Hacker do Liceu Camões acusado de discriminação racial e incitamento ao ódio e à violência

O jovem de 17 anos que invadiu uma reunião online no Liceu Camões sobre escravatura, exibindo suásticas e imagens de negros a serem espancados fazia parte do National Partisan Movement, um grupo de extrema direita com sede nos Estados Unidos.

"It"s a Zoom meeting about systemic racism. No account needed. Join in there and fuck them up". Foi com esta mensagem que D.S., na altura com 17 anos, incitou vários seguidores de um movimento norte-americano de extrema direita a ciberatacar uma reunião online sobre escravatura organizada pela Associação de Estudantes do Liceu Camões, em Lisboa. Os 97 participantes, na sua maioria pessoas negras, viram os ecrãs encherem-se de suásticas, imagens do Ku Klux Klan, negros a serem espancados, enquanto ouviam vozes a imitar grunhidos de macacos e expressões como "Nigger", "Nigger go home", "Go back to Africa" e "Shut up nigger!".

A investigação titulada pela 11.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), de Lisboa, coadjuvada pela Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária, concluiu que D.S. foi o responsável por este ciberataque e deduziu acusação no final de janeiro: cúmplice de discriminação racial e incitamento ao ódio e à violência, previstos no artigo 240 do Código Penal, são os crimes pelos quais está acusado este jovem, atualmente com 18 anos.

O Ministério Público (MP) concluiu que D.S., morador em Lisboa, tinha aderido ao National Partisan Movement (NPM), um grupo de extrema-direita, com sede nos Estados Unidos, que usava plataformas como o Telegram para recrutar jovens neonazis entre os 14 aos 19 anos.

O NPM autodefinia-se como "um grupo especializado na identidade branca para o futuro e pelo futuro", conforme se pode ler no site da organização Hope not Hate, que combate estes fenómenos extremistas e o denunciou às autoridades. Na altura, finais de 2020, era liderado por um norte-americano de 15 anos e a maioria dos seus membros residiam na Europa, tendo o mais novo apenas 12 anos.

O núcleo mais ativo era na Suécia, onde dois dos seus membros estavam também ligados ao movimento nazi Nordic Resistence Movement e ao ativismo "eco-fascista".

A 18 de fevereiro de 2021 realizou-se uma palestra online sobre "A influência da Escravatura no Sistema e Racismo Institucional", divulgada na página de Instagram da Associação de Estudantes da escola secundária, com acesso livre. De acordo com o que foi apurado na investigação, poucos minutos depois de ter começado a reunião, D.S. lançou o apelo já referido, juntamente com o link de acesso. Várias intrusos , também ativistas do NPM, invadiram a reunião sob anonimato, usando ferramentas tecnológicas de ocultação de identidade. Segundo o MP, foram identificados IP´s (Internet Protocol que identifica o dispositivo na internet ou em uma rede) disfarçados por VPN e Proxy, bem como IP"s sediados em países como EUA América, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Roménia, Bulgária, Noruega e Inglaterra.

Um dos indivíduos dos Estados Unidos gravou um vídeo de cerca de cinco minutos sobre a intervenção do grupo naquele fórum e as reações dos assustados participantes, que partilhou nos canais da internet utilizados pelos membros do NPM.

O jornal Público, que deu a notícia do caso, escreveu que o evento, organizado em colaboração com uma rede de alunos africanos na diáspora, A Fonte, tinha sido anunciado nas redes sociais da associação de estudantes e foi partilhado por várias pessoas. Na altura não se sabia se os ataques tinham sido feitos por alunos da escola ou de fora.

Na conta das redes sociais, D.S. usou uma imagem com as palavras "White Power" e uma cruz suástica. De acordo ainda com a acusação do DIAP, D.S. terá tentado outras duas vezes perturbar reuniões online da Associação de Estudantes do Liceu Camões. Uma delas, a 25 de fevereiro de 2021, intitulada "Associação de Estudantes feministas e pró LGBTQ+", em relação à qual avisou o seu grupo de que estava a organizar um ataque. Porém, reconhecendo que a segurança tinha sido reforçada, na sequência do primeiro ataque, não conseguiu. A terceira tentativa, gorada, foi a 2 de março, noutra palestra.

D.S. foi detido pela PJ em maio do ano passado, mais de um ano depois dos ataques. Ficou sujeito a termo de identidade e residência e proibido de contactar grupos de ideologia nazi. No seu comunicado, a PJ revelava que tinha detido "um dos presumíveis autores da invasão online", que partilhava "em diversas plataformas digitais propaganda neonazi". Tinha difundido "o link da reunião em diversos canais e redes sociais com o objetivo de, em articulação com outros utilizadores, perturbarem ​​​​o referido debate, que se estava a realizar através da plataforma Zoom com participantes maioritariamente de raça negra".

"Incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica" é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, segundo o Código Penal. Na acusação deduzida, o MP entende que mesmo em concurso de infrações, não deve ser aplicada ao arguido a pena máxima, não só porque este não tem antecedentes criminais, mas também porque em casos semelhantes, em regra, as sentenças são sem abaixo deste limite.

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