Horas extras pagas em pacote não agradam a médicos, que já pensam em formas de luta
Os médicos começam a perder a paciência com a ministra da Saúde e este verão pode voltar a ser marcado por greves e por recusas de mais horas extras no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Segundo os sindicatos, Ana Paula Martins está à frente da pasta há três meses e ainda não conseguiu avançar com a ronda negocial que tinha sido prometida para discutir o que as estruturas consideram prioritário para a valorização e fixação de profissionais no serviço público. E isto porque, na primeira reunião para o efeito, realizada no final de maio, a tutela apresentou uma proposta de negociação que nem sequer incluía as grelhas salariais, a valorização da remuneração base.
Foi então assumido o compromisso de se apresentar contrapropostas em novas reuniões em junho, mas a que estava agendada com a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) para dia 25 acabou por ser desmarcada, e ainda não há nova data marcada. A reunião com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) está agendada para hoje, pelas 10:00, e o secretário-geral, Nuno Rodrigues, espera que nesta se perceba “qual é a real disponibilidade negocial do ministério para as prioridades dos médicos”, avisando desde logo que se esta não existir “vamos pensar em formas de luta”.
A Fnam, por seu lado, já fez saber que não dará muito mais tempo à tutela para negociar, tendo já pedido aos médicos que recusem fazer mais horas extras além das que estão obrigados por lei, e já avisou que está disposta a avançar para greves gerais e parciais, às horas extras, nos cuidados primários.
A posição da Fnam foi assumida no início desta semana, depois de uma reunião online na segunda-feira com a tutela - para a qual o sindicato diz ter sido convocado à pressa - sobre o valor hora a pagar ao trabalho suplementar. E para a Fnam a proposta apresentada “é inaceitável”. “O ministério quer pagar as horas extraordinárias aos médicos por pacotes de 40 horas”, argumentou Joana Bordalo e Sá ao DN. Ou seja, depois de atingirem as 150 ou as 250 horas extras a que estão obrigados por lei, os médicos receberão um suplemento de 40% da remuneração base, de 42%,5, de 45% ou até mais consoante o número de blocos de 40 horas que forem fazendo, não havendo sequer um limite de horas para o trabalho suplementar.
Por isto a médica sublinha: “A tutela pretende pagar aos médicos o trabalho suplementar ao preço do trabalho normal, sem limites máximos até ao fim do ano, colocando em causa a segurança dos doentes e condenando os médicos à exaustão.”
O secretário-geral do SIM também não concorda com a proposta apresentada pelo ministério, mas reconhece que esta irá refletir um aumento na remuneração dos médicos que aceitarem trabalhar neste regime. Contudo, “como sindicato não podemos aceitar uma proposta como esta”, considerando que “a ausência de um limite de horas para o trabalho extraordinário é inaceitável”.
Ao DN, Nuno Rodrigues disse: “O ministério chamou-nos para apresentar este diploma como se fosse uma prioridade, e para nós não é. A prioridade é a negociação da grelhas salariais.”
A proposta da tutela, já vertida em diploma, “irritou” os sindicatos médicos. A Fnam diz mesmo que “fomos chamados à pressa porque neste tipo de matérias os sindicatos têm de ser ouvidos, mas não houve qualquer negociação porque o projeto de diploma já nos foi apresentado como uma proposta final sem contraditório a levar a Conselho de Ministros, no próximo dia 4 de julho”.
Perante tal, Joana Bordalo e Sá considera que “este Executivo já está a ter o mesmo modus operandi que o anterior, uma total falta de respeito pelos médicos”, sublinhando que “a Fnam não compactua e repudia esta nova forma de valorização do trabalho suplementar que não traduz a natureza e penosidade do trabalho que está a ser exigido”.
A médica reforça ainda que a estrutura que dirige está disponível para negociar e que “já foram apresentadas várias propostas e datas para novas reuniões com a tutela, mas até agora sem resposta”. Em comunicado, a Fnam alertava também os médicos para o facto de “esta nova forma de pagamento ter a agravante de forçar os médicos, a partir de 1 de julho, ao trabalho suplementar sem limites até ao fim do ano, o que colocará em causa a segurança dos doentes, promoverá a exaustão dos médicos, violando uma vez mais o direito constitucional à conciliação entre a vida profissional e pessoal”.
Ambos os sindicatos reforçam que aquilo que os médicos querem “não são mais suplementos ou incentivos para trabalho extra, são medidas que valorizem a remuneração base, que renegoceiem a carreira médica e a melhoria das condições de trabalho, porque só assim será possível fixar profissionais no SNS”, defendeu Joana Bordalo e Sá, que critica: “Há disponibilidade financeira por parte da tutela para o trabalho extra, para aumentar a retribuição aos prestadores de serviços, para transferir doentes para o setor privado só não há disponibilidade para valorizar a remuneração base. Isto só confirma falta de vontade política do ministério de Ana Paula Martins para negociar”.
Para o secretário-geral do SIM, o diploma apresentado esta semana “é mais do mesmo. Está-se a promover de novo as horas extras no SNS, que é precisamente o que os médicos não querem. A proposta não nos agrada e não tem o nosso acordo. Na reunião de amanhã (hoje) vamos ver o que vai ser posto em cima da mesa de negociação e qual é a vontade real deste Governo em valorizar os médicos. Se não houver essa vontade, naturalmente que iremos para outras formas de luta”.
O verão pode aquecer no SNS. Além dos constrangimentos que já existem nas urgências e em outros serviços por falta de médicos, pode ainda ser marcado por greves. Até agora, o Movimento de Médicos em Luta, que surgiu precisamente há um ano, regista mais de 500 assinaturas de médicos a mostrar disponibilidade para não fazerem mais horas extras e já 100 minutas de recusa assinadas.
O DN contactou tutela e soube que o diploma está mesmo agendado para a próxima reunião de conselho de ministros.