processos".
O MDN é sempre informado no início do ano que o HFAR tem um défice estrutural no seu quadro orgânico e que nenhum Governo resolveu: dos previstos e necessários 926 militares há falta de 473; dos 754 civis falta, 169 - um défice total de 652 efetivos.
"Tem sido pedida reiteradamente autorização e reforço orçamental para a admissão nos quadros de, pelo menos, 160 pessoas , através de concurso público, mas infelizmente não houve nenhum desenvolvimento. Ficam sempre dependentes dos da aquisição de serviço dos avençados", lamenta a mesma fonte.
Esta falha nos quadros tem sido compensada, em parte, pela contratação dos já mencionados prestadores de serviços, num total de 350, o que sucedeu em 2022, juntando a contratação de algumas empresas.
A verba dos custos orçamento para os avençados contabiliza pouco mais de cinco milhões de euros, num orçamento global do HFAR de cerca de 31 milhões de euros (14 do Orçamento do Estado e cerca de 17 milhões de receitas próprias).
Em 2021 foram realizadas no HFAR mais de 280 mil consultas, 4436 cirurgias, atendidas cerca de 18 mil urgências e realizados mais de um milhão de ações relativas a meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
valentina.marcelino@dn.pt
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal