Desde o início do ano que há hospitais a ativar o segundo nível dos planos de contingência para fazer face à procura elevada de cuidados nas urgências, devido às infeções respiratórias. Até agora, estes planos previam sobretudo a disponibilização de mais camas para internamento e mais médicos para reforçar as escalas, quer através da contratação de tarefeiros quer “desviando” de médicos dos quadros para as urgências. Contudo, nos últimos dias já há hospitais a suspender a atividade cirúrgica programada não urgente, mas que envolve internamento, para prevenir a sobrelotação nas enfermarias e a sobrecarga das equipas médicas. Pelo menos foi isto que já fizeram duas das Unidades Locais de Saúde (ULS) com mais pressão nas urgências, como a do Algarve, que integra os hospitais de Faro, Portimão e Lagos, e a de Almada-Seixal, que tem o Hospital Garcia de Orta. Numa circular divulgada nesta segunda-feira, a ULS Algarve informava que “atento o atual contexto de procura de cuidados não programados nos diferentes serviços, seja nos Cuidados de Saúde Primários, seja nos serviços de urgência hospitalares, tendo presente as orientações da Direção Executiva no âmbito dos planos de saúde sazonal (...), determina o Conselho de Administração, suspender toda a atividade cirúrgica programada que careça de internamento, exceto em situações comprovadamente inadiáveis a serem apreciados pela Direção Clínica”. A ULS Almada-Seixal confirmou ao DN ter feito o mesmo já no dia 8 e até que a situação seja reavaliada.O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, explica ao DN que esta medida é, por vezes, “a única solução”, porque “a alternativa seria dar pior resposta aos doentes agudos em urgência, o que também tem custos, à partida, logo para quem espera”. O administrador assume que o adiamento destas cirurgias pode ficar mais caro para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque, depois, “podem ter de ser resolvidas em produção adicional”. Mas, reforça, “para alguns hospitais é a única solução”. A procura elevada de cuidados nas urgências “é um problema que tem de ter resposta em várias dimensões”. “Num cenário em que tivéssemos equipas dedicadas só às urgências, poderia ser ligeiramente diferente”, admite. No entanto, relembra que a suspensão da atividade não urgente, “está prevista em todos os planos de contingência” e que “só é ativada em situações de elevada procura, designadamente quando é necessário disponibilizar mais camas para doentes agudos e/ou redirecionar recursos para a urgência”, reforçando que “só são desmarcados doentes que podem esperar algum tempo”, e que depois “são intervencionados logo que passe o período mais crítico”.Algarve garante mais 51 camas e Almada mais médicosAo DN, o presidente da ULS do Algarve, Tiago Botelho, assume a necessidade de medidas como a suspensão da atividade cirúrgica não urgente, que envolva internamento, para dar resposta nas urgências, salvaguardando que esta decisão “está a ser avaliada dia a dia e que pode ser revertida assim que a situação da época gripal esteja mais controlada”. O presidente do CA destaca, no entanto, que “não foi uma decisão tomada a solo, mas em consonância com a Direção Executiva”, salvaguardando que “o aumento da procura de cuidados que estamos a ter não é muito diferente do que tínhamos na época anterior”, mas a medida foi necessária para prevenir “a sobrelotação das enfermarias” e garantir “os recursos humanos”. Tiago Botelho salienta que não há mais atividades canceladas. “Consultas externa, Hospital de Dia, inclusivamente a cirurgia ambulatória, em que os doentes não precisam de cama de internamento, está tudo a funcionar a 100%. A atividade cirúrgica urgente, nomeadamente a oncológica, também”. O presidente do CA diz que também foi preciso criar “mais 51 camas de internamento, que estão disponíveis desde sexta-feira, nos vários hospitais da ULS”. “Ativámos 12 camas em Lagos, que estavam desativadas, criando-se uma nova enfermaria de medicina interna. Mais 13 camas em Portimão, e, em São Brás de Alportel, onde temos um Centro de Medicina Física e Reabilitação, foram ativadas 18 novas camas. Neste caso, para doentes convalescentes pós-cirúrgicos, de forma a que os hospitais de Faro e de Portimão tenham camas libertas. Por outro lado, criámos também mais oito camas em Faro para as infeções respiratórias”, explica. Portanto, “foi com esta margem de segurança que se tomou a decisão de suspender as cirurgias que envolvem internamento para se poder lidar com o aumento da procura nas urgências com maior tranquilidade”. Os hospitais do Algarve têm recebido diariamente cerca de 200 episódios nas urgências, a esmagadora maioria infeções respiratórias, “o que não é muito”, mas Tiago Botelho não sabe quanto tempo vai durar esta suspensão. “A decisão pode ser revertida a qualquer momento, mas as camas adicionais criadas vão ser mantidas até final de fevereiro”.A ULS Almada/Seixal, que também suspendeu a atividade cirúrgica não urgente, confirmou ao DN que a medida visou responder ao aumento da procura: “Nas últimas semanas, foi necessário o aumento do número de camas - duas por serviço hospitalar, de modo a aliviar a pressão sobre o Serviço de Urgência Geral (SUG)”. A ULS sublinha ainda que “o elevado número de doentes internados com alta clínica (casos sociais e/ou a aguardar resposta da rede de cuidados continuados) tem vindo a aumentar, o que continua a causar enorme pressão na urgência”. Por isso mesmo, foi necessário reduzir a atividade cirúrgica convencional programada, decisão que prevê “um conjunto de exceções” - “designadamente doentes oncológicos e não oncológicos com prioridade de urgência diferida ou muito prioritários, e doentes das especialidades sem impacto na capacidade de internamento de adultos” - e que “tem estado a ser reavaliada”.Os restantes hospitais que têm registado mais pressão nas urgências, como o Hospital Fernando da Fonseca (HFF), da ULS Amadora-Sintra, e o Beatriz Ângelo, em Loures, também já ativaram planos de contingência, com a adjudicação de mais camas para internamento e com a contratação de mais médicos tarefeiros para reforçar as urgências. Só que, segundo referem ambos, ainda não foi necessário “suspender atividade programada”. Na resposta ao DN, a ULS de Loures-Odivelas garante que até agora não foi necessário “reagendar” consultas ou cirurgias já marcadas, mas que as novas situações estão a ser “agendadas” com tempo, “dentro dos possíveis e sem prejuízo de situações prioritárias ou oncológicas, mais cirurgias de ambulatório (que não requerem internamento)”.Mas estes não são os únicos hospitais com planos de contingência, as grandes unidades, como Santa Maria e São José, em Lisboa, também já ativaram os seus planos, “mas ainda não foi preciso suspender qualquer atividade programada”, soube o DN. “A atividade nas urgências está a ser assegurada com as escalas planeadas, algumas reforçadas com médicos tarefeiros”. Os hospitais de Portalegre, Elvas e Évora ativaram planos de continência, No Norte, a ULS Tâmega e Sousa também e os hospitais de São João e Santo António reforçaram equipas.O bastonário dos médicos, Carlos Cortes, perante esta situação, reforçou nesta terça-feira ao DN que “tal só demonstra que o planeamento de inverno foi mal feito” e que “está a ser um falhanço”. “O SNS é uma manta de retalhos, destapa-se de um lado para tapar do outro”, afirmou. Ou seja, para “se responder às situações urgentes é preciso suspender alguma da atividade programada, como a cirúrgica, e continuará a ser assim enquanto não se tomarem medidas para fixar mais médicos no SNS”.Do lado da tutela, nesta terça-feira, a ministra Ana Paula Martins, confrontada pelos jornalistas sobre se estaria o Plano de Inverno a falhar, manifestou preocupação com a pressão que estão a passar algumas unidades, com tempos de espera "muito acima do recomendado do ponto de vista clínico”, mas rejeita a ideia de que este esteja a falhar. "Não posso reconhecer de maneira nenhuma que o plano esteja a falhar". .Quase metade das chamadas atendidas pela Linha SNS 24 foram parar às Urgências hospitalares